Na década de 1990, quando Collor começou com as privatizações,
a esquerda brasileira fingiu não entender o que estava acontecendo e começou a
denunciar um levante da direita para destruir o estado brasileiro, curiosamente
o tal estado brasileiro que a esquerda tanto se empenhava em defender era a
herança de um regime militar que a esquerda combateu ferozmente entre outras
coisas por, segundo a esquerda, ser de direita. A verdade é que na década de
1990 governantes de partidos sociais democratas ou mesmo socialistas pela
Europa tocaram programas de privatização em seus países, mais isso não
sensibilizou os guerreiros populares e democráticos por aqui. No Brasil da
década de 1990 tipos como o espanhol Felipe Gonzáles, do Partido Socialista
Operário Espanhol, o francês Lionel Jospin, do Partido Socialista, o inglês Tony
Blair, do Partido Trabalhista e outros líderes de esquerda pelo mundo aqui
seriam chamados de ultraliberais de direita.
Voltando ao Brasil vivíamos o impeachment de Collor, naquela
época impeachment não era golpe, e a chegada de Itamar com um governo de
coalizão que focou, com sucesso, no combate à inflação absurdamente alta que
tínhamos. Na sequência chegaram ao poder os sociais democratas do PSDB,
liderados por Fernando Henrique Cardoso (FHC), um líder histórico da esquerda
brasileira que foi exilado no governo militar, os tucanos não apenas
conseguiram manter a economia estabilizada como iniciaram um processo de reformas.
Tais reformas, muito semelhantes as reformas realizadas pelos partidos de esquerda
da Europa, continham uma política de privatização. Ao contrário de Collor, FHC
tinha as condições políticas de tocar uma agenda reformista no Brasil.
Entretanto alguns setores da esquerda, que hoje, grosso modo, correspondem ao
PT e suas linhas auxiliares, começaram a chamar FHC de ultraliberal e
direitista por não seguir a agenda que a esquerda seguia lá pela década de
1950. Era a vanguarda do atraso.
FHC e os tucanos, por sua vez, pareciam gostar do equilíbrio
onde o poder seria disputado pelo PT e PSDB. Se gostaram por acreditar que o PT
não era uma ameaça ao projeto de poder tucano ou se como estratégia para
excluir do debate todos que estivessem à direita dos sociais democratas é coisa
que eu prefiro não discutir aqui, o fato é que a estratégia deu certo e por
mais de vinte anos PT e PSDB pareciam ser as únicas opções para o Brasil. Em
2018 saberemos se a hegemonia da dupla acabou ou se vai sobreviver aos eventos
relacionados ao impeachment de Dilma.
Deixando a política de lado e voltando para economia vimos a
chegada do PT ao poder e, no lugar de reversão das privatizações aconteceram
mais privatizações. Claro, como o PT é de um tipo de esquerda que adora as tais
narrativas foi feito um esforço de mudar o significado dos termos privatizações
e concessões para criar uma impressão que existiam duas formas essencialmente
diferentes de passar ativos públicos para o controle privado. O esforço, no
melhor estilo novilíngua, incluiu esquecer que nem todas as privatizações de
FHC foram vendas de ativos, e que naquela época, ninguém se preocupou em fazer
uma distinção fundamental entre venda e concessão, ambas eram vistas
corretamente como duas formas de privatização (repare esse texto da FSP a
respeito da privatização da via Dutra, link aqui). Pois bem, devidamente
integrada aos programas de governo do PSDB e do PT, as privatizações hoje só
animam aqueles setores mais folclóricos da extrema esquerda e, claro, os petistas
que deliram com a existência de um golpe, mas para estes últimos é só teatro
mal disfarçado.
Pois bem, anos se passaram e a história parece se repetir.
Vários países da Europa realizaram reformas trabalhistas buscando dar mais
flexibilidade aos contratos de trabalho. Boa parte da legislação trabalhista
foi desenhada na primeira metade do século passado, refletem uma época onde o
emprego a ser a regulado era o emprego nas linhas de montagem da indústria de transformação.
Quase um século depois tudo mudou, aquele emprego da linha de montagem não é
mais o foco dos que buscam regular o mercado de trabalho. O crescimento dos
serviços e as mudanças na indústria de transformação praticamente acabaram com
a triste rotina de trabalho descrita em Tempos Modernos, no lugar dela talvez
esteja a rotina dos atendentes de telemarketing. Não é mais possível ter uma
legislação trabalhista que ignora as novas relações de trabalho. Por isso os
países da Europa, mesmo os que tinham governo de esquerda, reformaram suas
legislações trabalhistas. O caso mais recente, e talvez mais barulhento, está
acontecendo na França onde o presidente François Holland, do Partido Socialista,
tenta aprovar uma reforma trabalhista que permite mais flexibilidade aos
contratos de trabalho.
Assim como Collor na década de 1990 foi bombardeado pela
extrema esquerda por fazer o que estava sendo ou seria feito por vários
governantes de esquerda pelo mundo, Temer está sendo bombardeado pela mesma
turma por fazer o que governantes de esquerda fizeram ou estão tentando fazer
na Europa. O filme já foi visto, é possível lembrar até de algumas falas que
foram e estão proferidas pelos “atores” mais exaltados (ou seriam canastrões?).
A desinformação das manchetes mal escritas, a omissão da dita esquerda sofisticada,
a preocupação com o “avanço da direita” e uma agenda ultraliberal, os discursos
que dizem que o Brasil é diferente e etc. Me pergunto se vamos enrolar mais alguns
anos até que apareça outro FHC disposto a receber o carimbo de direitista por
fazer algo essencial para economia e que é bandeira da esquerda em outros
lugares. Temo que sim, mas espero que não. A crise é grande é cada minuto é
precioso, não podemos nos dar ao luxo de esperar.
Um outro FHC? Acredito que ficaria mais correto se você falasse da necessidade de se ter um novo Collor.
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