Ontem participei de uma conversa com Ciro Gomes na
Universidade Católica de Brasília (UCB), o evento é parte de uma iniciativa do
departamento de economia da UCB que pretende levar vários candidatos à presidência
para debater as perspectivas da economia brasileira. Antes de relatar minhas impressões
a respeito da conversa é útil dizer para o leitor que acompanho a trajetória de
Ciro desde muito tempo, de fato participei da campanha de Ciro para prefeito de
Fortaleza em 1988. Naquela época Ciro era o destaque de um grupo de empresários
liderado por Tasso Jereissati, então governador do Ceará, que buscava
modernizar a gestão e a economia do estado depois de anos de domínio dos “coronéis”
Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cals. Naquela eleição Ciro Gomes
enfrentou e venceu o radialista Edson Silva que, salvo engano, era do PDT, atual
partido de Ciro, e representava uma frente de esquerdas.
Muita coisa mudou de lá para cá. A trajetória de Ciro não foi
exatamente linear, pelo contrário, nas muitas voltas de sua vida política Ciro
Gomes ajudou a fundar o PSDB do Ceará, foi ministro de Itamar, se aliou ao PT,
foi ministro de Lula e hoje está no PDT. Nesse trajeto Ciro se tornou líder de
um grupo que sucedeu o grupo original de Tasso e que governa o Ceará há mais de
década, até onde sei a ruptura com Tasso foi política, em termos de proposta de
governo o grupo deu sequência ao trabalho iniciado por Tasso. O relato é importante
para entender minha leitura das falas de Ciro ontem na Católica,
Na primeira parte do evento Ciro fez uma apresentação a
respeito das perspectivas da economia brasileira. A leitura que ele faz é claramente
influenciada pelo novo-desenvolvimentismo proposto por Bresser. O foco na necessidade
de estimular a indústria e a firme crença que o desenvolvimento da indústria só
é possível com uma ação estratégica do estado são presenças fortes no discurso de
Ciro. O papel do câmbio na história ficou mais confuso, Ciro defendeu a tese que
o câmbio valorizado foi um fator fundamental para o processo de redução da participação
da manufatura do PIB no Brasil, a dita desindustrialização, mas vez por outra
Ciro afirmava que desvalorização do câmbio implica em perda de poder aquisitivo.
Mais de uma vez Ciro falou que não comemos dólares, mas comemos pão cujo o
preço depende do dólar. Não ficou claro até que ponto Ciro estaria disposto a
sacrificar poder aquisitivo da população para estimular a indústria. Uma pena, pois
essa é uma questão que considero crucial.
Outro ponto importante da tese novo-desenvolvimentista que
Ciro tratou explicitamente foi a necessidade de poupança interna. É um assunto
importante, da minha parte não vejo como conciliar taxas de poupanças asiáticas
com os seguros e a tributação características de um estado de bem-estar. Como aumentar
a poupança do governo diante das crescentes demandas da sociedade por gasto social?
Como aumentar a poupança das famílias e empresas que pagam impostos altos para
financiar os seguros providos pelo estado? Até que ponto seguros e poupanças
são substitutos? Questões importantes que, creio eu, os novos desenvolvimentistas
ainda têm que explicar melhor. Mas essa é uma questão técnica que deve ser
feita para os economistas que apoiam Ciro, principalmente porque eu só tinha
direito a uma questão.
Escolhi uma pergunta que tentava puxar o lado reformista de
Ciro. Existem duas características importantes na economia do Ceará que estão
claramente associadas ao projeto político iniciado por Tasso e continuado pelo
grupo de Ciro: o relativo equilíbrio das contas públicas e o sucesso das escolas
públicas cearenses nas avaliações feitas pelo MEC. Sobre a questão fiscal falo
mais na frente, dirigi minha pergunta para a questão da educação. No Ceará as
transferências para os municípios dependem do desempenho das escolas do município
nas avaliações nacionais. Outro ponto importante é que no Ceará as escolas usam
um material didático que vem da secretaria de educação, ou seja, o professor
não ensina o que e como quer, mas o que a secretaria determina. Os dois pontos
costumam ser objetos de crítica da esquerda por atender a dita agenda
reformista neoliberal, o primeiro por fazer referência a meritocracia e o
segundo por supostamente minar a autonomia dos professores. Perguntei se uma
vez presidente Ciro proporia medidas semelhantes para o Brasil, especificamente
queria saber se Ciro apresentaria uma emenda constitucional para atrelar as
transferências aos resultados das escolas dos estados e municípios.
