terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Usar o BNDES para estimular a economia é um erro grave!

Hoje a revista Época deu uma notícia que me deixou preocupado. Segundo a revista “Temer quer uma ‘forcinha’ do BNDES para ajudar a destravar a economia” (link aqui). É um erro, não um erro simples, mas um erro que pode custar caro e colocar a economia em mais uma década perdida em um futuro próximo. Pior, é um erro que foi cometido há pouco tempo e que, em última instância, selou o destino de Dilma e colocou Temer no Planalto. Ao comprometer o lado fiscal para estimular uma economia que não respondeu aos estímulos o governo Dilma acabou sendo empurrado para as pedaladas como forma de financiar o gasto público sem escancarar o problema fiscal. Tivesse a economia crescido como previsto pelos entusiastas do BNDES ou não tivesse o governo gasto bilhões com o BNDES as pedaladas não teriam alcançado o volume que alcançaram e Temer ainda seria vice-presidente.

É fato que usar o BNDES é tentador para o governo. A crise é grande e mesmo que o fim da queda esteja próximo ainda vai demorar um bocado para voltarmos aos níveis de renda de 2013. O desemprego alto é um problema para qualquer político, principalmente um ano antes das eleições. Neste cenário de caos empresários aparecem dizendo que se receberem dinheiro barato vão aumentar a produção e tirar a economia da crise. O problema é que isso não vai acontecer. O dinheiro barato vai deixar os empresários mais ricos, mas não vai criar empregos e, se criar, será por pouco tempo, exatamente como aconteceu no passado.

A figura abaixo mostra os desembolsos do BNDES para indústria de transformação entre 2001 e 2015. Os dados de desembolso estão na página do BNDES (link aqui), os dados de variação real da produção da indústria de transformação são do IPEA e do IBGE. O intervalo foi determinado pela disponibilidade de dados, a série de variação do PIB da indústria de transformação pela metodologia nova das contas nacionais só está disponível para este período. Escolhi a indústria de transformação porque é onde os empréstimos do banco tem mais potencial de estimular a produção, agropecuária e indústria extrativa são muito influenciadas por fatores externos que estão fora de controle do BNDES.




Como pode ser visto não existe relação positiva entre os desembolsos do BNDES para indústria de transformação e o a variação na produção desta indústria. De fato, se retiramos o ano de 2010, como é feito na figura abaixo, a relação fica negativa. Não esqueçamos que 2010 foi um atípico em vários sentidos.




Isto quer dizer que o dinheiro do BNDES reduz a produção industrial? Não! Esta não é uma conclusão que possamos tirar destas figuras, para fazer tal afirmação seria preciso trabalhar os dados para além do objetivo deste post. É sempre possível que relação negativa venha do governo aumentar o desembolso em épocas de crise. Porém, as figuras mostram que não há razões para acreditar que desembolsos do BNDES vão dar uma “forcinha” para tirar a economia da crise. Sendo assim, não vejo motivos para comprometer o lado fiscal com mais desembolsos do BNDES. Se o governo quer dar as indústrias uma força para sair da crise deveria começar a trabalhar seriamente para reduzir os custos de nossa burocracia, melhorar o ambiente de negócios e, se possível, emplacar a reforma trabalhista. O resto é conversa para agradar doador de campanha.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Metas de Inflação pelo Mundo

Resolvi ir um pouco além na provocação que fiz no FB e checar as metas de inflação pelo mundo. Encontrei uma página que lista tais metas em vários países (link aqui), em alguns aparece centro da meta e intervalo, em outro aparece apenas o intervalo, fiquei apenas com os países onde o centro da meta aparece explicitamente. O motivo é pedestre: colocar o símbolo “%” como separador na função separate() do R facilitou minha vida. Se alguém fizer a média dos intervalos para calcular o centro da meta dos outros países será muito bem-vindo.

Fiquei com 48 países. O valor médio das metas de inflação foi de 4,26, menor que nossa meta de 4,5%, a mediana foi de 3%, ou seja, metade dos países possuem metas de inflação igual ou menor que 3%. De fato, o valor da média é bastante afetado pela meta do Malauí, 14,2%, e da Ucrânia, 12%. Tirando estes dois países a média das metas é de 3,88%. Dos 48 países apenas 16 possuem meta de inflação maiores que 4,5%. A figura abaixo mostra a meta de inflação em cada país da amostra.




O próximo passo, como de costume, foi olhar apenas para a América Latina. Dos 48 países encontrei nove em “nuestra” América. A Argentina está na lista original, mas como tem apenas o intervalo (12% a 17%) não ficou na amostra de 48 e, portanto, não está entre os nove da América Latina. A figura abaixo mostra a meta de inflação nos países latino americanos, nenhum tem meta maior que 4,5% e apenas o Paraguai e o Brasil possuem meta igual a 4,5%. A média das metas na América Latina é de 3,44%. O valor mais comum é de 3%, usado no Chile, no México, na Colômbia e na Costa Rica. O mais baixo é 2% no Peru.




