domingo, 26 de março de 2017

Rendabilidade Real Over/Selic

No post anterior mostrei o rendimento real da poupança entre janeiro de 1990 e fevereiro de 2017, o objetivo era definir valores razoáveis para comparar rendimento da poupança com “rendimento” da aposentadoria. Conforme prometido no post anterior nesse post vou mostrar a rentabilidade real das aplicações Over/Selic. Mais uma vez o objetivo é ajudar a definir parâmetros razoáveis para simulações de rentabilidade de aplicações de longo prazo que seguem a taxa Over/Selic.

Assim como no post anterior usei aspas quando me referi a rentabilidade do sistema de aposentadoria porque, estritamente falando, o termo rentabilidade tem que ser muito qualificado quando aplicado a um sistema de aposentadoria por repartição como é o do Brasil e o da maioria dos países. Isto é verdade porque em um sistema de repartição o indivíduo não coloca o dinheiro em uma conta que vai render e bancar a própria aposentadoria, longe disso, em um sistema de repartição o indivíduo contribui para a aposentadoria dos que já estão aposentados e terá a própria aposentadoria financiada pelas contribuições dos que estarão quando trabalhando quando ele estiver aposentado. Sendo assim a “rentabilidade” de um de repartição está mais ligada ao crescimento da força de trabalho do que ao desempenho dos ativos no mercado. Por outro lado, um sistema de repartição está menos sujeito a colapsos por conta de crises financeiras e, ponto que não está sendo devidamente discutido na atual reforma, facilita a transferência de ganhos de produtividade de uma geração para outra.

Existe muita discussão a respeito da conveniência do sistema de repartição, mas, pouca gente discorda que por vários anos estaremos presos a um regime de repartição. Isto é verdade porque se acabarmos com o regime de repartição agora ainda teríamos de pagar as aposentadorias dos que já estão aposentados e ainda teríamos de compensar aqueles que estão trabalhando, mas já contribuíram por muitos anos para a aposentadoria da geração que está aposentada. Estimativas sugerem que o custo desta transição seria maior que o PIB. Uma alternativa é um calote na geração que está recebendo ou já contribuiu, o problema desta alternativa é que ela enfrentaria resistência dos prejudicados, grosso modo, de todos que estão aposentados ou trabalhando e, por isso, é politicamente inviável. Não por acaso o Chile de Pinochet é um dos poucos exemplos de transição para regime de capitalização.

Feitos os esclarecimentos voltemos a rentabilidade do Over/Selic. A figura abaixo mostra esta rentabilidade para todos os meses entre janeiro de 1974 e fevereiro de 2017. Repare que entre janeiro de 1974 e outubro de 1975 a taxa ficou negativa em todos os meses, repare também no período de taxa negativas no início da década de 1980. Assim como no caso da poupança os períodos positivos superam os negativos, de forma que a média de todo o período foi de 0,37% ao mês.



Se olharmos por década temos que no período 1974 a 1980 a taxa média mensal foi de -0,87%, um terror para quem tentava construir patrimônio. Na década de 1980 a média mensal foi de 0,23%. A década de 1990, ainda presente na memória de quem superestima a rentabilidade de nossos títulos, realmente teve uma média mensal alta, 1,26%, tal média reflete a necessidade de aperto monetário para manter a inflação controlada após a hiperinflação da década de 1980. Na primeira década do século XXI a taxa começa a baixa e a média mensal fica em 0,51%. No período 2011 a 2017 a média mensal foi de 0,35%.




Assim como no caso da poupança é preciso levar em conta que um fundo de pensão dificilmente colocaria todos seus recursos em títulos que pagam taxa Over/Selic, porém, ao contrário da poupança, é muito provável que tais fundos coloquem parte significativa de seus recursos em títulos deste tipo. A rentabilidade especifica de cada fundo vai depender de como o fundo aplica os recursos e o valor da pensão recebida vai depender, grosso modo, da rentabilidade e das taxas de administração cobradas pelo fundo.

