Tenho visto alguns amigos defendendo que o BC venda as
reservas para segurar o câmbio e de quebra ajudar no lado fiscal, na verdade a
ordem pode mudar e o amigo vir a defender que o BC venda reservas para aliviar
o lado fiscal e de quebra segurar o câmbio. O segundo argumento faz parte das
medidas de populismo econômico tão conhecidas por estas bandas, pensei em
escrever a respeito faz algumas semanas quando várias pessoas me questionaram
sobre a venda de reservas para ajudar o esforço fiscal, acabei desistindo um
pouco por falta de tempo, um pouco por preguiça e um tanto porque discutir
ideias assim tende a ser contraproducente. De toda forma os que estão empolgados
em vender reservas para abater dívidas podem procurar no Google a respeito do
conflito entre Cristina Kirchner e Martín Redrado (link aqui), então presidente do BC
argentino que não obedeceu a ordem de Kirchner para colocar reservas em um
fundo destinado a ajudar na dívida pública.
O primeiro grupo, os que querem vender reservas para segurar
o câmbio, tem uma proposta mais interessante. Longe de ser uma maneira de
prolongar políticas populistas, vender reservas para segurar o câmbio é uma estratégia
que pode ser justificada a depender das circunstâncias da economia e do tipo de
política econômica. Em um regime de câmbio flutuante, como pelo menos em tese é
o regime brasileiro, o Banco central não deve influenciar o câmbio e, portanto,
não faz muito sentido falar de usar reservas para evitar desvalorização do
câmbio. Porém, com provam os infames swaps cambiais, nosso regime só é
flutuante em tese, na prática o Banco Central opera para influenciar o câmbio,
sendo assim e considerando que os swaps além de caros definitivamente não foram capazes de
segurar o câmbio, eu entendo que a tese de usar reservas no lugar de fazer
operações de swaps, bem definidas como “bolsa banqueiros” por um colega que não
vou dizer quem é porque ele trabalha no governo, é defensável. Que fique claro
que dizer que uma proposta é defensável não quer dizer que eu apoie a proposta,
apenas que eu entendo a lógica de quem apoia. Minha tese é que o BC deve deixar
o câmbio flutuar e gerenciar as reservas considerando questões como liquidez,
credibilidade e coisas do tipo. Outro motivo para olhar com cuidado o uso de reservas para segurar o câmbio é o recente flerte do presidente do BC com a tese (link aqui).
Quem acompanha o blog já deve ter percebido que gosto de
olhar para o que acontece em outros países, não por acreditar que o acontece em
outros países seja exatamente igual ao que pode acontecer por aqui, mas por
crer que é sempre possível tirar lições das experiências alheias. Pensando assim
convido o leito a olhar o que aconteceu na Rússia no último ano. A escolha da
Rússia é porque a moeda deles, o rublo, disputa com o real o título de moeda
que mais desvalorizou nos últimos doze meses. A figura abaixo mostra a taxa de
câmbio entre dólar e rublo desde de dois de outubro de 2014.
Repare a forte desvalorização entre o final de novembro e
meados de dezembro, infelizmente não consegui dados diários para o volume de
reservas da Rússia, os dados mensais obtidos na página do Banco Central da Federação Russa (link
aqui) não permitem ver a variação no período específico, tudo que sei é que em
31/10/14 as reservas eram $428 bilhões e em 31/12/2014 tinham caído para $385
bilhões, notícias da época mostram queda de mais de $10 bilhões por semana
(link aqui e aqui). Tamanha queda nas reservas não foi capaz de evitar a desvalorização
do rublo, na realidade a queda ocorrida em meados de janeiro facilmente visível
na figura segue a elevação da taxa de juros de 10,5% para 17% feita no dia
dezesseis de dezembro. Aqui o gráfico com dados diários pode ser enganoso, a
queda acentuada seguida de uma subida pode dar impressão que nada aconteceu, mas a realidade não é bem assim, no dia dezessete de janeiro, um dia após a elevação dos juros,
o câmbio pulou de 59 para 65 rublos, porém na sequencia o câmbio caiu até fechar
o ano em 56 rublos por dólar, depois retomou o crescimento, mas só voltou para
65 rublos por dólar em vinte de janeiro. No final de janeiro, quando o Banco Central da Federação Russa reduziu a taxa de juros para 15% o câmbio estava em 68 rublos por dólar.
Entre o dia dezessete de dezembro de 2014 e trinta de janeiro de 2015 o rublo
desvalorizou 4%, até o aumento dos juros o rublo tinha desvalorizado 30% só em
dezembro de 2014.
A figura abaixo mostra o câmbio e as reservas com frequência
mensal, lembrem que não consegui encontrar as reservas da Rússia com frequência
diária, o período mais longo permite enxergar melhor a dinâmica que descrevi no
parágrafo acima. É possível observar que o câmbio para de crescer em janeiro
após a elevação dos juros em dezembro, também é possível observar que o uso de
reservas, bem ilustrado pela queda de quase $100 bilhões nas reservas entre
setembro de 2014 e fevereiro de 2015, não foi capaz de conter a desvalorização
do rublo. Por fim é possível observar como a reversão da política de juros foi acompanhada de novas desvalorização do rublo, ver tabela ao lado.
Como disse acima países nunca são iguais, mas não raro, mesmo
sendo diferentes, compartilham experiências semelhantes que podem, embora não necessariamente,
oferecer lições comuns. A figura abaixo (link aqui) mostra a evolução do real e
do rublo nos últimos doze meses, o dólar australiano está na figura apenas como
referência de moeda de uma país que também depende de commodities, em um ano
tanto o rublo como o real desvalorizaram mais de 60%, em seis meses o real
desvalorizou 25% e o rublo 16%. O fato de terem moedas com desvalorizações
superiores a 15% em um ano faz com que Brasil e Rússia tenham os mesmos
problemas e as mesmas soluções? Não. Há pouco tempo falei da Colômbia (linkaqui), em um ano o peso colombiano desvalorizou 50%, mas Colômbia e Brasil
possuem problemas diferentes.
Então para que serve analisar o caso da Rússia?
No mínimo serve para aprendermos mais sobre economia, mas também pode servir
para ter em mente que queimar reservas não necessariamente segura o câmbio e
que em alguns casos o aumento dos juros é inevitável. Terminando registrando
que não estou sugerindo um aumento dos juros para segurar o câmbio, longe
disso, como falei acima defendo o regime de câmbio flutuante, ademais a
inflação prevista para este ano próxima a 9,5% e a inflação prevista para o
próxima ano em torno de 6% já são motivos suficientes para um BC que tenha
compromisso com o combate à inflação elevar os juros.
Sem mudar regras das despesas vinculadas, que permita um ajuste fiscal de longo prazo, não há juros e venda de reservas que segurem o câmbio. Podem funcionar por curto período, mas se não houver ajuste nas contas, a tendência é o real continuar se desvalorizando.
ResponderExcluirPrezado Prof Roberto,
ResponderExcluirpoderia indicar algum artigo/paper sobre o uso dos swaps cambiais e seus efeitos?
Muito obrigado!
Professor,
ResponderExcluirFalastes sobre a venda de reservas para segurar o câmbio. Atualmente a idéia é outra, que acha da matéria:
http://247wallst.com/investing/2016/10/19/saudis-china-dump-treasuries-foreign-central-banks-liquidate-a-record-346-billion-in-us-paper/