domingo, 31 de julho de 2016

Algumas características dos países que cresceram muito e dos que cresceram pouco entre 1990 e 2014

Estava analisando a nova versão da Penn World Table (link aqui) e resolvi fazer uma comparação rápida entre os países que mais cresceram e os países que menos cresceram entre 1990 e 2014. Para comparação considerei apenas os países que tinham mais de cinco milhões de habitantes em 1990. Dentre as diversas variáveis disponíveis escolhi as que não apresentam, ou não deveriam apresentar, tendência para não ter problemas em usar médias em um período de mais de vinte anos. Infelizmente a PWT não tem anos médios de estudo, uma variável que eu gostaria de ter usado, a medida de capital humano da PWT considera anos de estudo e rendimento do capital humano, o que é padrão na literatura, mas como o efeito combinado destas duas variáveis exigiria cuidados que não caberiam nesse post optei por deixar de fora o capital humano. Também deixei de fora a taxa de crescimento da produtividade total dos fatores, para incluir esta variável eu teria de abrir mão de muitos países.

No final fiquei com cinquenta e oito países e considerei as seguintes variáveis: horas médias trabalhadas, taxa de investimento, tamanho do governo definido como a  proporção do consumo do governo no PIB e grau de abertura. Repare que não considerei o PIB per capita em 1990, alguns modelos sugerem que o PIB per capita do ano inicial é a variável mais importante para explicar a taxa de crescimento nos anos seguintes, outros dizem que o PIB per capita inicial não é tão importante, nenhum recomendaria deixar de fora o PIB per capita inicial para modelar taxa de crescimento. Como o objetivo do post é matar uma curiosidade minha e nem de longe é propor um modelo para explicar taxa de crescimento resolvi deixar de fora o PIB per capita inicial, assim espero que ninguém comente o post come se houvesse algum objetivo de propor um modelo capaz de explicar crescimento.

Para definir os grupos separei os países em quatro grupos do país de menor crescimento para o país de maior crescimento. Considerei como crescimento baixo os países do primeiro grupo e como crescimento alto os países do último (quarto) grupo. A tabela abaixo mostra a média de cada variável por grupo de países.


Grupos
Variável
Baixo
Alto
Horas médias trabalhadas por ano
1.885
2.024
Taxa de Investimento
16,77%
18,99%
Gasto do Governo/PIB
21,41%
18,21%
Grau de Abertura
17,75%
19,93%

Considerando a tabela acima podemos concluir que nos países que mais cresceram entre 1990 e 2014 as pessoas trabalharam mais, as empresas investiram mais, o governo consumiu menos em relação ao PIB e a economia foi mais aberta do que nos países que cresceram menos. Isso quer dizer que se um país trabalhar mais, investir mais, reduzir o tamanho do governo e se expor mais ao comércio esse país vai crescer mais? Não, ou seja, sim, mas não por conta da tabela acima. Existe uma literatura significativa a respeito de crescimento econômico que justifica que a resposta seja sim, como costuma ser o caso a resposta não é unânime, mas creio ser justo dizer que a maior parte da literatura suporta o que estou dizendo.

Para o leitor mais exigente apresento abaixo uma comparação da distribuição de cada uma das variáveis entre os países de alto crescimento e baixo crescimento. O retângulo mostra os valores medianos para grupo, abaixo do retângulo estão os 25% menores valores observados e acima do retângulo estão os 25% maiores valores observado, a linha em negrito dentro do retângulo representa mediana de cada grupo. Os pontinhos acima e abaixo das retas são valores extremos e a bola azul é a média de cada distribuição. O nome desse tipo de representação é boxplot, já usei outras vezes aqui no blog por ser uma maneira simples de representar características importantes de uma distribuição.

Comecemos com a distribuição de horas trabalhadas. Nos países que cresceram muito as pessoas trabalham em média 2014 horas por ano, nos países que cresceram pouco foram em média 1885 horas trabalhadas por ano. A figura abaixo mostra que também a mediana também foi maior nos países de alto crescimento. Note também que o caso extremamente alto que ocorreu nos países de baixo crescimento seria normal nos países de alto crescimento. Por fim repare que existem mais casos extremamente altos no grupo de países de alto crescimento do que no grupo de países de baixo crescimento.