A queda na taxa de natalidade e o aumento do tempo de vida tornaram a aposentadoria por regime de repartição quase que inviável. O futuro da aposentadoria por capitalização depende dos rumos das taxas de juros, se o mundo de juros reais próximos de zero ou negativos veio mesmo para ficar então a capitalização por títulos pode também se tornar inviável. A saída seria que fundos de pensão buscassem aplicações mais arriscadas, tal saída poderia ser extremamente custosa em tempos de crise.  A verdade é que não existe alternativa fácil para aposentadoria. Em artigo que escrevi com a Profa. Mirta Bugarin no começo da década passada (link aqui) sugeri um sistema misto com cerca de 30% da renda reposta por um sistema de repartição e o resto ficaria por conta de contas individuais. Não brigo pelos 30% e nem sei se ainda brigo pelo sistema misto, mas a reforma proposta pelo governo brasileiro e as reformas feitas pelo mundo claramente apontam na direção de um sistema misto. Isso é verdade porque a redução da taxa de reposição combinada com o aumento da idade deverá induzir as pessoas a fazer contas próprias. Não é o ideal, é claro, mas o que parece possível.


Rendimento Real da Poupança

Tenho visto vários exercícios tentando estimar quanto seria o rendimento do dinheiro pago à guisa de contribuição previdenciária se o mesmo valor fosse aplicado na poupança. Em um dos casos a simulação colocava um rendimento de 0,65% ao mês na poupança, sugerindo que o sujeito chutou o número ou fez alguma confusão com rendimento real e rendimento nominal. Sendo assim, em serviço de utilidade pública, resolvi calcular e compartilhar com os leitores o rendimento real da caderneta de poupança.

Para isto fui no Ipeadata e peguei os dados de rendimento nominal da poupança e de inflação conforme medida pelo IGP-DI, a escolha foi por conta do próximo post que repete o exercício deste post com dados do rendimento Over/Selic. A série de rendimento da poupança que está disponível no Ipeadata começa em 1990 e vai até 2017, usei a série completa. A figura abaixo mostra a taxa de juro real da poupança. Repare que em vários anos a taxa fica negativa, em particular repare a queda de 15,36% em julho de 1994, quando do lançamento do Plano Real, e de 11,20% em fevereiro de 1990.  Isso quer dizer que se alguém tivesse fazendo uma poupança para se aposentar teria tido perdas reais significativas nestes períodos.




Naturalmente os valores positivos mais que compensam os negativos. De fato, a média da taxa de juro real em todo o período foi de 0,06%, dez vezes menor que a da simulação que vi circulando no FB! Se dividirmos por décadas a maior média ocorreu na década de 1990 e foi de 0,28% ao mês, menos da metade dos tais 0,65%. Na primeira década do século XXI a taxa de juro real média foi negativa, ou seja, em termos reais o dinheiro de quem aplicou na poupança diminuiu, o valor foi de -0.01%. Na década atual, como dados até fevereiro de 2017, a taxa foi de 0,056%, perto da média histórica e bem longe dos tais 0,65%. A figura abaixo mostra a taxa real da poupança em cada uma das décadas e no período completo.




Muito provavelmente alguém que fosse poupar para aposentadoria não colocaria o dinheiro todo na poupança, fundos de pensão não fazem isto. O objetivo do post não é comparar o rendimento que alguém pode conseguir no mercado com o “rendimento” da aposentadoria oficial, até porque tal comparação não é trivial. O objetivo do post é ajudar a quem está fazendo simulações usando rendimento real da poupança com valores altos demais a refazer suas contas. Alguns casos, particularmente de um certo meme que apareceu com alguma insistência na minha linha do tempo do FB, o objetivo do post talvez seja desmascarar mais uma falácia contra a reforma da previdência.
No próximo post, se der tempo sai ainda hoje, farei o mesmo exercício com a taxa de juros real do Over/Selic.

terça-feira, 7 de março de 2017

Números das Contas Nacionais: o Pessimildo estava certo.

Os números das contas nacionais divulgados pelo IBGE (link aqui e aqui) não deixam dúvidas: vivemos na maior crise registrada em nossa história. Não é nenhuma surpresa, aqui no blog este é um tema recorrente (por exemplo: aqui, aqui e aqui), mas a notícia merece ser registrada. Comecemos pelo tamanho e amplitude da queda. A figura abaixo mostra a variação do PIB em 2016 (em azul), a variação da produção de cada setor em 2016 (em verde) e a variação dos principais elementos da despesa (em vermelho). Todos foram negativos!




