quarta-feira, 30 de maio de 2018

Desempenho da economia durante o regime militar: o que dizem os dados?


Um dos fenômenos revelados pela greve dos caminhoneiros foi a força dos movimentos que pedem uma intervenção militar. O que nas manifestações de 2015 e 2016 parecia o desejo de uma minoria excêntrica e inexpressiva tomou ares ameaçadores nas manifestações dos caminhoneiros. O sinal de alerta disparou com a declaração de José da Fonseca Lopes, presidente da Associação Brasileira do Caminhoneiros (Abcam), repercutida por vários órgãos de imprensa (link aqui). Segundo José da Fonseca Lopes:

“Não é o caminhoneiro mais que está fazendo greve. Tem um grupo muito forte de intervencionistas aí e eu vi isso aqui em Brasília, e eles estão prendendo caminhão em tudo que é lugar. [...] São pessoas que querem derrubar o governo. Não tenho nada a ver com essas pessoas nem os nossos caminhoneiros autônomos têm. Mas estão sendo usados para isso.”

No mesmo dia que levou ao ar essa declaração o Jornal Nacional mostrou imagens de concentração de caminhões onde era possível ler pedidos por uma intervenção militar. Não creio que uma parcela significativa da população apoie tal intervenção, mas é difícil não ficar preocupado com a ideia que a parcela que apoia tem mais poder de fogo do que eu imaginava.

Como muitos dos que defendem uma intervenção militar costumam argumentar com variáveis econômicas resolvi fazer um apanhado de dados para descrever a economia do Brasil antes e depois do Golpe de 1964. Sei que as pessoas estão acostumadas a comparar os dados do regime militar com os dados do período que veio depois desse regime, a Nova República. Não creio que seja a melhor comparação, muitos dos problemas econômicos da Nova República foram herdados dos governos militares, além do mais me parece bastante razoável comparar o período dos militares com o Brasil de antes da intervenção , que, para o bem ou para o mal, não teve influência das políticas do regime militar do que com o período posterior que, também para o bem o para o mal, sofreu influência destas políticas.

Antes de começar a comparação é válido fazer uma breve descrição do Brasil antes do Golpe de 1964. De 1930 a 1945 o Brasil viveu sobre o Estado Novo, uma ditadura liderada por Getúlio Vargas que iniciou a transição do Brasil rural da República Velha para o Brasil urbano dos dias de hoje. Em 1945 a onda de democracia que tomou conta do mundo ocidental ajudou a derrubar Vargas de forma que em 1946 o Marechal Eurico Gaspar Dutra, que foi Ministro da Guerra de Vargas entre 1936 e 1945, começa seu mandato como presidente eleito. AS eleições de 1945 foram disputadas por Dutra, que era do Partido Social Democrático (PSD), e o Brigadeiro Eduardo Gomes, que era da União Democrática Nacional (UDN). A disputa dura entre o PSD, muitas vezes aliado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Vargas marcou o Brasil do pós-guerra e gerou um crescente de tensões que desaguou no Golpe de 1964.

Tais tensões começam a tomar força quando Vargas volta ao poder em 1951, desta vez eleito. O duro embate entre as forças que apoiavam Vargas, marcadamente o PTB e o PSD, com as forças de oposição ao antigo ditador chegou ao ápice com o suicídio de Vargas em 1954. Na sequência desse momento dramático tivemos três presidentes, Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos, até que, não sem ameaças, Juscelino Kubitschek (PSD) tomasse posse como presidente em 1956 após derrotar Juarez Távora (UDN) em 1955. Kubitschek terminou o mandato dele e foi sucedido por Jânio Quadros, uma espécie de outsider do pequeno Partido Trabalhista Nacional (PTN) que era visto pela UDN como a forma de barrar a dobradinha PSD-PTB no governo. De fato, Jânio derrotou o General Henrique Teixeira Lott do PSD. O PTB não lançou candidato à presidência, mas lançou a vice-presidência, naquelas eleições se votava para presidente e para vice-presidente. A estratégia do PTB funcionou e João Goulart foi eleito vice-presidente. Jânio Quadros renuncia em agosto de 1961, Ranieri Mazzilli (PSD) assume a presidência por cerca de uma semana até que João Goulart retorne do exterior e tome posse como presidente em setembro de 1961. A forte resistência à João Goulart, visto como um extremista de esquerda, levou o Brasil a um parlamentarismo que foi rejeitado pela população em plebiscito. João Goulart se torna presidente de fato, mas é deposto em março (ou abril?) de 1964. No dia quinze de abril de 1964 o Marechal Humberto Castelo Branco toma posse e inicia um regime que se transforma em uma ditadura e só acaba em março de 1985 quando José Sarney toma posse como presidente sucedendo o General João Batista Figueiredo

Durante o período democrático do pós-guerra que durou de janeiro de 1946 a março de 1964, menos de vinte anos, tivemos nove presidentes, um suicídio durante o mandato, um vice afastado, Café Filho, um presidente da Câmara, Carlos Luz, deposto acusado de tentar impedir a posse do presidente eleito, um presidente que renunciou, Jânio Quadros, e um vice-presidente deposto pelo Golpe de 1964. Mesmo para os tensos tempos que vivemos me parece justo dizer que foi um período conturbado. Em 1963 a economia desandou, a taxa de crescimento do PIB naquele ano foi de 0,6%, até então a menor do pós-guerra, e a inflação chegou a 82% ao ano. O caos político e o colapso da economia foram usados como justificativa para o Golpe de 1964. Não vou analisar como o regime militar afetou a política do país, deixo essa tarefa para quem é do ramo, pela mesma razão não vou entrar nas graves violações aos direitos humanos e as liberdades civis e individuais cometidas pelos governos militares, existem várias análises dessa parte triste de nossa história por esta perspectiva. Meu foco vai ser a parte econômica, aquela que costuma ser apontada como um sucesso.

