quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Mito da Indústria de Transformação

Uma tese que está sempre presente a respeito da economia brasileira é que é preciso estimular a indústria de transformação para que ocorra crescimento de longo prazo na economia brasileira. O argumento é simples. A indústria de transformação é o setor dinâmico da economia. É na indústria de transformação que estariam os melhores salários e onde surgem as novas tecnologias. A indústria de transformação também teria um papel estratégico por ligar os outros setores da economia. Isto é verdade porque esta indústria de transformação demanda matéria prima da indústria extrativa e da agricultura e oferta bens industrializados para o setor de serviços.

A partir de meados do século XX a ideia de que para que ocorra crescimento é preciso fortalecer a indústria de transformação virou dogma. Com exceção de Eugenio Gudin todos os pensadores da economia brasileira em algum momento defenderam a necessidade de industrializar o Brasil a qualquer preço. Além das razões citadas acima dois motivos colaboraram para construir este consenso. O primeiro é que naquela época prevalecia a tese que todas as nações desenvolvidas tinham a indústria de transformação como base de sua economia, ainda não existiam bases de dados internacionais que permitissem questionar esta tese. O segundo motivo é que as esquerdas abraçaram a tese da necessidade de fortalecer a indústria de transformação.

A posição da esquerda a primeira vista pode parecer estranha. Por quê pensadores de esquerda, que em tese estão preocupados com os mais pobres, iriam apoiar um modelo de crescimento baseado em massiva transferência de renda para a burguesia nacional os industriais? No campo teórico a resposta a esta pergunta vem da ideia de que a revolução comunista é posterior ao capitalismo industrial e, portanto, para que um dia tivéssemos a revolução antes teríamos de ter uma indústria sólida. Mas existe outro motivo bem mais pragmático para q eu a esquerda defenda a transferência de recursos para a burguesia nacional a indústria de transformação. A sobrevivência política da esquerda costuma depender de sindicatos fortes, trabalhadores da indústria de transformação costumam formar as bases destes sindicatos. A história de Lula e do PT é um exemplo perfeito da relação entre sindicatos e partidos de esquerda.

O fato é que a partir deste consenso o Brasil investiu pesado em uma política de industrialização a qualquer preço. Foram feitas transferências maciças de recursos para a indústria de transformação. Quando estas transferências mostraram-se incompatíveis com a ordem democrática sacrificamos a democracia para manter o processo de industrialização. E assim a industrialização foi feita. No início dos anos 1950 a indústria de transformação respondia por aproximadamente 20% do PIB brasileiro, no início da década de 1960 já passava de 25% chegando a 35% em meados da década de 1980 (estou ciente de distorções de preços relativos e mudanças metodológicas na série que usei, as séries corrigidas não mudam os argumentos e as conclusões deste post). A parte de cima da figura mostra a história deste sucesso.



Mas ao contrário do que previam os defensores da indústria o tal crescimento de longo prazo que viria como consequência da industrialização não veio. Nem ao menos a indústria de transformação conseguiu manter-se sem a superproteção do e as gigantescas transferências de renda do governo. Foi como se uma família tivesse escolhido um filho para mandar estudar na cidade e depois de adulto este filho não só não sustenta a família como ainda precisa pedir dinheiro aos pais para sobreviver. A figura ilustra isto. A parte debaixo da figura mostra que as taxas de crescimento da economia não ficaram maiores após a industrialização forçada. A parte de cima mostra que com um pouco de abertura e a redução nas transferências de renda, a participação da indústria no PIB despencou, em 2011, apesar da bolsa-empresário dada pelo BNDES, a indústria de transformação respondia por 15% do PIB.