Enfim, em uma análise rápido creio que é correto dizer que a meta de inflação no Brasil poderia ser mais baixa. Se não podemos ser como o Peru, que pelo menos sejamos iguais à Colômbia.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A difícil tarefa de ser um empreendedor no Brasil

Um tema recorrente aqui no blog é a questão da baixa produtividade no Brasil, quase todas as vezes que falo de nossa produtividade registro que nosso péssimo ambiente de negócios é uma das principais razões, talvez a principal, para que sejamos tão pouco produtivos. Isto ocorre porque sem um ambiente institucional favorável aos negócios fica muito difícil transformar ideias em empresas, ou seja, o empreendedor com uma ideia boa fica obrigado a enfrentar uma burocracia cara, confusa e demorada ou convencer alguma empresa já estabelecida a comprar e usar a nova tecnologia.

Muitas vezes empresas estabelecidas não estão interessadas em comprar ou usar novas tecnologias, em alguns casos podem até comprar, mas apenas para impedir que alguém use uma tecnologia que pode reduzir lucros das empresas. A história dos grandes empreendedores está cheia de exemplos onde para que uma ideia virasse um negócio foi necessário enfrentar grandes empresas que teriam seus negócios em risco por conta da nova tecnologia. Gosto muito da história das ferrovias contra Gustavus Swift por conta do vagão frigorífico para transportar carnes (mais aqui), mas, para ficar com um exemplo recente, imaginem se o criador do Uber tivesse que convencer as cooperativas de táxi a usar a tecnologia do Uber. A transformação de ideias em negócios é um dos principais motores da inovação e do desenvolvimento econômico, isso valia no tempo de Gustavus Swift e vale ainda mais em nossa época de tecnologia da informação.

Pois bem, graças as nossas leis abundantes e confusas nós podemos estar perdendo muitas dos negócios que originariam grandes empresas, claro que existem outros fatores, como, por exemplo, a baixa qualidade do ensino que diminui a taxa de chegada de novas ideias. Mas aqui neste post vou focar no ambiente de negócios, para isso vou usar os dados do relatório Doing Business do Banco Mundial para obter o tempo necessário para abrir um negócio, construir um armazém, preparar formulários e pagar impostos, resolver falências e impor contratos. Usei apenas as variáveis de tempo porque tempo é uma medida universal e, portanto, fácil de ser comparada. Para o PIB per capita usei os dados do FMI. Tanto para os dados do Doing Business quanto para os do FMI usei a média do período 2010 a 2015.

Comecemos com o tempo para abrir um negócio. No Brasil são necessários em média 84,4 dias para abrir um negócio. Mais do que aqui apenas na Venezuela (143,4 dias), no Camboja (98,6 dias) e no Zimbábue (88,4 dias). Na outra ponta estão Hong Kong, Austrália, Cingapura e Portugal com medos de três dias para abrir um negócio. Na média do mundo são 21,5 dias para abrir um negócio, ou seja, um brasileiro com uma ideia e disposto a transformá-la em um negócio tem que esperar quatro vezes mais tempo que a média do mundo. Isso em um país com fama de ter as taxas de juros mais altas do mundo, ou seja, onde o tempo é caro.




O próximo item é o tempo para construir um armazém. Por aqui são 425,7 dias, mais do que aqui só no Camboja (652 dias), Zimbábue (495,2 dias) e Costa do Marfim (432,8 dias). É difícil pensar as razões que possam justificar porque sequer estamos próximos aos vizinhos de América Latina que compartilham muito de nosso gosto pela burocracia. No México, por exemplo, são 86,4 dias para construir um armazém, na Coreia e em Cingapura menos de um mês. O tempo médio no mundo são 178,5 dias, menos da metade que no Brasil.




Passemos agora para o pior de todos. No Brasil são necessárias 2.600 horas por ano apenas para tratar com a burocracia necessária para pagar os impostos. Em uma grande empresa, com departamento jurídico e de contabilidade, isso pode nãos ser um grande custo. Para uma empresa pequena ou mesmo média esse custo pode ser fatal, se considerarmos jornada de oito horas de trabalho são 325 dias de trabalho por ano só para preencher formulários. Nesse quesito somos campeões mundiais, depois do Brasil vem a Bolívia (1036 horas), a Nigéria (907,9 horas) e o Vietnam (865,4 horas). Repare que na Bolívia o tempo gasto com formulários é menos que a metade do que no Brasil. Na outra ponta estão os Emirados Árabes (12 horas) e a Suíça (63 horas), a média do mundo é 302 horas.




No quesito tempo para resolver falências não estamos tão mal, tampouco estamos bem. Com um tempo médio de quatro anos ficamos com o décimo sexto maior tempo. A média do mundo é de dois anos e meio e no Japão, país com menor tempo para resolver falências, a média é de 0,6 anos. Na América Latina a média é de 3,1 anos, mais uma vez ficamos pior que nossos vizinhos.




