Enquanto justificava o cortes, digo contingenciamentos, nos orçamentos das universidades federais o presidente Jair Bolosnaro afirmou que não temos
universidades entre as 250 melhores do mundo (link aqui). Pelo ranking da Times
Higher Education (link aqui) a afirmação é verdadeira, de fato a universidade melhor
classificada é a USP que aparece na faixa de 250 a 300. A afirmação também não
é exatamente uma novidade, embora não seja o único do tipo trata-se de um ranking bem
conhecido. O que me causou alguma estranheza foi colocar a afirmação no meio
das justificativas para o contingenciamento. Não me entendam mal, existem
vários problemas sérios de gestão, de financiamento e de incentivos que precisam
ser superados, exatamente por conhecer bem esses problemas e por ter uma ideia
da distribuição das melhores universidades pelo mundo que vejo a colocação da
USP como uma surpresa positiva e não como algo a ser criticado.
Não esperem encontrar aqui uma crítica ao contingenciamento,
como disse várias vezes no FB eles são inevitáveis dada a situação fiscal do país.
O que me deixou incomodado foi que o governo resolveu divulgar o contingenciamento
como se fosse uma coisa desejável sem ter um diagnóstico do problemas das
universidades e, mais grave ainda, sem ter um projeto para o ensino superior que,
por exemplo, abrisse alternativas para que as universidades federais buscassem outras
fontes de financiamento para compensar a verba do Tesouro. Nesse contexto afirmar
que não temos uma universidade entre as 250 melhores pode ter sido apenas mais
um resultado do governo não ter feito o dever de casa antes de mexer no
vespeiro que é a educação. A verdade é que poucos países de renda média-alta,
grupo onde o Banco Mundial classifica o Brasil, possuem universidades entre as
250 melhores do mundo.
A figura abaixo mostra em que países estão as 250 melhores
universidades do mundo de acordo com o ranking da Times Higher Education.
Apenas três países de renda média-alta aparecem na lista: China, com sete
universidades, Rússia, com uma universidade, e África do Sul, com duas
universidades. Dos vinte e oito países onde estão as 250 melhores universidades
do mundo apenas um, África do Sul, possui um PIB per capita menor que o
brasileiro. Das 250 universidades listadas apenas nove, duas na África do Sul e
sete na China, ficam em países com PIB per capita menor que vinte mil dólares
internacionais (segundo o FMI em 2018 o PIB per capita do Brasil em dólares
internacionais foi de U$ 14.360). Nenhuma das 250 melhores universidades do
mundo fica na América Latina.
É certo que seria muito bom o Brasil tivesse pelo menos uma
universidade nessa lista, talvez uma grande reforma na educação superior se
muito bem executada possa colocar uma de nossas universidades nessa lista, mas
não estar em uma lista que é basicamente composta de países ricos não é
exatamente um problema sério. O professor Marcelo Hermes Lima mostrou problemas
muito mais pertinentes do que não aparecer no ranking das 250 melhores em uma série
de textos que escreveu a respeito do impacto da pesquisa realizada no Brasil
(ver, por exemplo, aqui e aqui).
Olhar o ranking para além das 250 melhores pode ser um exercício
interessante. O degrau seguinte do ranking, 250 a 300, é onde aparece a USP. Entre
as trezentas melhores o Brasil se junta a China, Rússia e África do Sul e forma
o clube dos países de renda média-alta na lista. É isso mesmo, apenas quatro
países de renda média-alta possuem pelo menos uma universidade entre as 300
melhores do mundo e o Brasil é um deles. A figura abaixo mostra a distribuição
das 300 melhores universidades entre os diversos países.
Para o próximo exercício considerei as mil melhores
universidades e selecionei as que estão em países de renda média-alta. Das mil
melhores universidades do mundo 177 estão em países de renda média-alta, em
primeiro lugar disparado aparece a China com 65 universidades, em segundo lugar
o Irã com 21 universidades, em terceiro lugar a Rússia com 17, em quarto o
Brasil com 15 e em quinto a Turquia com 12. Dos cinquenta e seis países de
renda média-alta apenas 21 possuem universidades entre as mil melhores do
mundo e destes o Brasil é o quarto país com maior número de universidades. A
figura abaixo mostra a distribuição das mil melhores universidades localizadas
em países de renda média-alta.
Um último ponto que quero registrar foi algo que me chamou
atenção enquanto eu preparava os dados para esse post. Dentre as mil melhores universidades
do mundo apenas cinquenta e cinco possuem mais de cinquenta mil alunos, destas a USP aparece na nona posição. Não sei como o número de aluno interfere
na avaliação de uma universidade, mas o fato de dentre as cem melhores
universidades do mundo apenas quatro contarem com mais de cinquenta mil alunos
sugere que com mais alunos é mais difícil conseguir uma boa colocação no
ranking. Se esse for o caso podemos nos encontrar diante de uma escolha complicada
entre melhorar a classificação de nossas universidades ou ter mais alunos em
nossas boas universidades. Não tenho uma resposta pronta, mas, a princípio,
suspeito que a segunda opção seja melhor para a maioria dos brasileiros.
Obrigado pelas informações instrutivas, professor.
ResponderExcluirCom relação ao raciocínio final. Uma outra opção seria termos mais universidades excelentes, e os alunos se distribuíram naturalmente entre elas.
ResponderExcluirAs universidades americanas são quase todas custeadas por doadores privados. As melhores, pelo menos. Mas esses gráficos trazem várias inconsistências.
ResponderExcluirHong Kong não tem como estar à frente de China, Japão, França ou Finlândia. Essa cidade não é independente e é apenas uma cidade, com no máximo duas ou três universidades.
A classificação da Austrália, Singapura, Coréia e do Canadá também são questionáveis, considerando a sua produção intelectual e número de patentes.
Talvez seja ainda mais interessante ver as coisas no nivel de faculdade. Por exemplo, de acordo com um outro ranking (https://www.topuniversities.com/university-rankings/university-subject-rankings/2018/engineering-civil-structural) a faculdade de engenharia da USP consta entre as cem melhores do mundo.
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