A despeito da industrialização não ter cumprido a promessa de levar o Brasil ao grupo dos países desenvolvidos de uns tempos para cá os defensores da industrialização voltaram a influenciar a política econômica brasileira. Grosso modo repetem os mesmos argumentos da década de 1950 e propõem as mesmas políticas daquela época. Até agora conseguiram criar um rombo nas contas públicas mal encoberto pela contabilidade criativa governo, ameaçar a estabilidade e nos tornar mais pobres em relação ao resto do mundo. Nem sequer reverter a queda relativa da indústria de transformação eles conseguiram. Mas ainda assim insistem em pedir mais transferência de renda para indústria de transformação, redução dos salários, desvalorização do câmbio e proteção contra importação.

Podiam pelo menos explicar as razões da industrialização dos anos 1950 – 1980 não ter cumprido a promessa de crescimento.

19 comentários:

  1. Roberto
    O processo de industrialização precisa de um tipo de ambiente que o país em nenhum momento ofereceu.
    Com grandes investimentos em imobilizações o processo industrial precisa de um horizonte de médio e longo prazo, que, na verdade, foi um eterno ausente no cenário econômico. Não há incentivo que suplante a possibilidade de uma visão de longo prazo. A mão invisível só funciona se a mão visível for (pré)visivel.

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    1. Mas o processo de industrialização funcionou. Da década de 1950 a década de 1980 a indústria de transformação passou de 20% para 35% do PIB. O que não aconteceu foi o crescimento prometido.

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  2. As discussões sobre desenvolvimento econômico são realmente muito fracas no Brasil.

    O único argumento que acho que pode talvez se valido sobre a relação da industria e desenvolvimento é através da densidade demográfica, apesar que os defensores de subsidio a industria nunca usam. Talvez por que com o Brasil já urbanizado do jeito que tá, não tem muita força.

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    1. O argumento típico é o de externalidades e/ou spillover da indústria de transformação. Mas o ponto é que estes efeitos não apareceram quando a indústria de transformação passou de 20% para 35% do PIB. Antes de pedir mais destas políticas creio que um esforço sério devia ser feito para explicar o que aconteceu. Não sou dos que dizem que toda política é ruim, digo apenas que as políticas que usamos foram ruins.

      Por algum motivo comentário sumiu(coisa de blogueiro iniciante). Se não me engano era sobre preços. A série que usei não ajusta por preços relativos nem ajusta por mudanças metodológicas na década de 1990. Coloquei o link para um TD do IPEA que faz o ajuste. O pico da indústria de transformação deixa de ser na década de 1980 e passa a ser na década de 1970. Mas o argumento do post não muda.

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  3. A importância da indústria como fonte fundamental da riqueza das nações vem desde Smith. Ele dizia que os países ricos tendiam a ser mais produtivos em todos os setores, mas na agricultura a distância entre ricos e pobres era pequena quando comparada às manufaturas. Isso vale até hoje inclusive pro Brasil...

    As teses nacionalistas da CEPAL têm uma história longa também, desde de Alexander Hamilton (que no final dos 1700 defendia a industrialização dos EUA a despeito das vantagens comparativas) passando por Friedrich List no início doa 1800 defendendo a mesma coisa para a Alemanha. Prebisch e Furtado usavam os mesmos argumentos anti-ricardianos mas com a perspectiva da América latina.

    Para esses autores o respeito às vantagens comparativas significaria maior vulnerabilidade externa, maior dependência econômica e tecnológica e menor soberania. A indústria daria maior soberania e teria uma série de externalidades sobre o total da economia.

    Ao custo da eficiência econômica de curto prazo, recursos são dirigidos para o setor menos eficiente em nome dos ganhos de longo prazo.

    A estratégia do Brasil de atrair empresas estrangeiras garantindo reserva de mercado não lembra o que a China, por exemplo, faz?

    A proteção a a setores ineficientes também não ocorre em outros países ( vide indústria automobilística nos eua?)

    Enfim, concordo em grande parte contigo e é revoltante o Brasil proteger indústrias nascentes feito ford, wolks e fiat... Mas estou só aproveitando sua fama pra fazer propaganda de HPE e EVIES.

    Abraço

    Alexandre Andrada

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  4. E mais uma provocação, a industrialização entregou um grande crescimento entre os 1950 e 1980 o que ela nao entregou foi equidade. Mas isso não seria um prolema de instituições políticas jurídicas e econômicas, sem relação necessária com a ISI?

