Se você é do tipo que acompanha conversas sobre economia e/ou
política pela internet certamente você já leu algo do tipo: nos últimos
cinquenta anos a globalização forçou que os países pobres abrissem suas
economias e levou a um enriquecimento dos países ricos e ao empobrecimento dos
países pobres. A depender do autor a afirmação pode vir com termos como neoliberalismo,
mundialização ou financeirização no lugar de globalização ou podem aparecer
temos como nova ordem mundial. Raramente os autores apresentam números que
comprovem a afirmação, quando aparecem números são números incompletos e
deslocados do contexto. Por exemplo: dizem que existem mais crianças passando
fome hoje do que existiam tantas décadas atrás, mas não dizem a proporção de
crianças passando fome. É um artifício rasteiro para induzir o leitor a aceitar
uma tese. É lógico que com o aumento da população mundial existirão mais
crianças com problemas, assim como existirão mais crianças saudáveis e bem
alimentadas.
Resolvi juntar neste post alguns dados sobre como evoluiu a
renda de vários países nos cinquenta anos passados entre 1960 e 2010, repetirei
aqui parte do que fiz na introdução do curso de crescimento que ofereci para
alunos de graduação da UnB. Usei os dados da Penn World Table, todos os dados
estão disponíveis de graça na internet de forma que se alguém quiser confirmar
meus números basta pegar os dados e refazer as contas que fiz. Vamos aos
números.
A primeira informação relevante é sobre a renda média dos
países. Em 1960 esta renda, medida em valores constantes de 2005 corrigidos por
paridade de poder de compra, era de 4.095, em 2010 era de 13.309, ou seja, em
média o mundo ficou mais de três vezes mais rico nestes cinquenta anos. Como
sabemos média é um conceito perigoso, é possível que a média aumente enquanto
os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Precisamos de mais
números. Vou separar a amostra em pedaços. A amostra total tem 110 países,
passarei a trabalhar com quatro grupos. O primeiro grupo é composto pelos 28
países mais pobres em 1960, o segundo grupo é composto pelos 27 países
seguintes em ordem de pobreza, o terceiro grupo é composto pelos próximos 27
países e o quarto grupo é composto pelos 28 países mais ricos em 1960. Para
facilitar vou chamar o primeiro grupo de países pobres, o segundo de países com
renda média-baixa, o terceiro de países com renda média-alta e o quarto de
países ricos. Depois farei a mesma divisão para o ano de 2010.
A renda média dos países pobres em 1960 cresceu 230% entre
1960 e 2010, a renda média dos países ricos em 1960 cresceu apenas 116% no
mesmo período. Dito de outra forma: entre 1960 e 2010 os 28 países mais pobres
da amostra cresceram, em média, uma vez e meio mais do que os países mais ricos.
A verdade é que os países pobres, entre 1960 e 2010, cresceram mais do que os
países ricos. Mas tem mais: no mesmo período a renda dos países do grupo de
renda média-baixa aumentou em 165% e a do grupo de renda média-alta aumentou
143%, o fato é que, ao contrário do que dizem por aí, os países ricos foram os
que menos cresceram no período entre 1960 e 2010.
Ainda não acabou: ao contrário do que dizem não é verdade
que a maioria dos países ficou mais pobre neste período, na realidade apenas
sete países da amostra ficaram mais pobres neste período: África Central,
Congo, Guiné, Haiti, Madagascar, Nicarágua e Níger. Alguém interessado pode
checar caso a caso, mas o desastre econômico destes países provavelmente está
relacionado a guerras e desastres naturais que não guardam relação com a dita globalização.
Também ocorreram milagres econômicos no período, ou seja, alguns países cresceram
muito mais que os demais. Estes milagres não ficaram restritos aos países
ricos, muito pelo contrário, dos nove milagres identificados (Botsuana, China,
Guiné-Equatorial, Hong-Kong, Coréia do Sul, Malásia, Singapura, Taiwan e
Tailândia) nenhum ocorreu em país que estava no grupo dos ricos em 1960. Por
outro lado, Botsuana, China e Guiné-Equatorial estavam entre os mais pobres de
1960. A Coréia do Sul é um caso particularmente interessante: em 1960 era um
país de renda média-baixa e em 2010 era um país rico.
Da próxima vez que te falarem sobre como a globalização
beneficiou os países e tornou os países pobres ainda mais pobres lembre destes
números e pergunte: Será?
Bacana o post, me lembrou deste vídeo:
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=vDhcqua3_W8
Alvaro
Interessante. Seria interessante agora mostrar como evoluiu a diferença entre a renda media em nível do grupo dos mais ricos e dos mais pobres. A princípio, uma taxa de crescimento maior dos mais pobres nao significa que a desigualdade diminuiu pois a base inicial é menor. Seria interessante também repetir o exercício utilizando a mediana da renda média de cada grupo para controlar por valores expremos. Parabéns pelo blog e temas abordados.