A próxima variável é a taxa de investimento. Repare que os países que cresceram mais também investiram mais, nenhuma surpresa, repare também que vários países do grupo de crescimento alto tiveram valores extremos para taxa de investimento. Por conta disso o leitor talvez queira ver as densidades, a figura seguinte atende a curiosidade do leitor. Repare que os países de baixo crescimento (em laranja) são mais frequentes nas baixas taxas de investimento, à medida que a taxa de investimento aumenta as barras laranjas vão ficando maiores, depois ocorre uma pequena reversão, e nas taxas mais altas de investimento as barras laranjas praticamente desaparecem.







Na sequência vem o consumo do governo como proporção do PIB. Repare que dessa vez é o grupo de crescimento baixo que está cheio de valores extremos altos, ou seja, vários países onde o governo gasta demais em comparação com o da amostra. A figura seguinte é equivalente à do caso anterior, porém agora repare que são as barras verdes que desaparecem nos valores mais altos deixando apenas as barras laranjas, apenas países do grupo de baixo crescimento tiveram governos consumindo mais de 50% do PIB.







A última variável é o grau de abertura. Talvez essa tenha sido a variável mais confusa, ambas as distribuições apresentaram muitos valores extremos, alguns países do grupo de crescimento baixo apresentaram valores para o grau de abertura maiores que os dos países de crescimento alto. Porém ainda vale que tanto a média quanto a mediana do grupo de países de alto crescimento são maiores que as do grupo de países de baixo crescimento.


O post não permite dizer que o segredo do crescimento seja trabalhar muito, investir muito, ter um governo menor e abrir mais a economia, porém definitivamente o post mostra que os países que cresceram mais, em média, trabalharam mais, investiram mais, tinham governo menores e economias mais abertas. Cada um que tire suas conclusões.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Nota a respeito da Bolívia e Evo Morales

Não raro alguém me pergunta a respeito da Bolívia sugerindo que lá as políticas inspiradas no bolivarianismo deram certo. De fato, ao contrário do desastre venezuelano, a Bolívia vem crescendo a taxas razoáveis e apresentando inflação sobre controle. Para que o leitor tenha ideia, de acordo com os dados do FMI, entre 2011 e 2015 o PIB da Bolívia teve um crescimento médio de 5,3% ao ano, enquanto, no mesmo período, o PIB do Paraguai cresceu 6,3% ao ano, na Colômbia a média 4,5%, no Peru de 5,4% e no Brasil 2,1%. Se não foi um milagre econômico e nem mesmo a maior taxa média de crescimento do período definitivamente também não foi um desastre.

Para explicar de forma adequada o que está acontecendo na Bolívia é preciso avaliar com o devido cuidado vários fatores. O primeiro é que a Bolívia é um país muito pobre, em 2015 o PIB per capita em unidades de poder de compra da Bolívia foi de $6.425, no Brasil foi de $15.614, na Colômbia foi de 13.846, no Peru $12.194, dos países listado acima apenas o Paraguai, com PIB per capita de $8.116 em 2015, está próximo da Bolívia. É possível que o populismo autoritário de Morales não tenha sido destrutivo simplesmente por falta do que destruir, ou que esse tipo de populismo seja compatível com uma renda média de, digamos, $10.000, porém não mais do que isso. Nesse caso a Venezuela com seus $16.672 de PIB per capita talvez ainda tenha uma longa ladeira para descer. Que fique claro que estou especulado, tirei o $10.000 da cartola, porém a possibilidade que regimes como o de Morales sejam viáveis apenas em níveis baixos de renda per capita é plausível.

