terça-feira, 30 de maio de 2017

Commodities, saldo da balança comercial e exportações entre janeiro e abril de 2017.

A balança comercial brasileira apresentou um resultado positivo e alto nos primeiros meses de 2017. Como registrou o Estadão, no primeiro trimestre de 2017, o Brasil teve o maior saldo comercial de todos os países do G20 (link aqui). A Agência Brasil e o G1 destacaram o superávit recorde na balança comercial entre janeiro e abril de 2017 (link aqui, aqui e aqui). O tal saldo comercial positivo decorreu em grande parte do aumento das exportações ilustrado na figura abaixo.




Tudo muito bem, tudo muito bom, mas realmente, mas realmente, não há o que festejar. De saída vale lembrar que lugar saldo comercial positivo, a princípio, não é bom nem ruim e deve ser visto em um contexto mais amplo. Dito isso cabe registrar que o aumento das exportações decorreu de aumento de preços de commodities. A figura abaixo mostra o valor das exportações de produtos básicos, manufaturados e semimanufaturados do Brasil entre janeiro e abril entre os anos de 1998 e 2007. Repare o aumento considerável no valor das exportações de produtos básicos.




Se tal aumento fosse todo decorrente de um aumento das vendas de tais produtos poderia ser até o caso de esperar a persistência desse resultado, particularmente se decorresse de uma conquista de mercado pelos produtores nacionais e não apenas de um aumento na demanda mundial por tais produtos. Ocorre que o aumento no valor das exportações decorreu mais de um aumento nos preços das commodities do que de um aumento da quantidade vendida, pior, tal aumento de preços não parece sustentável nem mesmo no médio prazo. Na prática isso significa que deve ocorrer uma redução da entrada de dólares no Brasil. Somada com a incerteza política, particularmente em relação a aprovação das reformas e a viabilidade do ajuste fiscal, essa redução pode levar a uma desvalorização do real com eventuais efeitos na inflação.

A valorização do real ajudou um bocado o Banco Central a trazer a inflação para níveis menos escandalosos, a questão é saber se o Banco Central vai continuar conseguindo manter a inflação abaixo de 5% ao ano em caso de uma desvalorização de nossa moeda, ou, dito de outra forma, a questão é saber se o Banco Central vai focar na inflação mesmo que tenha de interromper ou reverter a queda dos juros ou se o Banco Central vai voltar a estratégia de abrir mão do combate à inflação para evitar um aprofundamento da recessão. Tal estratégia, vale lembrar, foi usada recentemente e, ao acreditar que escolhia entre inflação e recessão, o governo nos deixou com os dois.


sábado, 13 de maio de 2017

Sobre a crise, a grita dos compadres com a presidente do BNDES, os riscos e as esperanças para economia brasileira.

Na origem do déficit público, da baixa qualificação da mão-de-obra, dos desequilíbrios macroeconômicos, da péssima infraestrutura e do excesso de burocracia está o capitalismo de compadres. Por capitalismo de compadres me refiro a um arranjo onde grandes empresários aumentam suas fortunas por conta de favores prestados pelos inquilinos do poder e, em troca, financiam a campanhas políticas para que os inquilinos continuem no poder. Em um capitalismo desse tipo leis eficientes, boa infraestrutura, mão-de-obra qualificada e equilíbrio macroeconômico são úteis, até importantes, mas não são essenciais. No capitalismo brasileiro o que é essencial, o que transforma empreendimentos em grandes empresas, o que faz a diferença para chegar ao topo é o acesso aos bastidores do poder.

O grande problema desse tipo de capitalismo é que ele não incentiva ganhos de produtividade. Entre um engenheiro e um político as empresas preferem investir no político. Por certo em todas as economias capitalistas existe algum grau de compadrio, nem políticos e nem empresários são santos ou abnegados e não costumam desperdiçar as oportunidades de alianças mutuamente benéfica. O grau de compadrio vai depender da frequência com que tais oportunidades aparecem e tal frequência depende do tamanho do estado. Aqui aparece outro conceito delicado, quando falamos do tamanho do estado é útil deixar claro em que dimensão estamos falando. Neste post estou me referindo à dimensão em que o estado faz políticas para ajudar aos muito ricos, para dar exemplos: não estou falando do Bolsa-Família ou de escolas públicas para crianças, estou falando do BNDES.

Aliás a motivação deste post, e de tantos outros, é exatamente o BNDES. Não os escândalos envolvendo o banco que apareceram nas páginas policiais, destes falaremos em outras oportunidades, falo do que apareceu nas páginas econômicas. Durante a semana a Revista Época divulgou que o presidente Temer havia escalado Moreira Franco para encontrar um novo presidente para o BNDES (link aqui). Aparentemente o desejo de fazer tal substituição decorreu das reclamações de empresários sobre queda do volume de empréstimos do banco.

