sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Produtividade: As empresas brasileiras precisam de mais competição.


Um tema que considero central para a economia brasileira e que eu sempre coloco em destaque nas palestras que apresento pelo Brasil é a questão da produtividade. Aqui no blog já tratei do tema em outros posts (aqui, aqui e aqui para alguns exemplos). Nas apresentações começo o tema comparando o desempenho da produtividade no Brasil, na Coreia do Sul e nos EUA, deixo claro que comparar com a Coreia é apelação, mas que é válido por ilustrar a diferença entre o crescimento da produtividade em um país que deu certo no processo de convergência para um país rico e em um país que não conseguiu completar esse processo. A comparação está na figura abaixo.




As linhas foram feitas de forma que todos os países começam de cem em 1970, dessa forma a figura não diz nada sobre o nível da produtividade e só serve para comparar crescimento da produtividade nos três países. O que se espera de um país emergente que entre em trajetória de crescimento é um crescimento da produtividade maior que o observado nos EUA, uma das explicações para isso é que nos EUA a produtividade cresce apenas com a criação de novas tecnologias enquanto em um país emergente o crescimento da produtividade pode ocorrer por conta de novas tecnologias e/ou adoção de tecnologias já existentes. A Coreia é um bom exemplo de país que conseguiu um ritmo de crescimento da produtividade superior ao dos EUA. Países com um crescimento de produtividade entre a linha azul, que representa o crescimento da produtividade nos EUA, e a linha marrom, que representa o crescimento da produtividade na Coreia, também podem ser chamados de caso de sucesso. Países com a linha de crescimento da produtividade abaixo da linha azul estão com problemas, é o caso do Brasil onde o crescimento da produtividade é representado pela linha verde. Note que nossa produtividade em 2014, último ano da série, é menor que em 1970. Outras fontes de dados dão resultados menos drásticos, mas o padrão de quase estagnação é o mesmo (para quem se interessar pelo tema ver o link aqui).

Comparações com mais países reforçam a tese que a produtividade no Brasil é baixa. Na figura abaixo comparo o Brasil com os países de renda média alta com mais de cinco milhões de habitantes que constam nas bases de dados do Banco Mundial e da Penn World Table. Dos dezenove países da amostra apenas Paraguai, Tailândia e China possuem produtividade menor que a do Brasil, fica pior, nos três países menos produtivos que o Brasil a produtividade cresce mais do que por aqui. No caso da China, tal como a Coreia do passado, a produtividade cresce mais do que a dos EUA.




A verdade é que hoje existem poucos economistas que discordem que a produtividade no Brasil é baixa e cresce pouco e que esse é um dos maiores, se não o maior, desafio para que tenhamos uma trajetória de crescimento de longo prazo que nos aproxime de países ricos. Se hoje existe pouca polêmica quanto ao diagnóstico o mesmo não pode ser dito em relação ao tratamento. Uma lida em blogs e colunas de jornais assinadas por economistas interessados no tema apresenta uma série de soluções para questão, algumas dessas soluções são complementares outras podem até ser excludentes. Não é difícil encontrar textos colocando capital humano, infraestrutura, estímulo a indústria de transformação e uma série de outras medidas que isoladamente ou combinadas podem resolver o problema da nossa baixa produtividade. Cada uma dessas variáveis pode contar parte da história (tenho dificuldades de comprar a tese da indústria de transformação, mas isso é assunto para outro post), mas creio que sem um ingrediente chave nenhuma medida vai resolver o problema. O ingrediente a que me refiro é competição.

Edward Prescott, prêmio Nobel de Economia em 2004, afirma que a principal causa para explicar o desempenho da produtividade é a grau de resistência a adoção de novas tecnologias e ao uso eficiente das tecnologias existentes, esse grau de resistência está associado a arranjos institucionais de uma determinada sociedade (link aqui). O grau de competição entre as firmas é uma das peças fundamentais desse arranjo, em uma sociedade com pouca competição entre firmas os incentivos para adotar tecnologias e usar de forma eficiente as tecnologias existentes podem de ser tal monta que a firma prefira ser ineficiente. Tanto adotar tecnologias novas quanto usar tecnologias de forma eficiente tem custos e sem a pressão de um concorrente pode não ser interessante incorrer em tais custos para ganhar eficiência.