Comecemos com um resumo do período entre 1946 e 1963, que vou chamar de período democrático, e o período entre 1964 e 1984 que vou chamar de período do regime militar. Não vou usar o termo ditadura para não entrar na discussão se todo o regime foi ditadura ou se apenas um subperíodo pode ser assim chamado, embora acredite ser correto chamar todo o período de ditadura deixo essa discussão para os mais qualificados do que eu. A tabela abaixo faz a comparação:

  
Variável
Medida
Período Democrático
Regime Militar
Taxa de crescimento do PIB per capita.
Média
4,1%
3,8%
Mediana
4,5%
4,0%
Máximo
9,0%
11,1%
Mínimo
-2,3%
-6,4%
Inflação (IGP-DI)
Média
25,2%
61.5%
Mediana
22,7%
36,5%
Máximo
82,0%
228,0%
Mínimo
2,2%
15,7%
Dívida/PIB
Média
18,0%
31,7%
Mediana
17,9%
25,0%
Máximo
34,6%
91,7%
Mínimo
5,5%
16,4%

Na tabela coloquei várias medidas porque, como vai ficar claro nos gráficos, a média nem sempre mostra bem o que aconteceu com a variável, mas para fins de análise desse parágrafo vou me limitar a média. O resultado é cruel para a tese que os governos militares tiveram a economia como ponto forte. No período do regime militar a economia cresceu menos, teve mais inflação e o governo ficou mais endividado que no período entre 1946 e 1963. A dita estabilidade política trazida pelos militares não entregou melhores resultados que a “bagunça” vivida no período democrático em termos de crescimento e inflação e ainda nos deixou bem mais endividados que do éramos.

Uma olhada em cada variável individualmente deixa uma impressão ainda pior sobre o desempenho da economia no regime militar. Comecemos pela taxa de crescimento do PIB per capita. A figura abaixo mostra essa variável antes e depois do Golpe de 1964, repare que o grande crescimento no começo da década de 70, responsável pela fama de milagreiro de Delfim Netto e pela memória de prosperidade do regime militar, não se sustentou nos anos seguintes e a média de crescimento do regime militar ficou ligeiramente abaixo da média do período democrático.



Na inflação o desastre foi ainda maior. O regime que chegou para acabar com a inflação de 81% observada em 1963 entregou a economia com uma inflação de 228% ao ano. Mais uma vez as boas lembranças parecem vindas de um período que não se mostrou sustentável. A verdade é que boa parte das dificuldades econômicas iniciais da Nova República ocorreram por conta do estado lastimável da economia após mais de vinte anos de governos militares. Erros da década de 70 com subsídios, projetos megalomaníacos, incentivos a indústria, controle de preços de combustíveis e outros do tipo levaram a década perdida de 1980 assim como os erros do segundo mandato de Lula e do primeiro mandato de Dilma levaram a atual década perdida. É verdade que a Nova República cometeu erros graves que nos levaram à hiperinflação, mas tais erros foram cometidos na tentativa de controlar a inflação legada pelo regime militar.



Para avaliar a dívida vou usar duas variáveis. Primeiro a dívida externa calculada como a dívida externa reconhecida e o PIB em dólares, ambos disponibilizados pelo Ipeadata. Por esta medida a dívida externa foi de 16% do PIB em 1965 para 48% do PIB em 1984, no período democrático o maior valor observado foi de 22,4% em 1958. A figura abaixo mostra o comportamento da dívida externa nos dois períodos.



A outra medida foi obtida na página do livro This Time is Different, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, e mostra a dívida total, interna e externa, do governo central como proporção do PIB. Por esta medida a dívida foi de 21% do PIB em 1965 para 91% do PIB em 1984, no período democrático o maior valor observado foi de 34,6% em 1956. Juscelino, constantemente acusado de endividar o Brasil para fazer os 50 anos em 5, levou a dívida total de 17% em 1955, ano anterior à posse dele, para 22% em 1960, último ano completo que governou. Nos cinco anos entre 1980 e 1984 o general Figueiredo, último presidente do regime militar, levou a dívida total de 48% do PIB para 91% do PIB. Se usarmos a medida de dívida externa Juscelino levou de 12% do PIB para 20% do PIB e Figueiredo, entre 1980 e 1984, levou de 23% do PIB para 48% do PIB.



É certo que comparar períodos distintos impõe alguns riscos, a realidade do mundo era diferente no período entre 1946 e 1963 da que foi no período de 1965 a 1984. Creio, porém, que tais diferenças não mudam a mensagem final do post: o regime militar está longe de ser um exemplo de gestão da economia. Os erros graves de política econômica observados principalmente a partir do governo Médici são responsáveis pela grande crise da década de 1980. Mesmo os que argumentam a culpa da crise de 1980 foi da dívida não podem negar que o regime militar aumentou consideravelmente nossa dívida. Uma análise mais profunda do período do regime militar e das consequências dele sobre a economia da Nova República pode ser feita em outros lugares, é um tema em que já publiquei alguns artigos que estão resumidos no nono capítulo do livro Desenvolvimento Econômico: Uma Perspectiva Brasileira (link aqui), para o blog espero que os números que mostrei sejam suficientes para mudar a percepção de o regime militar foi um sucesso em termos econômicos. A verdade é que mão foi, muito pelo contrário, o regime militar não apenas teve um desempenho ruim enquanto durou como plantou boa parte dos problemas institucionais que até hoje travam nossa economia.


terça-feira, 29 de maio de 2018

A resposta do governo à greve dos caminhoneiros não foi ruim, foi muito pior.

Em junho do ano passado o blog Estado da Arte no Estadão publicou um texto meu cujo o título era: “Temer no Planalto é retrocesso na agenda de reformas” (link aqui), no texto escrevi:

“A permanência de Temer no governo pode até ajudar com algumas reformas, particularmente a trabalhista, mas definitivamente vai na contramão da melhora do ambiente institucional que tanto precisamos.”

O que na época foi escrito por conta das revelações do áudio de uma conversa de Joesley Batista com Temer que deveria ter sido suficiente para tirar Temer do Planalto, nesta semana se mostrou mais real do que eu poderia imaginar. Para ficar no poder Temer fez uma série de concessões que colocaram o Brasil na contramão das reformas. É verdade que em outros fronts a equipe técnica do governo buscava avançar nas reformas, melhor exemplo disso foi a substituição da TJLP pela TLP em 2017. O governo Temer que parecia abraçar de todo a agenda reformista passou a se dividir entre um núcleo político disposto a todo tipo de populismo e concessões para permanecer no poder e um núcleo técnico concentrado na Fazenda tentando seguir com as reformas. Nesta semana, ao que tudo indica, o núcleo político impôs uma derrota definitiva ao núcleo técnico. A resposta do governo à greve dos caminhoneiros foi um nocaute dado pela agenda de populismo e compadrio na agenda reformista.

A MP 832 de 27 de maio de 2018 (link aqui) institui a política dos preços mínimos no transporte rodoviário de cargas, com a medida o governo se propõe a substituir o mercado na tarefa de “proporcionar a adequada retribuição ao serviço prestado” pelos caminhoneiros. Para deixar claro o espírito da medida basta dar uma olhada nos artigos quarto e quinto: a MP coloca o governo, mais precisamente a ANTT, como responsável pelos preços mínimos no setor. Seguem os dois artigos:

Art. 4º:  O transporte rodoviário de cargas, em âmbito nacional, obedecerá aos preços fixados com base nesta Medida Provisória.