ResponderExcluirDepende da medida de desigualdade, se for desvio padrão aumentou, mas é porque os valores das rendas estão aumentando. Se for coeficiente de variação não aumentou. Vou ver o que acontece com as medianas de cada grupo e coloco aqui. Obrigado.
ExcluirIsso é bem próximo à teoria do Gerschenkron de convergência dos níveis de renda a nível mundial. Ao estilo da "vantagem do atraso". Não que eu não goste da teoria, na verdade sou verticalmente contrário a ela. Tem um gráfico no livro do Charles Jones, Introduction to Economic Growth que mostra um gráfico que não condiz com o explicitado aqui. Existe, me parece, uma relação negativa entre renda per capita e tx de crescimento em países com a renda per capita maior que US$ 10.000. Inferior a isso beira o caos. Uma teoria, mais à ortodoxa, afirma que esse movimento está relacionado, não só em contrastes mundiais de rendas per capita, como muito mais, uma relação entre o seu desenvolvimento e seu steady state. Quanto mais longe do seu nível estacionário, maiores são as taxas de crescimento, mas nada indica que os países nos níveis estacionários terão o mesmo nível final de renda. Eu iria a uma abordagem um pouco menos econômica e um pouco mais sociológica e política. Os países mais pobres não tem acesso à produção tecnológica dos países desenvolvidos, as informações não são livres, na verdade, são o oposto disso. As dinâmicas sociais, como um governo instável, característico de certos países, também influencia e muito nas taxas de crescimento econômico. E grande parte, apesar de não parecer, dessa instabilidade governamental, é oriunda dos processos de globalização. Infelizmente estou um pouco sem tempo para aprofundar o raciocínio, mas desconfio de que há, de fato, uma convergência global.
ResponderExcluirEvitei o termo convergência propositalmente, é um debate grande e vai bem além do que posso fazer em um post. O imenso debate empírico e teórico sobre convergência gerou mais perguntas do que respostas, o que não é necessariamente ruim. O ponto do post foi bem mais modesto, foi mostrar que não existem evidencias que os países pobres foram os perdedores da globalização. Quanto ao acesso a tecnologia em países pobres, eu não iria por aí. Estou entre os que acreditam que adoção tecnológica está mais relacionada a incentivos do que a acesso a tecnologia e/ou capital. O livro do Parente e do Prescott (http://mitpress.mit.edu/books/barriers-riches) e o livro do Acemoglu e Robinson (http://whynationsfail.com/) exploram esta abordagem. O segundo é mais popular, mas prefiro o primeiro. Ambos são obrigatórios para o tema.
ExcluirInteressante o esforço feito, mas é uma resposta ainda muito rasa para um problema tão complexo. Mas agradeço por colocar o tema da desigualdade em debate.
ResponderExcluirMinha primeira crítica é em relação ao uso de renda. Você destacou bem que média é perigosa. Mas você só teve este cuidado a nível internacional, entre os países. Cada país tem, em maior ou menor grau, sua desigualdade, que pode ser mensurada pelo índice Gini. E constatemente vemos que a desigualdade é maior justamente nos países mais pobres. Então temos uma questão: estes 230% de aumento veio igual para todos as classes da sociedade, ou se concentrou nas classes altas? E é fato que a desigualdade piorou muito nos últimos anos nos países mais pobres. Portanto, aumento da renda per capita não significa, necessariamente, que os pobres estão menos pobres.
Segunda questão: inflação. Você ignorou os dados de inflação, que distorcem o poder de compra da renda. Nos países ricos o crescimento foi menor (em grande medida porque já haviam vivido o processo de industrialização) mas a inflação também foi menor. Já nos países mais pobres, onde temos escassez de alimentos, de bens básicos, manufaturados e serviços, além de economias que sofrem muito com os impactos das crises financeiras, a inflação foi altíssima. Ou seja, a renda pode até ter aumentado, mas como ficou o poder de compra? Ele também aumentou?
Terceira crítica: O "milagre econômico" que você coloca nada mais é que uma crescimento forte do PIB em um determinado período além do normal. Isso não quer dizer que a economia como um todo vai bem, que esse dinheiro extra está sendo recebido por toda a população. Mais uma vez, temos poucas empresas e pessoas que concentram a produção e, portanto, o crescimento. Não é sinal, necessariamente, de desenvolvimento e redução da pobreza o crescimento econômico.