De fato, ocorreu uma queda significativa nos desembolsos do BNDES, para ser justo a queda começou ainda no governo Dilma. Grande parte desta queda foi porque o dinheiro fácil da União acabou, outra parte foi porque, ao contrário de seu antecessor, Maria Sílvia Bastos, atual presidente do BNDES, não faz parte do credo que prega que a melhor maneira de ajudar os pobres é transferir dinheiro para os muito ricos. Por fim, o sucesso da Operação Lava Jato em expor as entranhas do capitalismo de compadres no Brasil também merece crédito por parte de redução dos desembolsos do BNDES.

A figura abaixo mostra dados mensais de desembolsos do BNDES entre janeiro de 2001 e março de 2017, os dados foram acumulados em doze meses para limpar efeitos sazonais e outras irregularidades, a fonte é o BNDES (link aqui). Os dados foram trazidos para valores de março de 2017 com o IGP-DI. Note que por volta de 2006 os desembolsos começam uma tendência de alta que toma força na sequência da crise de 2008. Em 2011 parecia que ia começar o ajuste, mas o governo recuou e retomou o ritmo de desembolsos acima dos R$ 200 bilhões a cada doze meses. Este aumento gigantesco dos desembolsos do BNDES foi um dos elementos que permitiram ao governo brasileiro de chamar a crise de 2008 de “marolinha”, porém também foi um dos fatores que nos colocou na maior crise registrada de nossa história.




O governo “bateu o motor” da economia. No processo o capitalismo de compadres que sempre foi forte no Brasil ganhou ainda mais força. Impérios empresariais foram construídos ou consolidados com esse aumento dos desembolsos do BNDES e com outras políticas do governo. Nas canções ingênuas de alguns desenvolvimentistas tais impérios dariam retorno em forma de crescimento da economia e da arrecadação do governo criando um círculo virtuoso que nos levaria ao desenvolvimento. No mundo de verdade, onde nem políticos nem empresários são anjos, ganhou força uma aliança entre empresários e políticos visando a manutenção da festa do dinheiro barato, dos mercados garantidos por leis e das sociedades com empresas estatais. O mundo é bem pior que as canções, já dizia Belchior, o retorno sonhado nunca veio, o dinheiro barato acabou e as empresas que viviam dele ficaram inviáveis. O resultado foi a crise que estamos vivendo. Se engana quem pensa que a Lava Jato causou a crise, tudo que a Lava Jato fez foi mostrar as engrenagens que nos levaram à crise.

A figura abaixo mostra os desembolsos do BNDES por setor. Lembram quando diziam que o setor de serviços era quem salvava o emprego? Parte da razão para isso foi que na retomada dos desembolsos do BNDES por volta de 2012 foi esse o setor que passou a receber mais recursos do banco. Quando o dinheiro acabou, ainda com Dilma, o ajuste teve de ser feito na marra, foi assim que saímos de um quase pleno emprego para os mais de treze milhões de desempregados. O pleno emprego era apenas uma canção, a vida, muito pior, teve de pagar os custos do cenário armado para mostrar a canção.


Exatamente aí entra a suposta pressão pela saída de Maria Sílvia Bastos da presidência do BNDES. Empresários e trabalhadores organizados querem a volta do mundo de fantasia. Se o governo negar o desejo desta turma, persistir na agenda de reformas e na busca do ajuste fiscal a médio e longo prazo as empresas vão encontrar outros caminhos para crescer. Caminhos mais tortuosos, porém mais consistentes. Não é um cenário de recuperação de curto prazo, os frutos da política de Temer serão colhidos por outros presidentes. Se o destino for realmente cruel podem ser colhidos pela mesma turma que colheu os frutos das reformas da década de 1990 só para depois renegar as reformar e nos colocar onde estamos.

Por outro lado, se Temer ceder aos que pedem a volta do “dinheiro barato” bancado pelo pagador de impostos a economia pode se recuperar de forma mais rápida. Temer saíra do governo como o presidente que nos tirou da crise, talvez até eleja o sucessor que, a depender de aspectos conjunturais, pode ser ele mesmo. O custo disso será o prolongamento da agonia de nossa economia e uma crise ainda mais longa e/ou mais profunda nos próximos anos. 

Para minha surpresa, até agora Temer parece estar apostando no caminho longo e tortuoso, nunca esperei isso do homem que foi fundamental para reconduzir Dilma ao Planalto em 2014. Muita água ainda vai rolar, muitas tentações e pressões virão, por enquanto me contento com observar cada dia de uma vez. A notícia da Época dando conta da possível saída da presidente do BNDES foi publicada no dia sete de maio, no outro dia a Exame publicou que o governo tinha negado a notícia (link aqui). Governo negar saída de autoridades é como presidente de clube de futebol negar a saída do técnico, coisas que não se escrevem, mas enquanto escrevo sei que ela ainda está por lá. Um dia de cada vez.



domingo, 7 de maio de 2017

Reduzir distorções ou intervir nos preços? Custo de exportações e exportações da indústria.