Art. 5º:  Para a execução da Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT publicará tabela com os preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, consideradas as especificidades das cargas definidas no art. 3º.

A outra MP já publicada, MP 833 de maio de 2018 (link aqui), é também um monumento ao retrocesso. O governo resolveu intervir em contratos estabelecidos com concessionárias de rodovias por todo o país e determinar que “veículos de transporte de cargas que circularem vazios ficarão isentos da cobrança de pedágio sobre os eixos que mantiverem suspensos.”. Como essa isenção será viabilizada? Quem vai ficar com o prejuízo? Aparentemente nem o governo sabe, de acordo com o parágrafo segundo do artigo primeiro da MP nos resta esperar:

Art. 1º § 2º:  Os órgãos e as entidades competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disporão sobre as medidas técnicas e operacionais para viabilizar a isenção de que trata o caput.

As medidas que já viraram objeto de MP apontam claramente para a volta de um estado que tenta substituir o mercado na formação de preços dos fretes e dos pedágios. As outras medidas ainda não estão claras, mas aparentemente tornam o cenário ainda pior. Comecemos pela mais assustadora de todas: o governo pretende pagar R$ 0,30 por litro de óleo diesel vendido pelas refinarias. Dito de outra forma o governo está retomando à política de subsídios a combustíveis. Na forma como está o custo estimado pelo governo será de R$ 9,5 bilhões, mas uma vez aberta a porteira é difícil, quase impossível, saber o tamanho do rebanho que vai passar. Quem garante que o subsídio não será renovado? Quem garante que não será elevado em caso de elevações no preço do barril do petróleo ou desvalorizações no real. A experiência sugere que o caminho dos subsídios é um caminho de difícil volta, é uma pena que o governo que liderou uma das maiores vitórias contra os subsídios, a aprovação da TLP, chegue ao fim ressuscitando a infame conta petróleo da década de 70

Outra medida polêmica é a redução de impostos sobre o diesel, pela medida a CIDE sobre o diesel será extinta e a alíquota do PIS/Cofins será reduzida de forma que o preço do óleo diesel caia em R$ 0,16 por litro. Qual o problema de uma medida que reduz impostos? A resposta está no inciso II do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (link aqui), vejamos:

Art. 14.: A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Para aplicar o inciso I seria necessário mostra que renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, esse não é o caso pois a medida não estava prevista até a semana retrasada. Isso faz com que a medida se enquadre no inciso II que determina explicitamente que haja uma compensação por meio de aumento de receitas. Repor os cerca de R$ 4 bilhões de perda de arrecadação de CIDE e PIS/Cofins por meio de impostos não é uma escolha da Fazenda, é uma determinação legal. A reoneração da folha de pagamentos deve dar no máximo R$ 2 bilhões, o resto vira de novos impostos e/ou elevações de alíquotas.

Por certo podemos questionar a lei, mas isso exige um rito, alguém também pode alegar que a lei é “injusta” e como tal não deve ser obedecida. A esses peço que lembrem dos riscos de permitir que um governo não obedeças às leis. Não estamos falando de um cidadão se rebelando contra uma lei injusta, estamos falando de defender que um governo se coloque acima das leis para cumprir um acordo com uma categoria em greve. Por mais que meu instinto liberal me coloque sempre ao lado de reduções de impostos esse mesmo instinto se manifesta de forma ainda mais incisiva em repúdio a possibilidade de colocar um governo acima das leis. O princípio do Império da Lei e governo limitado me parece mais importante do que uma redução temporária de tributos.

Juntos o subsídio e a redução de tributos levam a uma queda de R$ 0,46 do preço do óleo diesel nas refinarias. Como garantir que essa redução vai chegar nos postos? Aqui os representantes do governo protagonizaram cenas dignas da década de 80: apelos ao patriotismo dos donos de postos e dos distribuidores de combustíveis, ameaça de transformar o Procom e uma reencarnação da Sunab, convocação da população para fiscalizar postos em um triste arremedo dos “fiscais do Sarney” fizeram parte do show de horrores encenado pelos ministros Carlos Marun, Eliseu Padilha e Sérgio Etchegoyen nas várias entrevistas coletivas da última semana.

A intervenção nos preços, o populismo nos pedágios, os subsídios e a volta da conta petróleo, o envio para o resto da sociedade de impostos sobre o óleo diesel e o festival e bobagens nas ameaças aos postos de combustível não encerram a sucessão de desastres da semana. O governo também prometeu que caminhoneiros autônomos vão ter uma cota de 30% dos fretes da Conab. Se não tinham antes é por algum motivo, provavelmente porque contratar transportadores é mais eficiente para Conab. Quem vai ficar com a conta? Advinha...

Um último ponto que merece ser comentado é o imposto sobre importação do diesel (link aqui). O governo vai cobrar um imposto equivalente a diferença entre o preço do óleo diesel importado e o preço cobrado pela Petrobras. A justificativa é não prejudicar a estatal em caso de queda no preço do petróleo que faça com o diesel importado fique mais barato que o nacional. Gostou? Tem mais...para não distorcer o mercado o governo vai pagar o subsídio de R$ 0,30 por litro para o óleo importado. Não se subsidiar importações é uma jabuticaba, mas parece. De toda forma o imposto e o subsídio ilustram a lógica torta das intervenções: uma intervenção gera distorções no mercado que devem ser corrigidas por novas intervenções em um ciclo que costuma ir muito além do que foi originalmente imaginado. A conta fica para o pagador de impostos que é também consumidor.

Para não terminar o post em um clima tão pesado recomendo ao leitor um documento do CADE com sugestões para estimular a concorrência no setor de combustíveis (link aqui), lá são feitas nove propostas:

Bloco 1: Contribuições em relação à Regulação
(i) Permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postos.
(ii) Repensar a proibição de verticalização do setor de varejo de
combustíveis.
(iii) Extinguir a vedação à importação de combustíveis pelas
distribuidoras.
(iv) Fornecer informações aos consumidores do nome do revendedor de
combustível, de quantos postos o revendedor possui e a quais outras
marcas está associado.
(v) Aprimorar a disponibilidade de informação sobre a comercialização
de combustíveis para o aperfeiçoamento da inteligência na repressão à
conduta colusiva.