Não tive minha resposta. Ciro preferiu falar de reformas em
geral e focou na reforma da previdência. Confesso que a questão previdenciária era
uma das perguntas que considerei fazer, só não fiz porque conheço o Flávio
Ataliba e conseguia imaginar qual seria a resposta. Ciro propõe uma mudança
para regime de capitalização com um colchão de proteção que garante um salário
mínimo para cada brasileiro em condições de se aposentar que não tenha essa
renda e uma transição suave e longa para brasileiros de baixa renda. Para o
restante da população a transição seria feita por meio de títulos que poderiam ser
descontados quando da qualificação para se aposentar ou negociados em mercado
secundário. A proposta dos títulos é semelhante ao que Pinochet fez no Chile,
minha dúvida, por isso chamei a proposta de ousada, é quanto a viabilidade política
dessa transição. Não lembro de alguma democracia que tenha conseguido fazer
algo semelhante, será preciso uma complexa engenharia política para viabilizar tal
transição, não sei se mesmo um político experiente como Ciro teria condições
para tanto. A parte que mais me incomodou da proposta é que regime de
capitalização não seria feito em bancos ou fundos privados escolhidos pelos donos
das contas. A gestão seria feita pelo setor público com participação de representantes
de trabalhadores e, não lembro bem, outros representantes da sociedade. A
experiência recente de fundos de pensão de estatais geridos de forma semelhante
deveria deixar qualquer um preocupado com a proposta. Imagino que Ciro teria
respondido a esse questionamento dizendo que não se pode matar a vaca por conta
do carrapato, mas mesmo assim o sistema proposto me parece demasiado arriscado,
especialmente em um país com a fragilidade institucional que temos.
Na parte fiscal Ciro foi incisivo e afirmou várias vezes que
nunca governou com um dia de déficit primário. No lugar do “dá bilhão” ele
falou que todo o gasto tem que ser questionado e avaliado, chegou a afirmar,
talvez com força de retórica, que quando governador sabia até o preço que o
governo pagava pelo Melhoral. De fato, o Ceará tem uma posição de destaque
quando olhamos a situação fiscal dos estados, não que seja uma maravilha, mas,
dado o cenário geral, o Ceará está muito bem. Recentemente foi colocado como o
estado em melhor situação fiscal por um relatório elaborado pela Federação das
Indústria do Rio de Janeiro. A parte negativa na questão do gasto foi a
referência ao infame gráfico de pizza que junta juros e amortizações da dívida
pública, é verdade que ele fez ressalvas, mas se eu fosse assessor de Ciro
faria tudo que estivesse a meu alcance para convencê-lo a esquecer do tal gráfico,
falar disso queima o filme.
Na parte da receita Ciro falou que aumentaria e criaria
impostos. Especificamente ele propôs a criação de um imposto sobre dividendos, aumento
do imposto sobre heranças e a volta da CPMF com isenção para os mais pobres. Tenho
críticas as três propostas. É verdade que o Brasil é um dos poucos países do
mundo que não taxa dividendos, mas isso não quer dizer que não taxamos as
empresas, pelo contrário, além do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) temos
a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), ambos, apesar dos nomes, em
vários casos incidem sobre faturamento. Taxar dividendos sem reduzir esses
tributos é abusivo, taxar dividendos reduzindo tais tributos, de preferência
eliminando a CSLL, pode ser um caminho, mas não vai resolver o problema fiscal
posto que o ganho em um deve ser compensado com as perdas nos outros. Taxar
herança é coisa para inglês ver, colocar uma alíquota alta, chegou-se a falar
em 40%, sobre heranças da classe média é inadmissível, imagine pagar 40% do
valor de um apartamento em bairro nobre do Rio ou São Paulo além dos custos com
inventário. Em países com alíquotas altas o valor de isenção também é muito
alto, o suficiente para só pegar quem tem como se proteger por meio de trustes
e coisas do tipo. Espero que Ciro, e nenhum outro candidato, pretenda induzir
que nossa classe média use trustes para proteger um apartamento de 100 metros
quadrados na Asa Norte, se isso acontecer depois dos bens de luxo parcelados em
10 vezes sem juros vamos ter os trustes populares. A volta da CPMF também é um
erro, aliás o próprio Ciro criticou as contribuições afirmando de forma correta
que não é razoável taxar faturamento pois o sujeito acaba pagando imposto mesmo
tendo prejuízo, o argumento é facilmente adaptável para a CPMF.
No final Ciro falou de metas de inflação e do tripé econômico.