Outra possibilidade é que o desastre da Bolívia ainda não chegou ou que pode até ser evitado. Para avaliar essa possibilidade seriam necessários mais conhecimentos a respeito da Bolívia do que os que possuo. Em particular seria necessário saber o quão longe Morales foi nas políticas populistas, em particular nas que levam ao capitalismo de estado ou ao capitalismo de compadres. Como já expliquei aqui no blog algumas vezes distribuir dinheiro para pobres não é o que leva uma economia ao desastre, a caminho para o desastre começa quando o governo começa a escolher quem serão os muito ricos. Não sei dizer o quanto a Bolívia percorreu nesse caminho, tenho motivos para desconfiar que andou muito, mas é apenas especulação.

Na falta de conhecimentos a respeito do processo político e de como as instituições da Bolívia resistem ou ajudam no populismo de Morales me resta apelar para os números. Sendo assim resolvi copiar descaradamente alguns excelentes posts que o Carlos Eduardo Gonçalves (caso queira acompanha-lo além do FB recomendo a página Por quê? Economês em bom português, link aqui) e criar uma Bolívia sintética para tentar avaliar se Morales melhorou ou piorou o desempenho econômico da Bolívia.

Criar um país sintético significa buscar uma combinação de outros países de forma que tal combinação tem um comportamento próximo ao da Bolívia no período anterior a chegada de Morales ao poder. O exercício consiste em comparar o crescimento do PIB per capita dessa combinação de países, a Bolívia sintética, com o crescimento do PIB per capita da Bolívia artificial. Se a Bolívia sintética crescer mais que a Bolívia significa que Morales atrapalhou o desempenho econômico da Bolívia, se crescer menos então podemos dizer que Morales ajudou.

Para encontrar a combinação ideal dos países usei os dados da Penn World Table 9.0 (link aqui) e selecionei um conjunto de variáveis disponíveis entre 1980 e 2014 para os países da América Latina. As variáveis escolhidas foram capital humano, relação capital trabalho, taxa de investimento e participação do gasto público no PIB. O conjunto ficou pequeno e, pior, apenas o Paraguai estava próximo da Bolívia, sendo assim no exercício a Bolívia sintética ficou sendo basicamente o Paraguai. Para resolver a o problema adicionei todos os países da amostra com PIB per capita próximo ao da Bolívia. Naturalmente existem maneiras mais adequadas de selecionar os países que serão usados, mas, por outro lado, estou escrevendo um post no meu blog, não um artigo para publicação e revistas especializadas. De toda forma, como mostra a figura abaixo, a Bolívia sintética reproduziu razoavelmente bem a Bolívia verdadeira na década de 90 e no começo do século XXI, até que...




Até que um certo Evo Morales entra em cena. Podemos marcar o surgimento de Morales com os protestos de Cochabamba por conta do aumento de preço da água. Em 2002 o então deputado Evo Morales perdeu o mandato por ter incentivado protestos, no mesmo 2002 Morales ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais. A surpreendente votação de Morales alavancou tanto a carreira política dele quanto a adesão aos protestos na Bolívia. Em 2003 começam os conflitos por conta da privatização das companhias de gás na Bolívia. Em março de 2005 o então presidente Carlos Mesa renuncia citando explicitamente os bloqueios de rodovia e a desordem em algumas cidades causadas pelo cocaleros liderados por Morales. Ainda em 2005 Evo Morales é eleito presidente da Bolívia, cargo que ocupa até hoje.




Reparem na figura que é exatamente em 2002 que a Bolívia sintética começa a descolar da Bolívia verdadeira. A figura abaixo mostra a diferença entre o PIB per capita da Bolívia e o da Bolívia sintética. Assim como na figura anterior foi considerado que o efeito de Morales começa em 2003 na sequência da derrota de 2002 e na consequente convulsão social que culminou na renúncia do presidente eleito e na eleição de Morales. Se o exercício desse post faz algum sentido, eu acredito que faz, então podemos dizer que mesmo sem (ainda) ter causado um desastre econômico Morales já custou caro para os bolivianos. Na verdade, ainda segundo o exercício do post, Morales amorteceu muito do crescimento que o Bolívia deveria ter tido durante o boom das commodities, uma época de ouro para países exportadores de matérias primas em geral e da América Latina em particular.