Bloco 2: Contribuições em relação à Tributação
(vi) Repensar a substituição tributária do ICMS.
(vii) Repensar o imposto ad rem.

Bloco 3: Contribuições de caráter geral
(viii) Permitir postos autosserviços.
(ix) Repensar as normas sobre o uso concorrencial do espaço urbano.

No texto cada proposta é detalhada e justificada. Naturalmente ninguém é obrigado a concordar com todas as propostas, mas é triste saber que no lugar de estarmos discutindo uma agenda interessante como a proposta pelo CADE estamos discutindo a volta de políticas ruins que já se mostraram desastrosas no passado.


sábado, 26 de maio de 2018

Comportamento do preço da gasolina e do óleo diesel desde 2001.


Como forma de entender melhor o que está acontecendo com os preços dos combustíveis resolvi dar uma olhada na série histórica de preços da gasolina comum e do óleo diesel. Os dados estão disponíveis na página da ANP (link aqui) em duas planilhas: a primeira com o período de julho de 2001 a dezembro de 2012 e a segunda com dados de janeiro de 2013 até abril deste ano. Trabalhei com o preço médio de revenda deflacionado pelo IPCA. O resultado está na figura abaixo.




O primeiro fato que destaco é que nem a gasolina comum nem o óleo diesel estão com maiores preços da série. O maior preço da gasolina comum ocorreu em fevereiro de 2003 e equivale a R$ 5,21 por litro em valores de hoje, o maior preço do óleo diesel ocorreu em outubro de 2005 e equivale a R$ 3,72 em valores de hoje. Outro ponto importante é que o preço da gasolina comum termina a série abaixo do preço médio do período, R$ 4,22 em abril deste ano contra um valor médio de R$ 4,25 no período, como o preço subiu em maio é razoável supor que ultrapassou a média, mas provavelmente não tinha ultrapassado o pico até o início da greve e da falta de gasolina no mercado. No caso do óleo diesel o preço está acima da média, R$ 3,43 em abril deste ano contra um valor médio de R$ 3,22, não sei dizer se ultrapassou o pico em maio.

Outro fato que mercê destaque é que tanto o preço da gasolina comum quanto o preço do óleo diesel começam uma trajetória de queda por volta de 2006. Mais uma vez o ano de 2016 aparece como um ano de mudança de tendência, para os esquecidos lembro que em 2006 o governo começou a transição de uma agenda de reformas para uma agenda desenvolvimentista. A figura abaixo mostra o preço da gasolina comum e o preço em reais do barril de petróleo tipo Brent. O preço do barril do petróleo foi obtido no Ipeadata e convertido para reais com a taxa de câmbio também disponível no Ipeadata, a correção pela inflação foi feita pelo IPCA.




Reparem que a trajetória de queda do preço da gasolina começa antes da queda do preço do barril de petróleo. Após a crise o preço do petróleo em reais volta a subir enquanto o preço da gasolina continua a trajetória de queda, tivemos cerca de cinco anos para ajustar o preço da gasolina e não fizemos, pior, seguimos ignorando o preço do petróleo e tornando a gasolina mais barata seja para estimular a economia ou para controlar a inflação. Em 2015 a queda do preço do barril do petróleo deu um alívio, mas já era tarde e o estrago estava feito, naquele ano o ajuste começou a ser feito com uma economia encolhendo e inflação de dois dígitos.

O que estamos vendo agora é a retomada do preço do barril do petróleo com o preço da gasolina voltando para os patamares do começo da década passada quando Lula um presidente reformista e o petróleo era caro, ou seja, o preço da gasolina está saindo do mundo artificial dos preços “socialmente controlados” e voltando para o mundo real. A figura abaixo repete a figura anterior com o preço do óleo diesel no lugar do preço da gasolina, a história é mais ou menos a mesma. A volta a realidade é dura.



É certo que o nível de preços, não necessariamente a trajetória, está relacionado a excesso de impostos, notícias de jornal informam que os impostos chegam a 50% dos preços dos combustíveis. Essa é uma questão que deve ser tratada no bojo de uma reforma tributária e, mais importante, uma reforma do estado. Se a maior parte dos brasileiros deseja continuar vivendo no “país da meia entrada” (link aqui) a conta terá de ser cobrada em algum lagar e combustíveis são um forte candidato pela característica de bem essencial, a quantidade demandada não cai muito com a variação do preço, e pela facilidade de cobrança por conta da substituição tributária. Resolver o problema dos combustíveis sem resolver o resto, ou pelo menos sem apresentar uma reforma tributária, é criar problemas em outros setores e/ou no futuro.

Um último registro diz respeito a política de preços da Petrobras. Como todo monopolista a Petrobras tenta repassar os choques em seus custos para os consumidores, ao contrário de outras empresas com poder de mercado a Petrobras não parece ter um regulador impedindo tais repasses. Não falo de uma volta desastrosa política de controle de preços com objetivos de controlar a inflação, estimular a economia ou qualquer outro argumento macroeconômico, me refiro a um controle de preços com base em microeconomia como acontece nas telecomunicações. Não há razões para a Petrobras não ser tratada como uma monopolista sujeita a regulação. Naturalmente sistemas de regulação tem seus riscos e costumam ser um substituto pobre para a regulação feita por meio do mercado, mas até que tenhamos um mercado regulando o setor, se é que um dia vamos ter, me parece adequado que alguma agência reguladora, pode ser a ANP, sujeite a Petrobras a regras de preços nos moldes das que são aplicadas a outras empresas que atuam em mercados com pouca concorrência.


domingo, 20 de maio de 2018

Parece que o aumento na taxa de juros dos EUA chegou. E agora?


Ao que parece o aumento da taxa de juros nos EUA dessa vez chegou mesmo. Não se trata de um evento inesperado, longe disso, desde muito sabemos que as taxas de juros americanas estavam muito baixas e que deveria subir. A figura abaixo mostra a taxa de juros dos títulos do Tesouro americano de um ano e de dez anos entre dois de janeiro de 1962 e dezessete de maio de 2018, foi a série mais longa que encontrei.




