A Folha de São Paulo noticiou que o governo estuda
reduzir a jornada de trabalho para conter o crescimento do desemprego (link
aqui). Segundo a reportagem as centrais sindicais defendem uma redução na
jornada de 30% e uma redução nos salários de 15%, a proposta das centrais
sindicais, como era de se esperar, levaria a um aumento no valor da hora
trabalhada. A relação entre horas trabalhadas e salário real é um tema particularmente
espinhoso para quem estuda o ciclo de negócios, em 1992 os professores Gary
Hansen e Randall Wright escreveram um texto a respeito do tema que até hoje
pode ser lido como uma introdução ao assunto (link aqui). No texto os autores
exploram as inconsistências entre teoria e os fatos relativos ao comportamento
das horas trabalhadas e da produtividade do trabalho durante o ciclo econômico.
Modelos de tradição neoclássica, especificamente os modelos
de ciclos reais, descrevem as flutuações a partir de choques de produtividade
que deslocam a função de produção e a demanda de trabalho. Um choque positivo
faz com que as firmas estejam dispostas a contratar mais empregados a um
salário maior, se isso for verdade os dados deveriam mostrar uma correlação
positiva entre horas trabalhadas e produtividade do trabalho. Por sua vez
modelos keynesianos descrevem os ciclos por meio de movimentos na demanda
agregada, um aumento da demanda agregada levaria as firmas a contratarem mais trabalhadores
e, pela lei dos rendimentos decrescentes, levaria a uma redução da
produtividade, se a hipótese keynesiana for verdadeira então a correlação entre
horas trabalhadas e produtividade deveria ser negativa. Como os dados não estão preocupados
em agradar os economistas de escolas A ou B a correlação observada entre horas
e produtividade nos EUA é próxima de zero. O artigo do Hansen e do Wright segue
apresentando possíveis soluções teóricas para explicar a falta de correlação
entre horas trabalhas e produtividade. Se o leitor ficou interessado pelo tema
recomendo que leia o texto com atenção especial à seção que trata de um texto
de 1992 do Lawrence Christiano e do Martin Eichenbaum publicado na American Economic
Review cujo o título é Current business
cycle theories and aggregate labor-market fluctuations.
A introdução acima nos mostra os perigos de raciocinar com
uma correlação pré-estabelecida entre horas trabalhadas e produtividades. Como
nos modelos em questão o salário é determinado pela produtividade do trabalho
então o perigo da frase anterior pode ser aplicado a correlação entre horas
trabalhadas e produtividade. Se a atual redução nas horas trabalhadas decorrer
de uma contração da demanda agregada nas linhas dos modelos keyneisanos tradicionais
então é possível que a proposta dos sindicatos de reduzir horas e aumentar
salários seja viável, o mesmo pode ser dito se a redução das horas trabalhadas
decorrer de um deslocamento da oferta de trabalho como no modelo do Christiano
e do Eichenbaum. Porém se a redução das horas de trabalho vier de um choque de
oferta no estilo dos modelos de ciclos reais ou mesmo no de vários modelos DSGE
a tentativa de reduzir horas e aumentar salários poderá ser desastrosa. O
governo e os que se dedicam a debater e entender a economia brasileira terão de
fazer suas apostas. A minha já está feita: há muito que aponto que o problema da
economia brasileira não é de demanda, nosso problema é de oferta e decorre da
baixa produtividade.
A questão da produtividade muitas vezes é ignorada e
relegada a um papel menor quando se analisa o mercado de trabalho e outras
questões em macroeconomia de curto e médio prazo. No debate acadêmico as
contribuições de Finn Kydland e Edward Prescott colocaram os choques de
produtividade no centro da explicação para o ciclo econômico, é bem verdade que
novas gerações de modelos conhecidos como DSGE (dynamic stochastic general
equilibrium) colocaram falhas de mercado e formação de expectativas de volta no
debate, mas tais modelos não ignoram o papel da produtividade no ciclo
econômico. Porém no debate do dia a dia que ocorre nos jornais, em seminários e
na internet a produtividade costume ser solenemente ignorada. Temas como
câmbio, juros nominais, déficit fiscal e princípios morais como “quem não
trabalha não come” ou “é preciso sofrer para ganhar algo” são mais facilmente
encontrados do que referências à produtividade, é bem verdade que isso mudou um
pouco nos últimos anos, mas acredito que a produtividade continua subestimada
no debate.
Tome como exemplo a relação entre horas trabalhadas e nível
de renda. Hoje acompanhando os debates que seguiam a notícia da possível redução
na jornada de trabalho vi vários comentários afirmando que é impossível crescer
e alcançar um nível de renda mais elevado sem trabalhar mais. Do ponto de vista
prático a afirmação me parece, no máximo, uma meia verdade, do ponto de vista
teórico a afirmação está errada. A diferença é que do ponto de vista prático os
baixíssimos níveis de produtividade observados no Brasil e a dificuldade que
temos em aumentar nossa produtividade que está praticamente estagnada já fazem
40 anos justifica dizer que só podemos aumentar nosso padrão de vida se
trabalharmos mais, porém, em termos mais gerais, é perfeitamente possível trabalhar
menos e ter um padrão de vida mais alto. O segredo para tal cominação está na
elevação da produtividade.
Para o leitor cético recomento que olhe a figura abaixo, os
dados são da OCDE.StatExtracts (link aqui). Na figura estão as horas médias
trabalhadas por trabalhador em 2012 em diversos países da OCDE. Se a figura não
estiver clara talvez seja útil saber que os cinco países onde o trabalhador médio
trabalhou mais horas em 2012 foram: México, Coreia do Sul, Grécia, Chile e
Rússia. Se o leitor está espantado talvez queria saber que os cinco países onde
“menos se trabalhou” em 2012 foram: França, Dinamarca, Noruega, Alemanha e
Holanda. Surpreso?
A figura seguinte mostrando a relação entre PIB per capita e
horas médias trabalhadas por ano é ainda mais incomoda. Perceba que a relação é
negativa! Quanto mais horas trabalhadas menor o PIB per capita. Naturalmente a
figura é apenas um exercício ilustrativo (repitam comigo: correlação não é causalidade)
e não significa nada além de mostrar que os dados não permitem afirmar quem em
2012, para os países da OCDE, os países que trabalham mais têm renda per capita
maior. Qualquer tentativa de ir além disso faz tanto sentido quando afirmar que
filmes do Nicolas Cage matam as pessoas afogadas (link aqui). Por pouco que seja
a firmação permitida pelos dados mostram que não é necessário trabalhar mais
para ter um padrão de vida melhor. Estou entre os que acreditam que o caminho
para riqueza não está na frugalidade nem na disposição para o trabalho, o
segredo para riqueza está na produtividade. Poupar mais e trabalhar mais
aumentam a riqueza pois permitem produzir mais com mais, porém há um limite
para aumentar a riqueza por tal caminho. Para conseguir cada vez mais no longo
prazo é preciso aprender a fazer mais com menos.
Infelizmente como já comentei em outro post (link aqui) e
como vários outros pesquisadores já concluíram nossa produtividade é baixa e
cresce pouco. Dada tal realidade uma mudança que nos leve a trabalhar menos
deverá nos tornar ainda mais pobres, se a redução do trabalho vier acompanhada do
aumento do valor da hora trabalhada corremos o risco de agravar a crise e aumentar
o desemprego. Duas alternativas que deveriam estar fora de cogitação em país
que já está atolado em uma crise.
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