O último item, tempo para fazer valer contratos, é o que nos saímos melhor, mesmo assim não ficamos bem. Nossos 731 dias para impor um contrato estão acima de média mundial de 607,2 dias e a média da América Latina de 689,6 dias. No Chile, o bom exemplo costumeiro de nuestra América, são necessários 480 dias para impor um contrato e no México 389 dias. Na América do Sul apenas na Colômbia (1.311,2 dias) leva mais tempo para fazer valer um contrato do que no Brasil.




O resultado geral mostra como pode ser difícil a vida de um empreendedor brasileiro. Em um mundo onde algumas das maiores empresas começaram em garagens ou em repúblicas de estudantes universitários barrar o empreendedorismo pode ser fatal para o crescimento de um país. Em tempo, algumas vezes somos tentados a pensar que é fácil resolver esses problemas ou que ninguém gana com isto, não é por aí, ganham os que controlam a burocracia. Um país complicado assim pode ser uma mina de outro para quem controla as licenças, para quem faz as leis e para empresários que possuem influência política. No lugar de competir com preços e qualidades os concorrentes são expulsos pelos labirintos da burocracia. No fim perdem os empreendedores que poderiam fazer fortunas colocando novas tecnologias no processo de produção e os consumidores que ficam restritos a comprar produtos caros e ruins.




segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Resultado primário de 2016. Onde está o ajuste fiscal?


O resultado primário de 2016 ficou em R$ 154,25 bilhões, um número que corresponde a 2,4% do PIB. Tudo fica ainda mais preocupante quando lembramos que a repatriação de recursos gerou uma receita de cerca de R$ 50 bilhões, sem ela estaríamos com um primário em torno de R$ 200 bilhões. Este é o resultado da União, se acrescentarmos os estados e municípios o quadro fica ainda mais grave. Conter o crescimento real do gasto público talvez não seja o suficiente para resolver o problema fiscal, pode ser que tenhamos de reduzir o gasto público no Brasil.

A figura abaixo mostra a despesa, receita e resultado primário no Brasil desde 1997, os números são do Tesouro e estão corrigidos para reais de dezembro de 2016. O gasto do governo aumentou em todos os anos com exceção de 2003, 2011 e 2016. Em 2003 foi o ajuste fiscal de Lula que, junto com a política monetária restritiva de Meirelles, então presidente do Banco Central, reverteram a trajetória ruim iniciada em 2002 e deram as bases para o crescimento nos anos seguintes. Em 2011 foi o ajuste inacabado de Dilma, tivesse a presidente persistido no ajuste para compensar a farra fiscal de 2010 talvez não estivéssemos tão mal. Finalmente em 2016 temos o ajuste de Temer, como ele só começou a governar a partir de meados de maio e efetivamente só a partir de agosto fica difícil avaliar o esforço fiscal do governo Temer olhando os números do ano.




Com isto em mente a figura abaixo mostra o gasto mês a mês para os anos de 2015 e 2016. Fica aclaro que em dezembro ocorreu uma redução significativa da despesa em relação a dezembro de 2015. De fato, se considerarmos os meses de janeiro a novembro a despesa de 2016 teria sido maior que a despesa de 2015. Aos curiosos ou apressados informo que a despesa acumulada no período entre janeiro e abril de 2016, o período que Dilma governou, foi maior que a despesa acumulada no mesmo período de 2015, mais precisamente o governo Dilma gastou R$ 394,7 bilhões de janeiro a abril de 2015 e R$ 403,4 bilhões de janeiro a abril de 2016.




No final das contas o resultado primário não ficou ainda maior por conta da receita extraordinária com as repatriações, que não deve se repetir nos próximos anos, e da redução significativa da despesa em dezembro, cerca de 15% em relação a dezembro de 2015. Ocorre que esta redução da despesa de dezembro também não é sustentável, a verdade é que não ocorreu exatamente uma redução de gastos em dezembro de 2016 e sim um gasto atípico em dezembro de 2015 em decorrência do ajuste das pedaladas. A figura abaixo mostra a despesa mês a mês para os anos de 2013 a 2016 excluindo 2015, fica claro que a redução de despesa em dezembro de 2016 foi ilusória.



O quadro é desolador. A aprovação da PEC do Teto dos Gastos foi uma aposta corajosa do governo Temer para convencer o mercado que o ajuste fiscal é para valer. Em um primeiro momento a aposta parece ter dado certo, digo isso por conta da redução simultânea de juros e inflação, mas se nada mais for feito a promessa pode cair no vazio com consequências possivelmente desastrosas. Neste sentido 2017 será um ano crítico, acenar com reformas é bom, mas é preciso medidas efetivas de corte da despesa real para ontem. A estratégia de dar reajustes para servidores públicos, criar ministérios para abrigar aliados delatados na Lava Jato e ficar anunciando benesses para empresas e famílias pode até ajudar no lado político, mas podem ser fatais para a recuperação da economia.