Nesses mais de cinquenta anos é possível perceber que as duas taxas andam juntas, mas que de tempos em tempos a taxa dos títulos de curto prazo, um ano, fica abaixo da taxa do título de longo prazo, dez anos. No século XXI é possível observar dois desses deslocamentos. O primeiro ocorreu depois da crise das “ponto-com” no começo do século quando estourou a bolha das empresas de alta tecnologia, na sequência dessa crise a taxa de juros dos títulos de curto prazo ficou abaixo da taxa dos títulos de longo prazo por um longo período. O ajuste aconteceu em meados da década passada, mas durou pouco, em 2008 mais uma crise, desta vez muito maior, levou o FED a reduzir as taxas de juros e os juros dos títulos de curto prazo descolaram dos títulos de longo prazo por um período ainda maior. Uma outra característica desse período foi a redução das duas taxas de juros. Desde o começo da década passada a taxa dos títulos de longo prazo está abaixo da média histórica, 6,2%, já a taxa dos títulos de curto prazo ficou um pequeno período acima da média no começo do século e voltou a média no período anterior a crise de 2008, no resto do tempo ficou abaixo da média.

Repare em uma trajetória de queda das taxas dos títulos de longo e curto prazo começa na virada da década de 1980 para a de 1990, a redução pode ter vindo para ficar. É razoável supor que uma sociedade mais velha tenha taxas de juros menores, afinal via de regra os jovens demandam mais empréstimos do que os mais velhos. A figura abaixo reproduz a figura anterior para o período entre janeiro de 1991 e maio de 2018. Na figura aparecem três deslocamentos entre as taxas de juros, já falei dos dois períodos deste século, o deslocamento da década de 90 pode ter mais lições para os próximos anos, foi no ajuste desse deslocamento, em meados da década de 1990, que ocorreu uma série de crises cambiais começando com o México em 1995 e que chegou no Brasil na virada de 1998 para 1999.




É difícil falar como vai ser o ajuste desta vez, se vamos ter uma crise no estilo das que pegaram os EUA e o mundo em 2000 e depois, com mais força, em 2008 ou se vamos ter uma crise cambial se espalhando por países emergentes como aconteceu na década de 1990. Por outro lado, não é tão difícil imaginar que as taxas de juros dos títulos de um ano e dez anos podem voltar a se encontrar e estão voltando para seus valores médios, se não o do período completo pelo menos o de 1991 para cá. Se isso for mesmo verdade, acredito que seja, estamos encrencados. Nossa gigantesca complacência com os desequilíbrios no setor público nos fez adiar demais o ajuste fiscal, agora talvez não tenhamos tempo, se for isso mesmo se preparem para anos ruins pela frente.



quinta-feira, 17 de maio de 2018

Mais uma vez nado contra a corrente: Por que acredito já ser hora de parar com a redução de juros?


A decisão do Copom e manter a taxa de juros em 6,5% ao ano causou alvoroço entre analistas econômicos. Uma entrevista de Ilan Goldfajn na semana anterior a reunião do Copom onde o presidente do BC deu a entender que haveria uma redução dos juros aumentou a confusão. Poucos devem discordar que presidentes de bancos centrais devem tomar cuidado com o que falam, um mal-entendido pode custar caro e pessoas que perdem dinheiro costumam ficar irritadas. Da minha parte, neurótico que sou com inflação, entendo que a declaração de Ilan Goldfajn visava preparar o mercado para a manutenção dos juros, a diferença entre minha percepção e a de vários colegas talvez seja que, ao contrário deles, eu estava esperando um aumento na taxa de juros. Vou além, acredito que se o BC errou ontem foi por excesso de ousadia.

A principal função de um banco central é manter a inflação controlada, isso é (ou deveria ser) mais forte no Brasil onde o BC trabalha com regime de metas de inflação. De acordo com o Boletim Focus a expectativa de inflação para este ano é de 3.45%, ou seja, está dentro do intervalo da meta. O Banco Central poderia reduzir a taxa de juros se entendesse que tal redução não colocaria em risco a meta, manter a taxa de juros se entendesse que era hora de esperar para ver ou elevar os juros se entendesse que a meta estava em risco. Dado o volume de incerteza com o movimento do dólar creio ser difícil pensar que alguma coisa não está em risco, dessa forma, segundo meu raciocínio reconhecidamente muito avesso a riscos de inflação, a escolha seria entre manter e aumentar. Por estar olhando para atividade o BC acabou por manter os juros em 6,5%, é um risco, baixo reconheço, que parece aceitável, principalmente se lembrarmos que a atual direção do BC já se mostrou extremamente habilidosa no controle da inflação.

Fiz o esclarecimento acima apenas para registro, não é meu interesse entrar no debate do erro de comunicação. Quando o presidente do BC fala ele não costuma estar pensando em professores de macroeconomia, o público alvo é o pessoal do mercado e, se boa parte desse pessoal entendeu errado, é porque algum problema de comunicação aconteceu. O verdadeiro objetivo desse post é alertar para alguns perigos de manter a queda da taxa de juros, especificamente duas questões serão colocadas: a diferença entre os juros aqui e nos EUA está ficando muito baixa e os juros reais também podem estar ficando perigosamente baixos para o Brasil.

Comecemos pelo diferencial de juros, a diferença entre a Selic e a taxa do FED. Quando alguém considera investir em título no Brasil ele deve considerar as alternativas, por simplicidade vou supor que a alternativa é investir em título nos EUA. A decisão final deve considerar a taxa de juros no Brasil, a taxa de juros nos EUA e a expectativa de desvalorização cambial. Se o sujeito tem dólares para investir no Brasil ele vai transformar os dólares em reais e comprar os títulos daqui. Após um ano ele vai ter os reais iniciais mais os juros. Por fim ele transforma os reais recebidos em dólares e compara com o ganho de investir em títulos americanos.

Para deixar a coisa mais clara vale um exemplo: o investidor pode investir US$ 10.000 no Brasil a uma taxa de 10% ou investir nos EUA a uma taxa de 5%, suponha que o câmbio é de quatro reais por dólar. Se escolher o Brasil ele vai transformar os US$ 10.000 em R$ 40.000 e no final do período terá R$ 44.000. Caso escolha os EUA ele não precisa transformar em reais e no final terá US$ 10.500. Qual foi a melhor opção? Depende do câmbio. Se o câmbio continuar quatro reais por um dólar ele transforma os R$ 44.000 em US$ 11.000 e terá sido melhor investir no Brasil. Se o câmbio tiver subido para, por exemplo cinco reais por dólar, ele vai transformar os R$ 44.000 em US$ 8.800, nesse caso o melhor seria ter investido nos EUA. É possível calcular qual o câmbio que faz com que investir no Brasil ou nos EUA tenha o mesmo resultado, para um cálculo aproximado basta pegar o valor que ele recebe em reais, R$ 44.000, e dividir pelo valor que ele recebe em dólares, US$ 10.500. O resultado é que um câmbio de aproximadamente 4,19 reais por dólar faria com que investir no Brasil fosse equivalente a investir nos EUA, de farto a esse câmbio os R$ 44.000 valeriam US$ 10.501,19. Repare que o valor do câmbio que igualou os resultados dos investimentos, 4,19 reais por dólar, equivale a uma desvalorização de aproximadamente 4,8% do real.