Quarta crítica: na verdade, concordo parcialmente com você. Concordo que dizer que a globalização promoveu a pobreza nos países pobres é uma explicação ruim. Discordo, porém, do modo como você refuta este argumento. Você, para refutar, usou de dados como renda e crescimento do PIB (que eu critiquei nos pontos acima). Na verdade, temos que entender o contexto histórico no qual se dá este "empobrecimento". Antes dessa globalização do século XX, temos potências europeias (Inglaterra e França principalmente) que colonizam boa parte do mundo, em particular a África, Oriente Médio e Ásia. A colonização foi um processo de exploração comercial extremamente prejudicial para as colônias, porque não se desenvolve um mercado, não se promove industrialização. O que acontece é apropriação por parte da metrópole de matéria-prima, como materiais e mão-de-obra escrava. Estas colônias se tornam independentes a partir da década de 1960. E como elas chegam ao mundo dos países? Destruídas economicamente, com uma população miserável, sem identidade nacional, sem um governo estável. Estes países não entram no mundo capitalista através de um processo de modernização econômica do mesmo modo que os países europeus fizeram por pelo menos 2 séculos. E estes novos países entram, portanto, em um contexto no qual multinacionais passam a expandir suas iniciativas comerciais em todo o mundo. Um país estruturado consegue limitar possíveis efeitos negativos de uma multinacional no seu território. Entretanto, um Estado que já nasce em crise, muitas vezes com conflitos internos gerados pelos próprios europeus (como é o caso dos hutus x tutsis em Ruanda, que não eram inimigos antes da colonização belga), não consegue limitar a ação de gigantes empresas com faturamento maior que o PIB destes países. Portanto, a crítica a este processo de globalização só faz sentido quando você se dá conta que, antes, houve um gravíssimo e longo processo de colonização imperialista por parte dos países europeus.
Caro Rafael,
ExcluirObrigado pelos comentários. Vou tentar responder.
Escrever em blog é complicado. Se aprofundar muito acaba por excluir alguns leitores que estão procurando leituras mais superficiais, mas se ficar superficial fico sujeitos a críticas de que "é uma resposta ainda muito rasa para um problema tão complexo". Aqui no blog optei por maximizar o número de leitores (com algumas restrições), uma análise mais profunda pode ser encontrada na literatura especializada.
1) Falei de pobreza no post seguinte (http://www.rgellery.blogspot.com.br/2013/10/no-post-anterior-falei-sobre.html), este post é sobre países. Note que neste post não falo que a pobreza foi reduzida, tomei o cuidado de falar o tempo de países pobres e não de pobres. A ideia do post é questionar os que afirmam que o países pobres ficaram mais pobres com a globalização.
2)Usei os dados da Penn World Table que são corrigidos por inflação e por paridade de poder de compra. O link no post leva para o site da base de dados, lá todas as variáveis são explicadas.
3) Ver resposta ao ponto (1), reforçando: neste post não estava falando de pessoas pobres mas de países pobres.
4) Insisto: em nenhum momento neste post falei de pobreza em países pobres (falei sobre isto em outro post, o link está no ponto (2)), falei de países pobres. Colocar a culpa na colonização não ajuda a resolver o problema dos países da África e da Ásia, a verdade é que condições iniciais parecem importar bem menos do que imaginamos a primeira vista. Até 1870 o que hoje é a Alemanha era um monte de principados que não raro estavam em guerras entre si, muito antes a França já era uma nação unificada. Nem por isto a Alemanha é mais pobre do que a França, assim como a Itália não é mais pobre do que Portugal. No final da II Guerra a Coréia era um país fornecedor de escravos para o Japão, hoje a parte da Coréia que aderiu ao mercado é um país rico, a parte que não aderiu é um país miserável. O próprio Japão foi destruído na II Guerra é hoje é uma potencia. Por outro lado a América Latina está em relativa paz a mais de cem anos e mesmo assim está cheia de países pobres. Será culpa da colonização? A verdade é que boa parte das medidas para fazer um país crescer depende de decisões tomadas no próprio país. Não é por culpa da colonização que temos deputados condenados, não é por culpa da colonização que destinamos alguns bilhões para empresários amigos do governo e etc.
Mais uma vez agradeço os comentários. Abraço. Roberto.
Gostei muito do do seu texto vou fazer um debate sobre países ricos x países pobres sera que vc poderia me ajudar prfvr . obs: meu grupo e pais rico assinado : Dayane oliveira
ResponderExcluirComo seria o debate? Não me parece trivial estabelecer uma contraposição entre países ricos e pobres. É possível ser mais específica?
ExcluirEmbora não dispusesse de dados como você sempre desconfiei da tese de qua os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos, por seu turno, cada vez mais ricos.O crescimento é inquestionável e não se sustentari [mais de 30 anos] fosse apenas concentrado nos mais ricos.Iniciei Capital no Século XX do Thomas Piketty mas me parece,tão somente, um Marx redivivo
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