    Abraço

    Alexandre

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  5. Não nego a importância histórica da indústria (pelo meno não aqui, hehe). Mas cabem dois questionamentos: o primeiro é se a economia do século XXI ainda é igual a economia do século XVIII (Smith) ou do século XX (Cepal); o segundo, e mais importante no meu argumento, é se a forma escolhida pelo Brasil (praticamente por toda a América Latina) é a forma adequada de incentivar a indústria.

    Por quê a industrialização gerou crescimento de longo prazo nos EUA, na maior parte da Europa, e, tudo indica, na Coréia e não fez o mesmo com a América Latina? Esta é pergunta que eu gostaria de ver respondida. Estou convencido que não foi por falta de políticas de apoio a indústria, tivemos estas políticas em abundância. Pode ser que tenhamos escolhidos as políticas erradas, é uma hipótese respeitável, mas por quê escolhemos as políticas erradas? Somos burros? Acredito que o problema da América Latina foi ter ignorado o papel da produtividade total dos fatores no processo de crescimento. Acreditamos que bastava acumular capital que estaríamos bem, isto criou um equilíbrio político que, no limite, levou todo o continente a ditaduras visto que é impossível privilegiar um grupo por décadas sem que outros grupos se revoltem. Se é verdade que nenhum país desenvolvido ignorou a indústria (creio que existem controvérsias, mas respeito a tese) também é verdade que nenhum país desenvolvido ignorou educação e todos os países desenvolvidos tiveram que trocar suas instituições por instituições inclusivas (no sentido do Acemoglu).

    Desta forma sou de opinião que uma vez que tentamos as políticas desenvolvimentistas por décadas está passada a hora de tentarmos ter boas instituições e capital humano de qualidade. Se não conseguirmos crescer a 7% ao ano pelo menos podemos crescer a 4% sem transferir renda de todos para uma parte dos mais ricos.

    Quanto a provocação. Trabalho com modelo neoclássico, como você sabe nestes modelos curto e longo prazo estão bem definidos. O primeiro está associado a um dinâmica de transição (de forma bem rápida: K/Y varia no tempo) o segundo está associado ao caminho de crescimento equilibrado (K/Y fica estável). Entre 1950 e 1980 tivemos um crescimento onde o aumento de (K/Y) foi muito relevante. Isto é consistente com uma dinâmica de transição. Mas no caminho de crescimento equilibrado é a taxa de crescimento da PTF quem determina o crescimento da economia, e esta taxa é muito baixa. Se pudéssemos crescer para sempre como em uma dinâmica de transição (pense em um modelo AK) a década de 1980 teria sido maravilhosa, infelizmente não podemos.

    Considero a questão das instituições fundamental para entender a América Latina. Que tipo de instituições vão surgir e prosperar em um ambiente econômico onde campeões são escolhidos pelo governo, não há competição, o investimento é determinado e/ou financiado pelo estado e a população não tem acesso a educação? Não foi este o modelo de "nuestra" América? Não consigo pensar instituições sem pensar no nosso modelo de desenvolvimento econômico.

    Estudem HPE e EVIES, são duas matérias importantes! Muito importantes!

    Grande abraço,

    Roberto

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  6. Boa Ellery, agora que entendi melhor, vou poder roubar seu argumento com maior segurança.

    Abraço

    Alexandre

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    1. O argumento não é realmente meu, mas gosto de pensar que ajudei na construção. Agradeço o que você fizer para divulgar esta versão da historia recente da economia brasileira. Abraço.