Grosso modo podemos dizer que a diferença entre taxas de juros de dois países, ignorando problemas de calotes ou coisas do tipo, deve ser aproximadamente a expectativa de desvalorização do câmbio. Se isso não for verdade os dólares vão migrar de um país para o outro. No nosso exemplo se a expectativa de desvalorização do câmbio for maior que 5% os dólares sairão do Brasil rumo aos EUA. A figura abaixo mostra a diferença de juros entre o Brasil e os Estados Unidos, repare que tal diferença está no menor valor de toda a série. Se a economia brasileira tivesse toda arrumadinha tal diferença não seria um problema, mas não é o caso. A dívida pública brasileira é muito alta (link aqui), a possibilidade de um ajuste fiscal minimamente razoável ficou bem mais distante com a não aprovação da reforma da previdência e, para complicar ainda mais, temos uma eleição em que não faltam candidatos prometendo rever reformas, nacionalizar ativos pertencentes a estrangeiros, iniciar um processo de elevação dos gastos, submeter a política monetária a supostas demandas da indústria e outras maluquices do tipo. Infelizmente não vejo outra conclusão possível que não a de que atual diferença entre taxa de juros no Brasil e EUA não é sustentável e, como dificilmente o FED vai reduzir as taxas de lá para agradar o Brasil, a alternativa é aumentar as taxas de cá.




O outro ponto é que os juros reais estão baixos. Esse é mais difícil de explicar, começa que medir juros reais não é tarefa trivial. Devemos usar a inflação passada ou a inflação esperada? Essa é fácil, depende do que queremos, mas não para aí. Como medir a expectativa de inflação? Para esse post vou usar como aproximação a diferença entre a Selic anualizada em um determinado mês menos a expectativa de inflação para o ano no mesmo mês. A escolha deve-se mais a facilidade de dados do que a qualquer outro motivo. A figura abaixo mostra a taxa de juros nominais (Selic) e reais (Selic menos expetativa de inflação) para o mesmo período da figura anterior. A taxa nominal está no valor mais baixo da série, a real já esteva mais baixa no passado, mas não é um período de boa lembrança.



Taxas de juros baixas podem parecer uma daquelas coisa que só fazem bem, mas não é o caso. A poupança no Brasil é muito baixa e incapaz de financiar mesmo a nossa baixa taxa de investimento, por mais que existam outros fatores relevantes para determinar a poupança reduzir a taxa de juros não vai ajudar em nada. Nos últimos anos muitos brasileiros investiram em fundos de pensão, alguns candidatos inclusive estão propondo que o atual regime de repartição seja substituído por um regime de capitalização, com juros baixos os fundos existentes e os que serão criados com uma eventual mudança para um regime de capitalização teriam de se expor a riscos elevados como forma de conseguir rentabilidade necessária para pagar os benefícios. Via de regra juros baixos induzem a tomada de riscos por parte de investidores. Um risco associado ao anterior é a formação de bolhas em alguns ativos, dentre os quais imóveis. Se nada disso impressiona o leitor peço que considere o argumento mais relevante. A taxa de juros reais baixa induz investimentos em projetos que não são rentáveis com taxas de juros mais altas, o que é visto por alguns como uma benção no médio e longo prazo pode se tornar uma maldição. Quando da elevação da taxa de juros esses projetos tornam-se inviáveis gerando frustração e perdas de capital aos investidores e desemprego aos trabalhadores. Esses investimentos não sustentáveis induzidos por taxas de juros artificiais, subsídios ou outros tipos de incentivos não sustentáveis são talvez os mais importantes ingredientes para construção de uma crise, deveríamos saber bem disso.


sábado, 12 de maio de 2018

Valorização da Petrobras: preço do petróleo e mudanças na gestão.


Esta semana foi registrado que a Petrobras ultrapassou a AMBEV e voltou a ser a empresa mais valiosa na Bolsa de Valores de São Paulo. Reportagem do UOL (link aqui) mostra que o valor da Petrobras chegou a R$ 358,9 bilhões, deixando para trás a AMBEV (R$ 342,6 bilhões) e se afastando ainda mais do Itaú Unibanco (R$ 295,6 bilhões), Vale (R$ 267,6 bilhões) e Bradesco (R$ 217 bilhões). Muita gente creditou a valorização da Petrobras a gestão de Pedro Parente, alguns foram além e viram a notícia como sinal que a Petrobras está recuperada.

A análise que segue reforça a tese que a gestão de Pedro Parente foi fundamental para o processo de recuperação da Petrobras, por justiça creio que devo registrar que, a despeito de outras questões, as mudanças começaram ainda na gestão de Ademir Bendine, porém, ao contrário de Parente, Bendine sofreu com restrições impostas pela agenda política/ideológica do governo Dilma. Basta uma olhada nos jornais da época para ver os esforços de Bendine para fazer o ajuste na Petrobras com a inevitável venda de ativos (link aqui). Ocorre que além da mudança na gestão iniciada com Bendine e aprofundada por Parente outros fatores afetam o desempenho da Petrobras e podem explicar a alta no preço das ações e o consequente aumento de valor da empresa. O objetivo desse post é jogar luz na separação entre os efeitos causados por fenômenos comum ao setor e efeitos específicos da Petrobras.

Comecemos do começo. A figura abaixo mostra a evolução das da Petrobras (PETR4.SA) e da AMBEV (ABEV3.SA) na Bolsa de São Paulo. É fácil ver a recuperação que ocorre a partir de 2015, ano que Bendine assumiu a presidência e parou a política insana das gestões anteriores, da mesma forma é visível a sequência de altas que levou o valor da Petrobras a ultrapassar o da AMBEV (lembre que o valor é o preço multiplicado pelo número de ações). Repare que a partir de 2016 tanto a AMBEV quanto a Petrobras apresentam uma série de alta nos preços, isso é verdade para várias empresas, porém a Petrobras subiu mais que a AMBEV, o que sugere que além do efeito da subida generalizada no valor das empresas brasileiras a partir de 2016 existe algo específico que a afeta a Petrobras ou a AMBEV que justifique a diferença na performance das duas. Alguém pode alegar que foi a gestão, mas meu primeiro candidato é o preço do petróleo.