quinta-feira, 14 de julho de 2016

Sobre a dupla natureza da crise econômica

Tenho feito algumas palestras a respeito da crise atual onde tento explicar como chegamos a uma situação tão grave. Minha primeira tarefa é convencer a audiência que vivemos de fato uma crise grave, com potencial para ser a mais grave de nossa história. Não sou o único que pensa assim, de fato o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que a crise atual pode ser mais grave que a da década de 30 do século passado (link aqui), um período em que o mundo passava pela Grande Depressão. O leitor ainda cético pode se interessar pela figura abaixo, nela estão as taxas de crescimento do PIB desde 1901 (dados do Ipea de 1901 a 2013, para 2014 e 2015 usei dados do IBGE, para 2016 usei a projeção do Boletim Focus do BC), repare que apenas duas vezes tivemos dois anos seguidos de queda do PIB, a primeira foi em 1930/31 e a segunda será 2015/16. Para piorar repare que em 1929 o PIB cresceu 1,1% enquanto em 2014 o PIB cresceu 0,1%, não fosse uma mudança no método de cálculo do PIB teríamos tido crescimento negativo também em 2014, no que seria a primeira vez de nossa história com três anos seguidos de queda no PIB.




Como um país que em 2010 cresceu 7,5% e parecia ser um dos motores do crescimento mundial entrou em uma crise tão grande em menos de cinco anos? Esta é a pergunta que tento responder em minhas apresentações, não é uma questão apenas acadêmica, o diagnóstico para a crise atual fornece a estratégia para superar a crise, um diagnóstico errado leva a “soluções erradas” que podem prolongar e/ou aprofundar a crise. Para entender o que aconteceu com nossa economia é preciso considerar que não vivemos apenas uma crise, são duas crises, não estou falando de uma crise política e uma crise econômica, estou falando de duas crises econômicas. Repare que não nego a existência de uma crise política, apenas registro que além de quaisquer outras crises (política, moral, de valores, institucional e etc) que possam existir temos duas crises econômicas. A primeira é de médio e longo prazo e está na nossa baixa produtividade, na baixa taxa de crescimento da produtividade e baixa taxa de investimento. A segunda, de curto prazo, está caraterizada no desequilíbrio fiscal e na necessidade de controlar a inflação.

A crise de longo prazo e está associada a estrutura da economia e da sociedade brasileira. Para que a entendamos devemos considerar que para uma economia crescer é necessário que as pessoas trabalhem mais, e/ou que as empresas acumulem mais capital, e/ou que o capital e o trabalho existentes sejam usados de formas mais eficientes. Um dos resultados fundamentais da teoria do crescimento econômico é que no longo prazo o crescimento é explicado em sua maior parte pelo aumento da eficiência no uso do capital e/ou do trabalho, ou seja, pelo aumento da produtividade. Não vivemos melhor que nossos avós porque trabalhamos mais ou porque temos mais capital, vivemos melhor porque somos mais eficientes. A eficiência a que me refiro aqui não é necessariamente decorrente de novas tecnologias, longe disso, falo de qualquer coisa que permita obter mais produto com as mesmas quantidades de capital e trabalho. Como dizem alguns chefs modernos: menos é mais.

Pois bem, a produtividade da economia brasileira está estagnada a quase quarenta anos. Apresentei esse resultado em um artigo publicado na Revista Estudos Econômicos em parceira com Pedro Ferreira e Victor Gomes (link aqui), em um capítulo de livro publicado pelo IPEA (link aqui) e em um outro artigo a ser publicado pela Revista de Economia Aplicada. Nos trabalhos usos metodologias diferentes para calcular produtividade e sempre chego ao resultado de quase estagnação. Outros autores chegaram ao mesmo resultado usando ainda outras metodologias, uma boa coletânea de estudos sobre produtividade está no livro do IPEA que acabei de citar. A figura abaixo resume o que estou dizendo, note que nossa produtividade cresce bem menos que a dos EUA e a da Coreia do Sul, um país que já era rico e, por ser a economia líder, precisa de inovar para ficar mais produtivo e um país que é um exemplo de crescimento no período.