Pelo lado da oferta a queda de 3,6% do PIB é decomposta em queda de 6,6% na agropecuária, 3,8% na indústria e 2,7% nos serviços. Como podemos ver a agropecuária, que nos salvou em outros anos, inverteu os papéis em 2016 e mostrou a maior queda entre os três grandes setores. Desde que o desempenho da agropecuária é muito afetado por condições climáticas e pela demanda externa é possível que o setor melhore em 2016. Na indústria, um setor que está mais a associado a dinâmica interna da economia, a queda foi de 3,8%. Na indústria extrativa mineral, dos setores industriais o mais ligado ao que acontece no resto do mundo, a queda foi de 2,9%. Na construção civil e na indústria de transformação a queda foi de 5,2%, ou seja, a depender apenas de fatores internos a queda da indústria poderia ter sido ainda mais severa. O setor de serviços, que responde pela maior parte do PIB, teve queda de 2,7%. Para quem gosta de esperança o lado da oferta traz uma notícia boa, a produção de eletricidade subiu 4,4% em 2016, isso pode dar espaço para um aumento da produção. Lembrem sempre que energia é um limitante para nosso crescimento, não fosse a crise provavelmente já teríamos tido um colapso de energia e água.

Pelo lado da demanda houve queda de 10,2% no investimento (FBCF), o que sugere que uma recuperação de fato ainda está distante, queda de 4,2% no consumo das famílias e queda de 0,6% no consumo do governo. Fica claro que o esforço de ajuste do consumo foi maior nas famílias do que no governo, só isso já é motivo suficiente para rechaçar qualquer proposta de aumento de impostos. Não faz sentido penalizar quem fez um ajuste mais intenso para facilitar a vida de quem fez o menor ajuste. As importações tiveram queda 10,3%, magnitude semelhante a queda no investimento, e a exportações aumentaram 1,9%. De fato, com a crise que estamos vivendo, é de se esperar que as pessoas comprem menos importados e as firmas façam um esforço maior para conseguir mercados externos.

Olhando a dinâmica da crise é possível que ainda estamos descendo, porém a uma velocidade menor. A figura abaixo mostra a taxa de crescimento do PIB acumulada em quatro trimestres em relação ao mesmo período do ano anterior. Repare que no primeiro e segundo trimestres de 2016 a queda foi de mais de 4,5% (-4,7% e -4,8%, respectivamente), no terceiro trimestre a queda foi de 4,4% e no quarto trimestre a queda foi de 3,6%. Um otimista diria que estamos melhorando, eu prefiro dizer que estamos piorando menos.




A verdade é que estamos voltando para o começo da década em termos de PIB. Se considerarmos as séries encadeadas com valores de 1995, uma medida de quantidade que tenta eliminar variações de preços relativos, o valor observado no quarto trimestre de 2016 (161,5) é menor que o observado no terceiro trimestre de 2010 (163,6). A figura abaixo mostra o valor do índice no quarto trimestre de cada ano, o retrocesso é inegável.




É sempre importante considerar a taxa de investimento e a taxa de poupança. A taxa de investimento aponta os rumos da recuperação, para que a produção aumente de forma consistente a médio prazo é preciso investir. A taxa de poupança mostra nossa capacidade de financiar o investimento. A figura abaixo mostra que ambas estão caindo, mas a taxa de poupança está caindo mais devagar que a taxa de investimento, ou seja, a diferença entre as duas está caindo. De fato, a diferença está nos níveis de 2013, antes da crise tomar força e ficar explícita. Isso significa que precisamos menos dinheiro do exterior para financiar o investimento, mas não é para comemorar, se a taxa de investimento voltar a crescer, condição necessária para uma recuperação saudável da economia, vamos de ter nos financiar no resto do mundo ou poupar mais.



O quadro final é desolador. todos os grandes setores encolheram em 2016. Construção e indústria de transformação encolheram mais de 5%, a agropecuária caiu mais de 6,5%! No geral estamos voltando no tempo em termos de renda. A queda no investimento sugere que a recuperação que precisamos ainda não está no horizonte, a queda no consumo das famílias mostra o sacrifício que já fizemos, nesse ambiente chega a ser cruel sugerir aumento de impostos para facilitar a vida do governo. A taxa de poupança, baixa e caindo, mostra que não temos fôlego para aventurar que tentam retomar o crescimento sem considerar a necessidade de atrair capitais externos. A análise das contas nacionais de 2016 mostra que se alguma crítica pode ser feita ao Pessimildo é que ele foi otimista.