O barril de petróleo que começou 2016 valendo menos que US$ 30 já está próximo a US$ 80 (link aqui), me parece claro que tal valorização tenha efeitos no preço das ações da Petrobras. Como separar o que foi gestão do que foi aumento do preço do petróleo? Para fazer tal comparação precisaríamos de ter os preços das ações de outras petroleiras na Bolsa de São Paulo, não é o caso. Dessa forma fui buscar o preço das ações da Petrobras na Bolsa de Nova Iorque (PBR) e comparei com o de outras petroleiras, especificamente: BP (BP), Royal Dutch Shell (RDS-A), Exxon Mobil (XOM), PetroChina (PTR) e Chevron (CVX). A figura abaixo mostra as ações dessas empresas.




Até 2010 a Petrobras andava bem perto da Shell e da BP, a partir daí a Petrobras e a BP, essa última por conta do grande vazamento que ocorreu no Golfo do México em 2010, ficaram para trás. Em 2011 a Petrobras descola da BP e começa uma trajetória de queda que dificilmente pode ser explicada por fatores que atingiram o mercado de petróleo como um todo, alguém mais cínico do que eu diria que a combinação de gestão ruim e corrupção que atingiu a Petrobras fez mais estrago que o desastre da Deepwater Horizon (link aqui). Para ver melhor esses fenômenos a figura abaixo repete a figura anterior considerando apenas a Petrobras, a BP e a Shell.




Se é fácil perceber visualmente o descolamento da Petrobras das demais petroleiras o mesmo não pode ser dito da recuperação. Como ser visto os preços das ações de várias empresas subiram desde 2015, isso sugere que parte do aumento do preço da Petrobras foi por conta de fatores que afetam o setor como um todo, o principal candidato é o preço do petróleo. Para ir além disso é preciso fazer contas, a diferença entre os preços torna quase impossível determinar visualmente qual preço teve uma variação maior que os outros.

Pedro Parente foi indicado para presidente da Petrobras em 19 de maio de 2016, no dia 20 de maio daquele ano a ação da Petrobras na Bolsa de Nova Iorque custava US$ 6,45. Naquele mesmo dia a ação da BP custava US$ 28,05, da Shell custava US$ 43,18, da Exxon Mobil custava US$ 83,26, da PetroChina custava R$ 64,81 e da Chevron custava US$ 93,11. No dia 11 de maio de 2018, última dia de dados disponíveis, os preços eram US$ 16,90 para Petrobras, US$ 45,83 para BP, US$ 71,99 para Shell, US$ 81,28 para Exxon Mobil, US$ 76,95 para PetroChina e US$ 129,84 para Chevron. Se calcularmos a variação de cada preços vamos ver que a Petrobras valorizou 151%, a BP valorizou 63,4%, a Shell valorizou 66,7%, a Exxon Mobil desvalorizou 2,4%, a PetroChina valorizou 18,7% e a Chevron valorizou 39,5%.

A valorização da Petrobras ter sido muito superior a valorização de outras empresas sugere que fatores específicos à Petrobras tiveram um papel relevante no desempenho da empresa. É difícil não imaginar que tais fatores estão relacionados a mudança de governo no Brasil e a mudança na gestão da Petrobras. Por outro lado, mesmo com toda a valorização, as ações da Petrobras ainda estão longe do nível da BP e da Shell, empresas que estavam bem próximas da Petrobras até 2010. Isso sugere que a recuperação da Petrobras ainda tem um longo caminho pela frente. Se pensarmos a Shell como uma Petrobras que não sofreu desastres o impacto da má gestão na Petrobras combinada com intervenções do governo e corrupção custou US$ 55,8 (a diferença entre o preço da ação da Shell e da Petrobras) por ação negociada na Bolsa de Nova Iorque. Se formos além e considerarmos a Shell como empresa que não sofreu desastre, a BP como a empresa que sofreu desastre ambiental e a Petrobras como a empresa que sofreu o desastre combinado de má-gestão, intervenções do governo e corrupção vamos ver que o custo do desastre ambiental foi menor que o custo do desastre sofrido pela Petrobras, mais precisamente: o desastre da Petrobras custou US$ 29.6 por ação a mais que o desastre da BP.

domingo, 6 de maio de 2018

O que está acontecendo na Argentina?


Esta semana a Argentina chamou atenção por conta das variações bruscas na taxa de câmbio, de fato, no dia dois de maio era possível comprar um dólar com cerca de 20,5 pesos argentinos, no dia seguinte a taxa de câmbio bateu em um pico de 22,5, ou seja, de um dia para outro o peso argentino perdeu quase 10% de seu valor em dólares. O Banco Central da Argentina elevou a taxa de juros básica para 40% ao ano e o dólar fechou a semana abaixo de 22 pesos. O que está acontecendo na Argentina?

Para contar a história é preciso voltar um pouco no tempo. Mauricio Macri tomou posse como presidente da Argentina em novembro de 2015 prometendo uma guinada em relação as políticas populistas de inclinação bolivariana implementadas por Cristina Kirchner. O “kirchnerismo” governou a Argentina entre 2003 e 2015, o sucesso dos primeiros anos se transformaram em desastre em um padrão não muito diferente de outros países da América Latina. Em 2014 o PIB da Argentina encolheu 2,5% e a inflação estava acima de 20% ao ano, para fins de comparação no Brasil o PIB cresceu 0,5% em 2014 e a inflação daquele ano foi de 6,4%. O fracasso do populismo de Cristina Kirchner possibilitou a vitória do discurso liberal apresentado por Macri na terra de Perón.

Em 2015 o PIB da Argentina cresceu 2,7%, crescimento é sempre bom para quem está no governo, mas o resultado de 2015 não pode ser creditado a Macri que tomou posse em dezembro daquele ano. O primeiro ano de Macri foi 2016, ano em que foram feitos ajustes em preços que estavam defasados em decorrência de subsídios e outras políticas de Kirchner (link aqui), qualquer semelhança com a política de preços da Petrobras no governo Dilma não é mera coincidência. Como não podia deixar de ser, naquele ano o PIB argentino voltou a encolher, queda de 1,8%, e a inflação disparou para cerca de 40% (link aqui). Em 2017 a Argentina voltou a crescer, 2,8%, e a inflação caiu para 24,8%, um valor bem menor que o do ano anterior, mas absurdamente alto mesmo se comparado a ridícula meta de 17% anunciada pelo governo.