O leitor desconfiado pode questionar a escolha de países ou a medida de produtividade (feita a partir de dados da Penn World Table). Para acalmar o leitor ofereço uma comparação de nossa produtividade com a de vários outros países. No lugar da produtividade total dos fatores que utilizei na figura acima vou usar a produtividade do trabalho, um conceito simples que mede o quanto é produzido por um trabalhador em um determinado período. No lugar de comparar com um milagre de crescimento e com a economia líder comparo com quatro grupos distintos: países da América Latina, OCDE, países com PIB per capita próximo ao nosso e países com relação capital trabalho próximas a nossa. A figura abaixo mostras as comparações (mais sobre as figuras aqui), comparando com os países da América Latina ficamos em antepenúltimo, com os da OCDE ficamos em último, com os de PIB per capita próximos ao nosso ficamos em antepenúltimo e com os de relação capital trabalho próximas a nossa ficamos em penúltimo. Se nem assim o leitor está convencido que temos um problema de produtividade peço que leia um dos textos citados acima, se ainda não ficar convencido ou se não quiser ler os textos talvez seja o caso de parar por aqui e aceitar meus pedidos de desculpas pelo tempo que o fiz perder.




Lá por 2010 falar que tínhamos um problema de produtividade era aceitar um convite para ser chamado de doido, ou, se o crítico era um amigo, de um sujeito estranho. A economia crescia, o investimento crescia, o consumo crescia, a pobreza e a desigualdade diminuíam; só um sujeito muito chato podia falar que tínhamos problemas, ainda mais que tínhamos problemas graves. Hoje não é mais assim, vários economistas, inclusive os que reclamavam dos chatos, reconhecem que temos um problema de produtividade. Infelizmente esse (quase) consenso em torno da existência do problema não resolveu a questão, pelo contrário, criou uma oura questão sobre como resolver o problema da produtividade. Grosso modo podemos falar de duas estratégias para resolver nosso problema de longo prazo: a estratégia reformista e a estratégia desenvolvimentista.

A estratégia reformista foca em melhora no ambiente de negócios, na educação, reformas na legislação que tornem as instituições mais eficientes (e.g. redução da insegurança jurídica e do compadrio), abertura da economia e estabilidade macroeconômica (equilíbrio fiscal e controle da inflação). De uma forma rápida podemos dizer que os reformistas querem facilitar a criação e o crescimento das empresas, porém sem direcionar o processo. Deixe a terra fértil e, cedo ou trade, as pessoas saberão o que plantar. A estratégia desenvolvimentista busca direcionar a economia para o setor que seria o polo dinâmico da tecnologia e do crescimento da produtividade, tal setor a indústria. Para isso o governo direciona o investimento por meio de juros subsidiados, protege a indústria local por meio de tarifas e/ou políticas de desvalorização do câmbio, faz desoneração tributária de setores que considera importante, intervém em preços críticos como juros e energia e etc. Diga o que plantar que mesmo uma terra pouco fértil vai prosperar.

Note que as duas estratégias não são totalmente exclusivas, por exemplo, existem desenvolvimentistas que valorizam a estabilidade macroeconômica e existem reformistas que defendem juros subsidiados para setores estratégicos ou intervenção no câmbio. Porém, mesmo não sendo totalmente incompatíveis, as estratégias definem linhas e atuação diferentes que se refletem em um conjunto de políticas diferentes.

Pelo menos desde o pós-guerra o Brasil apostou na estratégia desenvolvimentista (tenha em mente que isso não exclui toda e qualquer medida reformista), o aparente sucesso da estratégia a tornou quase uma unanimidade. De radicais de esquerda que viam no desenvolvimentismo o caminho para criar a classe operária que faria e revolução a grandes empresários mirando nos ganhos propiciado pelo capitalismo de compadres, passando por tecnocratas encantados com o poder adquirido e políticos corruptos de olho nos ganhos de estado grande, todos tinham motivos para apoiar as políticas desenvolvimentistas. A crise da década de 1980, combinando recessão com inflação descontrolada, acabou com o encanto desenvolvimentista. Na década de 1990 o Brasil (o fenômeno foi observado em outros países da América Latina) apostou em uma agenda reformista. Apesar de acabar com estagnação de mais de uma década, controlar a inflação e testemunhar a queda na pobreza e na desigualdade a estratégia reformista foi abandonada na primeira década do século XXI. Como costuma ser o caso é praticamente impossível dizer exatamente quando a estratégia foi abandonada. Vou considerar que foi em 2006, mas se o leitor acredita que foi um pouco antes ou u pouco depois eu não tenho nada a reclamar.

