Hoje o Estadão fez uma reportagem a respeito do início de
uma tensão entre Joaquim Levy, presidente do BNDES, e Paulo Guedes por conta da
devolução de recursos do Tesouro que estão no banco. (link aqui). Não é algo
inesperado, a resistência às devoluções do BNDES para o Tesouro são fortes e
possuem diversas origens. Grandes empresários, clientes do banco e financiadores
de campanha, reclamam porque o BNDES terá menos recursos para emprestar; congressistas
reclamam porque querem projetos financiados pelo banco em seus redutos
eleitorais; governadores e prefeitos reclamam porque querem obras financiadas em
seus estados e municípios; os técnicos do banco reclamam porque quanto mais
empréstimo maiores poderão ser os bônus recebidos e por aí vai.
É natural que o presidente do banco acabe ficando preso
entre o correto desejo do ministro da Economia de recuperar o dinheiro e tantas
pressões para manter o dinheiro no banco. Nem todo mundo tem a disposição da Maria
Silvia Bastos Marques, que presidiu o BNDES entre maio de 2016 e maio de 2017 e
saiu do cargo após a divulgação do famoso áudio da conversa entre Temer e
Joesley Batista onde, entre outras coisas, o empresário reclama da gestão dela.
Torço muito para que Levy repita Maria Silvia e compre a briga para reduzir o
tamanho do BNDES, mas isso é algo que só o futuro vai dizer.
Para crédito de Levy a devolução dos recursos para o Tesouro
começou em 2015 quando ele ocupava o cargo de ministro da Fazenda. Segundo
dados na página do BNDES (link aqui) naquele ano foram devolvidos R$ 15,8 bilhões, nos anos
seguintes as devoluções aumentaram. A figura abaixo mostra as devoluções corrigidas
pelo IPCA para valores de fevereiro deste ano. Repare que com Maria Silvia
houve um crescimento significativo das devoluções. Em maio de 2017 o economista
liberal Paulo Rabello de Castro assumiu a presidência do BNDES e lá ficou até abril
de 2018, coincidência ou não em 2017 houve uma queda brusca das devoluções do
banco para o Tesouro. Em abril de 2018 foi a vez Dyogo Henrique de Oliveira assumir
a presidência do banco onde ficou até janeiro de 2019, em 2018 as devoluções
tornaram a subir.
Em janeiro deste ano Paulo Guedes assumiu o Ministério da
Economia afirmando que queria de volta o dinheiro do Tesouro que foi para o
BNDES, na época falou-se em R$ 200 bilhões ao todos e que R$ 100 bilhões seriam
pagos ainda em 2019 (link aqui). Não é uma tarefa impossível, de acordo com os
dados do BNDES o banco tem um saldo devedor com o Tesouro de R$ 396 bilhões, já
foi maior, em março de 2016 o saldo devedor era de R$ 518 bilhões. Se alguém
estiver preocupado com o impacto da redução do BNDES no investimento recomendo
uma olhada em texto meu, do professor Antônio Junior e do Adolfo Sachsida, atual
titular da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia (link
aqui), no texto mostramos que o impacto do BNDES na taxa de investimento não
foi significativo. Por outro lado, a devolução pode ser grande ajuda para um
governo que luta desesperadamente para controlar seus gastos. A figura abaixo
mostra o saldo devedor do BNDES junto ao Tesouro, é fundamental retomar a trajetória
de queda.
Paulo Guedes tem dito que pretende usar os recursos para
abater a dívida, eu posso pensar em outros usos como reduzir a carga a
tributária, mas a ideia de Guedes não é ruim, pelo contrário, é muito bom que o
responsável pela economia tenha como prioridade reduzir a dívida pública e, por
consequência, os juros pagos pelo governo. Não podemos continuar como um dos países
emergentes mais endividados do mundo, ver figura abaixo, enquanto temos algumas
centenas de bilhões de reais nas mãos de um banco de investimento gigantesco e
com eficiência para lá de duvidosa. Em janeiro Paulo Guedes falou em cobrar R$
200 bilhões do BNDES, R$ 100 bilhões só neste ano, com uma Selic de 6,5% uma
aproximação rápida sugere que esses R$ 200 bilhões poupariam do Tesouro cerca
de R$ 13 bilhões por ano em juros, na lei orçamentária de 2019 os recursos do
Tesouro previstos para Ciência e Tecnologia são de cerca de R$ 14,3 bilhões.
Deve ficar claro que a retirada dos recursos do Tesouro não significa
o fim do BNDES. Segundo os dados mais recentes disponíveis na página do banco em
junho de 2018 tais recursos correspondiam a 44,1% dos recursos totais a disposição
do BNDES, em 2014 correspondiam a 57,7% (link aqui). O BNDES pode continuar funcionando com
os recursos do FAT/PIS-PASEP para se financiar, em junho de 2018 essa fonte respondia
por 33,7% do total dos recursos do banco. Se bem trabalhados esses recursos serão
suficientes para manter o BNDES em operação... até que um próximo governo
resolva mexer no parágrafo primeiro do artigo 239 da Constituição Federal, mas
isso é conversa para o futuro.
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