Não vou questionar se Macri é ou não é liberal, mantenho meu princípio que liberal é quem se diz liberal, porém questiono as políticas de Macri. Alguém mais ácido do que eu pode dizer que a primeira medida de um liberal que chega à presidência deveria ser renunciar do cargo, é uma tese difícil de desmontar, mas não ficarei com ela. Desta forma, minha sugestão para algum liberal que chegue a presidência é que tente reduzir ao máximo possível os danos causados pelo governo às empresas e famílias. Na prática minha recomendação implica em manter a estabilidade da moeda, ou seja, perseguir inflação baixa, buscar o equilíbrio fiscal para evitar futuros aumentos de impostos e reduzir subsídios, regulamentações e outras barreiras ao comércio. Ao aceitar conviver com taxas de inflação acima de 20% e, absurdo dos absurdos, propor uma meta de inflação de 17% o governo Macri abriu mão de perseguir a estabilidade da moeda transformando a economia da Argentina em um mar de incertezas. Não tinha como dar certo.

A figura abaixo mostra a taxa de juros básica da Argentina entre fevereiro de 2015 e maio de 2018. Quando Macri toma pose a taxa estava em 20,5% ao ano, durante 2015 houve uma redução significativa provavelmente causada pelo interesse de Cristina Kirchner em vencer as eleições. Em dez de dezembro Macri toma posse e corretamente o Banco Central eleva a taxa de juros para 38% no dia dezessete de dezembro de 2015, uma semana após a posse de Macri. Na semana seguinte o Banco Central começa a reduzir a taxa que fecha o ano em 33%. Em 2016 a queda da taxa de juros continua até chegar em um mínimo de 24,75% em novembro de 2016, se o leitor lembrar que a inflação de 2016 foi de 40% é possível começar a perceber o tamanho da irresponsabilidade do Banco Central argentino. Manter taxas reais negativas em um país com inflação rodando 40% deveria ser crime, alguém pode dizer que tal redução dos juros permitiu o crescimento em 2017, pode ser, mas, se foi, esse crescimento não veio sem custos. Como até a irresponsabilidade de um Banco Central tem limites a taxa de juros começou a subir no final de 2017 e começou maio de 2018 na casa de 30%, era tarde, em maio o peso argentino começou a derreter. Como resposta o Banco Central da Argentina elevou os juros para 33% no dia três de maio e para 40% no dia quatro de maio.




Ainda não sabemos se a elevação dos juros vai ser suficiente para evitar que o peso derreta, mas posso afirmar que veio tarde e pelos motivos errados. Os juros deveriam ter subido ainda mais em 2015 e só deveriam ter caído quando a inflação tivesse controlada, a receita usada pelo Banco Central do Brasil sob comando de Ilan Goldfajn é antipática e pode ter alto custo eleitoral, mas funciona. A política fiscal não foi diferente da política monetária, se uma abaixou os juros de forma irresponsável a outra viu crescer o déficit primário que pulou de 3,5% do PIB em 2014 para 4,4% do PIB em 2015, depois foi para 4,7% em 2016 e recuou para 4,5% em 2017. A figura abaixo mostra o resultado primário na Argentina e Brasil.




A combinação de juros reais negativos e déficits primários altos colaborou para que os argentinos não ajustassem seus gastos à capacidade de produção do país, a Argentina de Macri seguiu gastando mais do que podia. Uma maneira de ver esse fenômeno é observar o comportamento do saldo em transações correntes, quando esse saldo é negativo significa que os moradores do país estão pegando dinheiro emprestado no exterior para financiar seus gastos. Se isso é bom ou ruim depende do que está sendo feito com o dinheiro emprestado. A figura abaixo mostra o saldo em transações correntes na Argentina e no Brasil. Na figura fica claro como os argentinos estavam se financiando com o resto do mundo. Não deixa de ser interessante reparar o contraste entre Brasil e Argentina, enquanto por aqui estamos tentando viver dentro de nossas posses por lá os recursos trazidos do exterior para financiar os gastos locais aumentavam como proporção do PIB.




Aqui pode aparecer uma polêmica, economistas desenvolvimentistas costumam ver déficits em transações correntes como um problema e recomendam desvalorizações cambiais como solução (na realidade alguns desenvolvimentistas recomendam desvalorização cambial como solução para qualquer problema, mas isso é outra conversa). Da minha parte não considero que déficits em transação corrente são um problema per si e nem vejo desvalorizações cambiais como o caminho para reverter tais déficits. Assim como um indivíduo que pega dinheiro emprestado não está necessariamente com problemas financeiros um país que se financia com déficits em transações correntes não esta necessariamente com problemas em sua economia. Em um caso e no outro tudo depende do que será feito com o empréstimo e da capacidade de pagamento de quem pegou o dinheiro emprestado. Financiar a compra de um imóvel pode ser uma excelente decisão, da mesma forma pegar um empréstimo para pagar as férias dos sonhos pode ser uma decisão correta se quem pegou o empréstimo tiver uma renda futura que permita o pagamento da dívida.

Nesse espírito é útil dar uma olhada na taxa de investimento da Argentina. De 2014 para 2016 o déficit em transações correntes subiu de 1,6% para 2,7% do PIB enquanto a taxa de investimento caiu de 17,3% para 17%, em 2017 a taxa de investimento subiu para 19,1%, e o déficit em transações correntes foi para 4,9% do PIB. Com a possível exceção de 2017 os números sugeres que os argentinos não estavam pegando empréstimo com o resto do mundo para financiar o aumento da capacidade produtiva do país, desta forma, salvo uma ajuda externa como a que veio com o boom das commodities no começo deste século, os argentinos teriam problemas em pagar as contas com o resto do mundo. Um presidente liberal pode até ter alguma vantagem por contar com a simpatia dos investidores, tenho dúvidas se isso é verdade, mas não faz milagres. Sem um ajuste forte que torne os gastos dos argentinos compatíveis com a capacidade de produção deles o país que já foi o exemplo para América Latina estará condenado a crises como a da semana passada.

A tentativa de tirar lições da Argentina para o Brasil é grande, já fiz isso em outro post (link aqui) e segurei o quanto pude para não fazer isso aqui. A tentação foi maior que minha resistência e termino o post alertando para os perigos do Brasil buscar uma saída rápida para a crise. O presidente Temer tem muitos defeitos, tratei do assunto aqui, mas ter resistido, pelo menos até agora, a abusar de política fiscal, política monetária, subsídios e outras artimanhas para pegar um atalho que tirasse o país da crise é um mérito que não posso negar. Se hoje temos esperança que a crise da Argentina não chegue por aqui é porque estamos, mesmo que com passos de formiga e sem vontade, tentando fazer o ajuste ou pelo menos não estamos crescendo por meio de “mágicas” econômicas.