A volta do desenvolvimentismo ocorreu em duas etapas. A primeira, um período de transição, ocorreu entre 2006 e 2010 e foi caracterizada pelo PAC, com o governo induzido o crescimento, com o reforço do BNDES, com o governo financiando o investimento, e com a política de conteúdo nacional, particularmente na extração de petróleo. A segunda fase, a época da Nova Matriz, mantém e/ou amplia as políticas da fase de transição de acrescenta a tentativa reduzir juros para estimular investimento, desvalorizar o câmbio para estimular a indústria, política fiscal anticíclica, controle de preços para estimular a economia (e.g. energia) ou para combater a inflação (e.g. combustíveis). A confiança nas novas políticas, que podemos chamar de contrarreformas, era tão grande que a presidente Dilma tomou posse em 2011 prometendo ser a presidente do PIBão.

Deu tudo errado. A despeito do BNDES ter se tornado o segundo maior banco de investimento do mundo, superando o Banco Mundial e só perdendo para o Banco de Desenvolvimento da China, a taxa de investimento do Brasil não disparou, pelo contrário, andou bem perto da de outros países do continente que não possuem um BNDES e depois despencou. A figura abaixo mostra como os mais de R$ 200 bilhões por ano desembolsados pelo BNDES parece ter sumido. Antes que alguém fale de corrupção eu aviso que não é isso, ou não é só isso, muito provavelmente os empresários que pegaram dinheiro no BNDES estavam dispostos a investir mesmo sem ajuda do banco, porém se podem pegar dinheiro a juros mais baixos não tinham porque não pegar, ou seja, houve uma substituição da fonte de financiamento do investimento, por isso nosso investimento não destoa do de outros países (mais detalhes aqui). Se não tiveram efeito aparente sobre o investimento os empréstimos do BNDES tiveram efeito sobre a consta do governo, parte da nossa crise fiscal está nos gastos do Tesouro para custear a diferença entre os juros que o governo paga e os juros que o governo empresta, a diferença, por vezes chamada de bolsa empresário é bem maior que a bolsa família.




A estratégia de câmbio também não deu resultado, pior, ao abandonar o regime de câmbio flexível o governo passou a pagar os custos de administrar o câmbio. Primeiro a intenção era desvalorizar, depois, assustados com a inflação, o esforço era para não ocorrer uma desvalorização brusca, que além de aumentar a inflação poderia complicar a vida de bancos e de algumas empresas como uma certa campeã nacional. A tentativa de baixar juros na marra também não funcionou, assim como no câmbio o governo foi obrigado e recuar deixando estragos sem benefícios. O mesmo pode ser dito da desastrada intervenção no setor de energia, no lugar da prometida queda nos preços uma série de aumentos de preços para evitar o colapso do sistema. A figura abaixo mostra um retrato do fracasso da tentativa de estimular a indústria, a participação da produção da indústria continuou caindo (os dados do ipeadata vão até 2013, mas, para os mais esperançosos, aviso que a queda continuou em 2014 e 2015) apesar de todo o esforço do governo. Mais uma vez a política desenvolvimentista não cumpriu o que prometeu, mas deixou custos que colaboraram para a crise fiscal que vivemos.