Se aceitarmos a tese de que competição é a chave para o crescimento da produtividade, deixo essa decisão para cada leitor, o principal desafio para resolver nosso problema de baixa produtividade é aumentar a competição entre as firmas brasileiras. O aumento da competição pode ocorrer por meio de forças internas e/ou externas. Por forças internas falo de facilitar a entrada de novas firmas no mercado brasileiro, por forças externas falo de abrir a economia para que nossas empresas tenham de competir com empresas em outros países. Estamos mal nos dois critérios.

O ambiente de negócios do Brasil está longe do ideal, de fato pode ser considerado hostil (link aqui). Em relação a facilidade de fazer negócios ocupamos a 109º posição em uma lista de 190 países, estamos entre Papua-Nova Guiné e o Nepal. Para que o leitor tenha uma melhor ideia de nossa posição registro que o México aparece no 54º lugar, o Chile no 56º, a Colômbia está na 65º posição e o Peru na 68º. A China está na 46º posição. No quesito “começar um negócio” estamos na 140º posição, para conseguir permissão para construção nossa posição é a 175º e para pagar impostos estamos na 184º posição. A figura abaixo compara o Brasil com os países de renda média alta nos vários quesitos analisados, na maioria deles estamos abaixo da média do grupo. Para aumentarmos a competição interna é urgente fazer reformas que melhorem o ambiente de negócios e reduzam as barreiras a entrada de novas firmas no mercado.



A outra opção para aumentar a competição é abrir a economia. Tratei do tema em outros postos do blog (aqui e aqui). A figura abaixo mostra a tarifas média no Brasil comparada com a de outros países de renda média alta, os links que coloquei mostram outros critérios de abertura da economia, é fácil constatar que estamos bem acima da média no quesito protecionismo. Dos países listados na figura abaixo apenas Irã e Venezuela possuem tarifas médias maiores do que a nossa.




Sempre que falo em abrir a economia aparece alguém dizendo que isso seria o tiro de misericórdia na indústria nacional. Essa é uma discussão gigantesca que foge ao propósito desse post, mas vale registrar que o padrão de queda da participação da indústria de transformação no PIB, seja lá o que isso estiver medindo, está presente na América Latina, mas no México, desde 2005 o padrão não aparece. A figura abaixo ilustra esse fenômeno. Para quem não lembra em 2005 nossos defensores da indústria comemoram a implosão do tratado que criaria o livre comércio em toda a América deixando o acordo restrito aos países da América do Norte. É curioso que em 2018 López Obrador o presidente esquerdista do México queira manter o tratado enquanto Donald Trump, eleito pelo Partido Republicano, queira rever o tratado alegando que o México está tomando empregos industriais dos EUA. Talvez abertura não faça tão mal a indústria como pensam alguns aqui pelo Brasil.



Um último ponto interessante diz respeito ao timing das reformas. Os economistas Jose Asturias, Sewon Hur, Timothy Kehoe e Kim Ruhl argumentam que a ordem das reformas importa (link aqui). Segundo eles o ideal seria primeiro abrir a economia e depois facilitar a entrada de novas no mercado. A abertura coloca um filtro mais restritivo nas empresas que vão sobreviver no mercado, empresas pouco produtivas podem ser expulsas pela competição das empresas estrangeiras. Se isso for verdade uma agenda de reformas que primeiro facilite a criação de empresas e depois faça a abertura da economia pode gerar frustrações a medida que algumas das empresas criadas serão expulsas do mercado após a abertura*. Não sei com certeza o quanto desse argumento pode ser aplicado ao Brasil, mas estou convicto que devemos fazer as reformas necessárias para aumentar o grau de competição no Brasil. Sem isso temo que outras medidas adotadas para estimular a produtividade não tenham o sucesso desejado e até acabem atrapalhando.


*No artigo o argumento vai na direção que se a abertura vier primeiro empresas menos produtivas não vão nem chegar a entrar no mercado, isso ocorre porque os autores não modelam a decisão da firma sair do mercado. De toda forma vale que abrir primeiro e depois facilitar a entrada tem um impacto maior que a ordem contrária por conta do filtro a empresas pouco produtivas que é imposto pela abertura.


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