Uma das diferenças mais significativas entre economistas como o que escreve esse blog e boa parte dos economistas desenvolvimentistas é que eu respeito preços, não acredito em políticas que tentam intervir diretamente nos preços forçando-os para cima ou para baixo. A questão é que preços são determinados a partir de uma infinidade de informações das quais apenas uma pequena parcela é conhecida por alguns agentes econômicos, ninguém conhece todas as informações necessárias para formar um preço. Hayek foi o economista que melhor expressou esse problema em um texto clássico chamado “The Use of Knowledge in Society” (link aqui) publicado na American Economic Review. A passagem abaixo deixa claro o ponto de Hayek:

“The peculiar character of the problem of a rational economic order is determined precisely by the fact that the knowledge of the circumstances of which we must make use never exists in concentrated or integrated form but solely as the dispersed bits of incomplete and frequently contradictory knowledge which all the separate individuals possess. The economic problem of society is thus not merely a problem of how to allocate "given" resources—if "given" is taken to mean given to a single mind which deliberately solves the problem set by these "data." It is rather a problem of how to secure the best use of resources known to any of the members of society, for ends whose relative importance only these individuals know. Or, to put it briefly, it is a problem of the utilization of knowledge which is not given to anyone in its totality.”

Desta maneira fixar o preço certo de um bem ou serviço é impossível, pior, tentar fazer isso é perigoso. Como ninguém conhece todas as informações que determinam um preço ninguém pode prever todos os efeitos de forçar a alteração do preço. Se isso é verdade para preços em geral é mais verdade ainda para preços como a taxa de câmbio. Muito se fala que desvalorizar o câmbio ajuda a indústria, pode até ser verdade em alguns casos e para algumas indústrias, infelizmente não sabemos quais casos e quais indústrias. A mesma desvalorização que, em tese, torna um produto local mais competitivo no exterior pode elevar o custo de um insumo que inviabilize uma outra indústria local. Qual o efeito líquido? Medir tal efeito para o passado é tarefa árdua, talvez inexequível, prever tal efeito para o futuro é tarefa impossível.

Então o governo nunca pode tentar alterar um preço? Não há nada que o governo possa fazer para estimular a indústria ou a agricultura? Nada que possa ser feito para estimular as exportações? Felizmente o mundo não é tão cruel para nós economistas. O governo pode fazer políticas que terão efeitos sobre o preço, mas efeitos indiretos. Políticas que são boas não apenas por conta de tal efeito, mas que podem ficar ainda melhores por conta de possíveis efeitos nos preços. Caso o efeito nos preços não seja o desejado sobram os outros efeitos positivos da política.

Ainda no exemplo da indústria e das exportações considere o problema do custo de exportar. Parte deste custo é devido a ações diretas do próprio governo via tributação inadequada, burocracia exagerada ou barreira legais a competição no setor. O governo pode tentar manter tudo isso e reduzir o preço de exportar um container na marra, mais ou menos como o governo Dilma tentou fazer com a energia e gerou um caos no setor, ou o governo pode buscar formas mais eficientes de tributação, reduzir burocracia e retirar barreiras a competição no setor. No primeiro caso a mudança forçada no preço levará a uma série de desequilíbrios que podem gerar um efeito contrário a intenção inicial do governo, novamente é válido lembrar da desastrosa intervenção no mercado de energia. No segundo caso também não há garantias que o governo vai conseguir o que quer, mas, mesmo que não consiga, ficaremos com uma tributação melhor, menos burocracia e/ou mais competição.

A figura abaixo mostra a relação entre participação da manufatura nas exportações e o custo de exportar um container. Os dados são do Banco Mundial referentes ao ano de 2014, forma considerados apenas país com mais de cinco milhões de habitantes. A relação é claramente negativa, ou seja, quanto maior o custo de exportar menor a participação da manufatura nas exportações. Como de costume vale alertar que a figura não permite inferir nenhuma forma de causalidade, é apenas uma correlação.




Repare que o Brasil está bem na linha de regressão, ou seja, dado o custo de exportar no Brasil a participação das exportações de manufaturas é mais ou menos igual a esperada pelo modelo. Também é possível notar que o custo de exportação no Brasil está acima da média dos países do mundo. É possível concluir que se o Brasil reduzisse o custo de exportação aumentaria a participação da manufatura nas exportações? Não, mas é possível especular que sim e é aceitável afirmar que nosso custo de exportação é muito alto. A última afirmação ganha força quando consideramos que grande parte dos países com custos de exportação maiores que os nossos são países da África subsaariana, uma região particularmente complicada.

Se consideramos apenas os países da América Latina e Caribe o Brasil tem o terceiro maior custo de exportação, perde apenas para Colômbia e Venezuela. A figura abaixo mostra o custo de exportação na América Latina e Caribe.




Já perdemos muito tempo e pagamos muito caro por tentativas de estimular a indústria e as exportações via câmbio. Não seria o caso de fazer um esforço para diminuir distorções causadas pela ação do governo que possam ter como efeito colateral a redução do custo de exportação do Brasil para a média da América Latina e Caribe? Não posso afirmar que a tal diminuição faria bem a indústria nacional, mas se não fizer no lugar de crises e desequilíbrios macroeconômicos com efeitos devastadores na vida dos mais pobres e de algumas empresas que dependem de insumos importados o efeito colateral será um país mais eficiente e as perdas deverão ficar concentradas em alguns empresários amigos que ganham dinheiro com as dificuldades impostas pelo excesso de burocracia e a falta de competição.