Ciro fez duras críticas ao tripé sugerindo que a combinação de superávits
primários, câmbio flutuante e metas de inflação era uma anomalia da economia
brasileira. A sugestão de fazer meta para o núcleo da inflação tem seu apelo,
mas depois da criatividade contábil imagino o quão criativo seríamos para o cálculo
do núcleo de inflação. A parte boa foi quando ele falou que a inflação ideal é
zero, não sei se foi uma ironia, mas gostei de ouvir. Ciro também sugeriu que o
combate a inflação pode ser feito por meio de aberturas as importações, uma
tese questionável, mas que leva a um resultado bom. Mesmo que não reduza a
inflação a abertura da economia se justifica por vários outros motivos, só não
sei como ele vai conciliar isso com a turma dos desenvolvimentistas.
Para não dizer que não falei da parte política registro que
Ciro fez uma boa defesa do Congresso ao questionar quais propostas que poderiam
ter dado outro rumo ao Brasil não foram implementadas por conta dos deputados e
senadores. Também merecer destaque a recusa de Ciro em referendar a tese que a
Globo derrubou Dilma.
Enfim, Ciro fez um discurso articulado com fortes componentes
de nacionalismo e desenvolvimentismo. Não é minha praia, mas se é para seguir
por esse caminho recomendo olhar menos para a indústria automobilística e mais
para Embraer. Políticas públicas para estimular empresas locais que desenvolvam
tecnologia em parceira com centros de pesquisas nacionais não é exatamente algo
que eu defenda, mas me parece fazer mais sentido que desvalorizar o câmbio e
criar barreiras ao comércio para proteger filiais de multinacionais que,
segundo o próprio Ciro, são useiras e vezeiras em importar tecnologias defasadas.
Falar da Coreia é fácil, ter a poupança da Coreia, a educação da Coreia e lembrar
que a Hyundai não é uma filial da General Motors é outra conversa. Não sei qual
combinação de Ciro vai aparecer na campanha ou, se for o caso, na presidência.
Da minha parte prefiro o governador do equilíbrio fiscal e que premia os municípios
com melhor desempenho na educação, o ministro da Fazenda que deixou a economia
mais aberta e não tentou mexer no câmbio e nos juros para agradar os compadres do
que o candidato que defende as teses desenvolvimentistas da turma de Bresser.
Eu tenho medo de Ciro Gomes. A impressão que tenho dele é de um "coroné" boquirroto. Acho simplesmente desesperador que o Brasil dos anos 50 tinha vários pensadores e projetos de país e hoje, mais moderno e complexo, somos incapazes de montar um projeto articulado de país que insira o Brasil na modernidade. Por isso, acredito que "desengessar" (acho que isso é um neologismo) a forma de se fazer o orçamento no Brasil seja a primeira medida crítica (dentre as várias!!!) a serem tomadas. A vinculação constitucional de certos percentuais da receita de forma fixa para todos os setores ( como saúde, previdência, educação e outros) deveria ser extinta. A flexibilidade na gestão do gasto público deveria ser a tônica do momento em que vivemos, justamente para evitar males muito maiores. Referente a educação deveríamos expulsar Paulo Freire dos currículos dos cursos de pedagogia e ideias "modernosas" como a ideologia de gênero. Será que há tanta preocupação com gênero lá na Coréia do Sul? Será que eles focam mais na formação dos docentes e no desenvolvimento de práticas pedagógicas ou métodos didáticos mais eficientes para os seus alunos ou será que eles focam se meninos podem ser um boneco do Transformes e usar, como nome social, Optimus Prime?
ResponderExcluirEu adoraria ver um renascimento da indústria no Brasil, que ela fosse de fato moderna, uma indústria 4.0, mas os economistas precisam entender que isso está ligado com a forma de gestão fiscal do estado, uma economia previsível e equilibrada que pode estimular os investimentos necessários para o Brasil ter uma indústria do futuro e não uma maquilaria.
Ta vendo muito gibi...deveria estudar/ler mais!
ExcluirQuanto mais leio ou assisto ao Ciro Gomes,apesar do seu preparo ou arrogância,menos acredito no mesmo.Vejo-o cada dia mais oportunista,atirando para todo lado,se tornando um populista contumaz. Enfim,pode contribuir para o debate, mas o mesmo precisa deixar de mentiras e falar com clareza o que o Brasil precisa.
ResponderExcluirkkkkkk
ExcluirSó se ele desenhar! Serve?
Qual o problema das teses desenvolvimentistas da turma de Bresser Pereira no momento que enxergamos claramente a desindustrialização do país?
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