A forte queda da participação da indústria de transformação
no PIB quando comparada a outros países parece estar voltando a ser assunto, se
é que algum dia deixou de ser. Como em tantos outros casos o problema central é
escolher o grupo comparação. Quem são nossos pares? Alguns gostam de responder
essa pergunta olhando para OCDE, outros para a Ásia por conta do desempenho
econômico de países emergentes nessa região.
Países da Ásia de fato tiveram um crescimento impressionante
da economia como um todo e da indústria nas últimas décadas. Alguns creditam
esse desemprenho a políticas industriais e coisas do tipo, o problema é que por
aqui também tivemos essas políticas e não tivemos os mesmos resultados da Ásia.
Talvez seja mais frutífero procurar aa razões para diferenças em fatores que
não tivemos por aqui, por exemplo, o salto na educação e as altíssimas taxas de
poupança. Mas isso é conversa para outro post, por agora quero apenas saber com
quem comparar o Brasil para avaliar o desempenho de nossa indústria como
proporção do PIB.
Países ricos também não parecem uma boa opção, como já
registrei em vários outros posts comparar países ricos com países emergentes é
tarefa complicada e perigosa. Creio que o melhor a fazer é procurar países aqui
de “nuestra America” para fazer a comparação. Afinal somos todos “rapazes
latinos”, sem poupança no banco e cheios de commodities para vender.
O problema de comparar com a América Latina é encontrar
países onde a indústria era relevante nos anos oitenta de forma que faça
sentido falar de decadência da indústria de lá para cá. Para encontrar esses
países recorri a base de dados do Banco Mundial e peguei a participação da
indústria de transformação no PIB em 1980 para todos os países da América
Latina e Caribe com mais de cinco milhões de habitantes naquele ano. Aí a coisa
complicou. Do grupo de países selecionados apenas o Brasil tinha uma indústria
de transformação correspondente a mais de 30% em 1980. Baixei o filtro para
25%, apenas Brasil e Argentina ficaram na amostra. Baixei o filtro para 20%,
ficaram na amostra, além de Brasil e Argentina, o Chile, o México e a Colômbia.
Pensei em baixar mais, mas ficaria estranho perguntar onde
mais a indústria de transformação perdeu cerca de 20% do PIB desde 1980, como
aconteceu no Brasil considerando países onde a indústria de transformação tinha
menos de 20% do PIB em 1980. No melhor estilo “só tem tu, vai tu mesmo” fiz o
gráfico abaixo com a participação da indústria de transformação no PIB entre
1965 (antes disso tinha muitos valores ausentes) até 2016.
De fato, existe uma forte queda no valor adicionado pela indústria
de transformação como proporção do PIB no Brasil. Isso faz do Brasil um caso atípico?
Aqui e preciso cuidado. A valer o grupo de comparação talvez seja mais correto
falar que o Brasil está voltando a ser um caso típico. Apenas Brasil e
Argentina andaram com uma indústria de transformação acima de 30% do PIB, nos
dois a indústria de transformação aparece em forte queda em relação ao PIB. Uma
curiosidade da figura é que o México, aquele que tem um acordo de livre comércio
com os EUA, é o único país onde não houve queda da indústria de transformação como
proporção do PIB nos últimos dez anos. Talvez o excesso de proteção tão típico
por nossas bandas seja incompatível com uma indústria forte, talvez tenha sido
a falta de altas taxas de poupança ou o fracasso em criar bons modelos de
educação. Falta de política industrial é que não foi.
Os poucos países que usei na comparação não podem estar
influenciando demais o resultado? É uma pergunta legitima, creio que tive bons
motivos para minha escolha, mas não me custa aumentar o número de países nem
que apenas por curiosidade. A figura abaixo mostra a participação da indústria de
transformação no PIB para todos os países da América Latina e Caribe com mais
de cinco milhões de habitantes em 1980. Como não é possível destacar cada um
deles eu destaquei apenas o Brasil.
Mais uma vez a figura deixa a impressão que o Brasil era atípico
nas décadas de 1970 e 1980, não agora. A grande queda que vai de meados da
década de 1980 a meados da década de 1990 trouxe o Brasil de volta ao grupo dos
países da América Latina e Caribe. O contraste com a Ásia é claro, a figura abaixo
repete a figura acima trocando os países da América Latina e Caribe pelos
países da Ásia e Pacífico. Se comparado com esse grupo o Brasil realmente
parece ser um caso atípico, mas não creio que esse seja o melhor grupo de
comparação para o Brasil. Como já registrei no começo o modelo asiático é muito
diferente do nosso para esperarmos resultados semelhantes.
Para quem ficou curioso os dois países onde a indústria de
transformação termina abaixo de 10% do PIB são a Austrália, 6,07% do PIB em
2016, e Hong Kong, 1,08% do PIB em 2016. Hong Kong por certo não vale como parâmetro
para o Brasil ou para a maioria dos países, mas a Austrália pode ser um modelo
interessante de como viver bem com uma indústria de transformação abaixo de 10%
do PIB. A figura abaixo compara Brasil e Austrália. Infelizmente a série para
Austrália é curta, mas se compararmos os últimos vinte anos, depois da “convergência”
do Brasil para América Latina, a queda na participação da indústria de
transformação no PIB foi mais forte na Austrália do que no Brasil.
Uma última comparação, quem acompanha o blog sabe que ela
cedo ou tarde apareceria, é com os países de renda média-alta. A figura lembra
a da América Latina e Caribe onde Brasil e Argentina estavam descolados do
grupo e agora estão de volta à turma. A diferença é que os países de renda média-alta apresentam um comportamento mais diverso que os países da América Latina e Caribe, quase como se existissem duas turmas, uma com maior participação da indústria de transformação no PIB e outra onde essa participação é menor.
Sei que o tema é controverso, mas posto na devida
perspectiva a queda da participação da indústria no PIB brasileiro não é algo
absurdo, talvez absurda tenha sido a elevação da participação da indústria no
pós-guerra. Migrar para um modelo asiático me parece fora de cogitação em um
país que passou vinte anos discutindo para colocar idade mínima para ter
direito a aposentadoria. É muito difícil, talvez impossível, compatibilizar
altas taxas de poupança com rede de proteção social e, tudo indica, não estamos
muito dispostos a abrir mão de proteção social. O Brasil, assim como boa parte da
América Latino, é rico em commodities e não sei se faz muito sentido ignorar
esse fato. Melhor do que amaldiçoar os recursos naturais que temos e seguir o
modelo asiático pode ser tentar aprender com a Austrália e deixar d elado a
obsessão com a participação da indústria de transformação no PIB que, além de
tudo, é uma medida bem fraquinha da força da indústria de um país.
P.S. Duas notas: (1) os dados que usei foram da WDI conforme estava em julho de 2018; (2) o valor da participação da manufatura no PIB para o Brasil em 1990 não está na base de dados, para evitar quebras no gráfico fiz uma interpolação com os dados de 1989 e 1991.
Seria interessante a sua interpretação dos dados em https://www.brookings.edu/research/global-manufacturing-scorecard-how-the-us-compares-to-18-other-nations/.
ResponderExcluirPor que a indústria de transformação é uma medida fraca?
ResponderExcluirUm artigo muito interessante para ler! muito obrigado!
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