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  7. Caro Roberto (de agora em diante vou te chamar de Robertão, ok?),
    Até minha filhinha de 12 anos já sabe que a indústria nacional é uma grande parasita da nação. Então quero te fazer uma pergunta honesta:
    Por que alguns professores formados em boas universdidades (inclusive aí na UnB) defendem a proteção dessa indústria do pé quebrado do Brasil? É ignorância, mau caráter ou um misto de ignorância e mau caráter mesmo?
    Pergunto isso porque de vez quando ligo a televisão e sempre tem um palhaço repetindo aquelas velhas lorotas: ah, é preciso estimular a indústria, ah é preciso proteger a indústria, ah isso, ah aquilo....
    Suspeito que vou encher a sua paciência de tempos em tempos.
    Abs,
    Manelim.

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    1. Venha quando quiser, gosto de conversar. Robertão está bom demais, vários amigos me chamam assim, deve ser por conta do 1,85m e os mais de 130kg lol. Não entendo também a defesa da indústria, as vezes acho que é porque é difícil se livrar de celhas crenças. Abraço.

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    2. Robertão,
      Então já somos amigos!
      Sou um frequentador assíduo deste novo boteco aqui.
      Só faço um pedido: não deixe que provocadores que não têm nada a dizer e que não agregam porra nenhuma ao debate polua a caixa de comentário do seu blog. Aliás, a caixa de comentário é a melhor coisa de um bom blog.
      Acho louvável sua atitude de instruir os leigos que têm vontade de aprender (eu sou um deles), mas acho um tremendo desperdício você perder tempo com gente que sai da esgotosfera só para te esculhambar.
      Se você atender meu pedido, tenho certeza que aparecerão 2 ou mais textos longos por semana por aqui, o que seria ótimo!
      De minha parte, espere principalmente perguntas: meu plano é extrair o máximo de você, “eu sou sincero porque não quero, dar-te um desgosto”!
      Sei que a chance de comer grama seguindo à risca seus palpites existe, mas é mínima e vale a pena correr o risco.
      No mais, uma música na sexta-feira seria show de bola. Por que não imitar descaradamente algo que deu certo em tantos blogs? Fica mais essa dica.
      Abração,
      Manelim Silva.

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    3. Com certeza, amigos. Estou aprendendo a tratar a área de comentários, com certeza cometi erros na condução dos comentários sobre o IDHM. Uma pena mas é o custo so aprendizado, ninguém aprende sem errar. Vou pensar na música, mas também estou pensando em outras opções tipo o livro do final de semana (não vale livro técnico) ou algumas cenas clássicas de filmes. Obrigado pelas sugestões. Grande abraço.

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    4. Muito bom!
      Agora pra finalizar, olha só essa humilde sugestão/pedido:
      Que tal você, em algum momento, criar no blog um página com o PDF de todas as suas publicações?

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  8. O texto é ruim...
    Teria muitos argumentos para tecer, mas para poupar nosso tempo, resumidamente:

    - o Brasil é um país de setor primário, por natureza;
    - as nações mais ricas têm seu PIB lastreado no setor terciário, especialmente na tecnologia, desde os anos 1970;
    - isso não reduz a importância da indústria, a qual, de qualquer forma, está fadada a ter não mais do que 20% de participação no PIB;
    - o autor desconsidera os mecanismos de distribuição de renda e a falta de investimento em educação eu levaram o Brasil a ter o 5º pior coeficiente de Gini do planeta – e isso não tem qualquer correlação com a indústria;
    - o fato de o autor grafar “burguesia nacional” já denota sua orientação política; o mesmo com a expressão “bolsa-empresário” (ridícula, pois o BNDES, todos sabem, é acessível apenas a grandes empresas).

    No mais, o rombo no orçamento público. De um governo que gasta muito e gasta mal, elevando o déficit público, o que impacta na inflação e no baixo investimento, é obra de todos os governos, mas em especial do pós-Lula.

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    1. Fala beto....esse cara realmente "não leu e não gostou" de seu excelente texto.....hehehe.....descobri seu blog e agora sou um leitor voraz....sou advogado mas me interesso muito por economia.....continue assim...obrigado por esse excelente site na internet,

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    2. Obrigado. Ele ficou irritado com o "burguesia nacional", termo que inclusive está riscado como forma de destacar que é uma ironia. Fazer o quê?

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