domingo, 12 de novembro de 2017

A dívida pública continua ameaçando nossa economia... e nossa política.

Já faz algum tempo venho alertando a respeito da dívida pública. Um país em desenvolvimento como Brasil ter uma dívida pública em torno de 80% do PIB deveria ser motivo para deixar todo mundo preocupado com o futuro próximo. Certamente você já viu alguém dizendo que nossa dívida não é um problema porque existem países com dívidas muito mais altas que a nossa. É verdade, existem, mas são países ricos que conseguem se financiar a taxas muito mais baixas que as nossas. Para ilustrar mais uma vez a questão (outros posts sobre o tema aqui e aqui) apresento aos leitores do blog três gráficos com dados que mostrei em recente seminário sobre dívida pública organizado pela Secretaria do Tesouro Nacional.

O primeiro usa dados do FMI para comparar a dívida pública do Brasil com a de outros países emergentes. Para fazer o gráfico considerei os países da Comunidade de Países Independentes, os países Emergentes da Europa, os países Emergentes da Ásia e os países da América Latina e Caribe. Retirei da amostra os países com menos de cinco milhões de habitantes e tomei a média da relação dívida/PIB entre 2015 e 2017. Repare que apenas dois países, Ucrânia (82%) e Sri Lanka (79%), possuem governos mais endividados que o Brasil (78%). Dos quarenta e cinco países da amostra apenas seis possuem dívida pública maior que 60% do PIB, além dos citados estão nesta condição Hungria (74%), Sérvia (74%) e Índia (69%). Em média a dívida pública dos países emergentes é de 43% do PIB e a mediana é de 39% do PIB. Diante desta realidade insistir que não temos um problema de dívida pública por conta de comparações com países ricos é tentar tapar o sol com a peneira.




O próximo gráfico mostra que poucas vezes nossa dívida ficou tão alta e nas vezes que ficou tivemos problema. Para fazer o gráfico usei os dados disponibilizados por Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff na página do livro This Time is Different: Eight Centuries of Financial Folly (link aqui). Os dados mostram a relação dívida PIB no Brasil entre 1861 e 2010. Repare que em apenas três ocasiões a relação dívida/PIB no Brasil, conforme medida pelos autores do livro, fica acima de 90%. A primeira foi na transição do Império para a República, a segunda foi na transição da República Velha para o Estado Novo que coincidiu com a Grande Depressão e a terceira foi na transição do Regime Militar para a Nova República, período caracterizado, entre outras coisas, por uma década perdida e uma hiperinflação. Se a comparação internacional não foi suficiente para deixar o leitor preocupado espero que o retrospecto de nossa história faça isso. Dívida pública alta costuma vir acompanhada de problemas na economia e na política.




O último gráfico não estava na apresentação, na realidade é uma combinação do gráfico acima e do dos dados do FMI para dívida pública brasileira. Tais comparações são delicadas, dados elaborados de forma diferentes contam histórias diferentes e nem sempre são comparáveis, por exemplo a série do FMI considera o governo em geral e a do livro considera apenas o governo central. Ainda assim corri o risco na tentativa de mostrar o tamanho de nosso problema. Para dar clareza aos números optei por sobrepor as figuras e não por continuar uma série a partir da outra, assim o leitor pode ver claramente as diferenças nas duas medidas da dívida pública como proporção do PIB.




O problema é grande e precisa de solução. Ignorar o problema da dívida pública é contratar uma crise para os próximos anos que provavelmente virá acompanhada de inflação fora do controle. A solução via aumento de impostos não me parece adequadas, nossa carga tributária é alta para um país emergente (ver aqui), o caminho passa por redução de gastos. Entendo que redução de gastos causa problemas, eu não estou feliz com a possibilidade de não ter aumento no próximo ou de pagar mais para a previdência, mas a questão é que o ajuste será feito de um modo ou de outro. Por pior que sejam os cortes de gastos não são a pior forma de resolver o problema, isso é particularmente verdade quando se considera os mais pobres.