Eu não vejo a queda da participação da indústria de transformação no PIB como um problema, de fato, em tempos modernos é muito difícil separar a indústria do setor de serviços e mais difícil ainda localizar um ou outro como polo dinâmico tecnológico, seja lá o que for isso. Não são poucas as indústrias com modelos de negócios onde o lucro vem mais de serviços de manutenção do que da venda de equipamentos, não sei porque isso é um problema. De toda forma vários economistas desenvolvimentistas tem uma devoção a esta variável ainda maior pela que têm ao câmbio. Foi em nome desta variável que muitas das políticas que não deram resultados, mas deixaram uma conta salgada, foram implementadas. Aqui existe uma grande ironia que não resisto à tentação de registrar. O México apostou em uma estratégia de integração econômica com os EUA, não faltaram economistas desenvolvimentistas decretando o fim da indústria de transformação mexicana. A figura abaixo mostra o tamanho do erro, olhando a figura acima e a figura abaixo creio que nossos industriais têm todos os motivos para pedir a Deus que os protejam dos que os querem defender. Em tempo, antes de vir com conversa de maquiladoras lembre de como nosso governo comemorou a vinda da Foxconn para o Brasil e dê uma outra olhada no México para ver o que mudou por lá nos últimos dez anos.




Como todo brasileiro sabe a agenda desenvolvimentista que inspirou a Nova Matriz fracassou em entregar o crescimento prometido (claro que nem todo desenvolvimentista apoiou tudo da agenda, etc, etc, e etc, mas é impossível negar de onde veio a inspiração das contrarreformas), porém o fracasso não nos dispensou de pagar a conta que chegou na forma de uma crise fiscal e de uma inflação alta. Antes de gritar que nossa dívida é baixa comparada à do Japão ou a de outros países ricos tente encontrar um país em desenvolvimento que esteja confortável com uma dívida maior que 70% do PIB (mais sobre o assunto aqui), a figura abaixo pode te ajudar. A combinação da crise no rastro da Nova Matriz e nossa estagnação da produtividade causou a crise gigantesca em que estamos.




Negar as causas internas e responsabilizar o resto do mundo por nossa crise é uma atitude infantil, se o leitor dúvida basta olhar o que está acontecendo no resto do mundo. A figura abaixo mostra as projeções de crescimento feitas pelo FMI para todos os países do mundo (uma versão de 2015 da figura está aqui). A grande maioria dos países vai crescer este ano, dos que vão encolher, apenas cinco países devem encolher mais que o Brasil: Equador, Macau (não é exatamente um país, mas está na base do FMI), Guiné Equatorial, Sudão do Sul e Venezuela; uma busca rápida por cada um dos países na internet mostra ditaduras (Venezuela, Equador e Guiné Equatorial, os dois primeiros fazem parte do time dos bolivarianos) e guerra civil (Sudão do Sul). Os números são claros: a crise é nossa.




Sendo a crise o resultado da soma duas crises serão necessárias duas categorias de medidas para que saiamos da crise. O primeiro conjunto de medidas deve focar no longo prazo. Falo de reformas que melhorem o ambiente de negócios com simplificação e redução de regulação e processos burocráticos, inclusive com aumento da transparência e eficiência da justiça; de uma reforma completa na educação desde o financiamento até a organização didático- pedagógica de nossas escolas, sim, esta reforma vai enfurecer os sindicatos, inclusive o meu; reforma na saúde focando financiamento e procurando métodos mais eficientes de gestão hospitalar bem como priorizando a saúde preventiva e uma reforma da previdência que amorteça os efeitos das mudanças demográficas. O segundo conjunto de medidas deve consistir em um ajuste fiscal e a retomada do controle da inflação e da credibilidade do Banco Central. O ajuste fiscal deve romper com a estratégia de elevar a carga tributária, é preciso repensar toda a estrutura do gasto público, devemos trocar o “dá bilhão?” pelo “é realmente necessário?” quando da avaliação do gasto público. O controle da inflação vai exigir que o BC pare de apelar para sorte ou tentar terceirizar o trabalho dele e assumir as rédeas da política monetária, se for o caso de ter de aumentar ainda mais a taxa de juros, que seja. Não fazer agora significa um aumento ainda maior da taxa de juros em um futuro onde se deseje controlar a inflação. Sim, estou propondo a volta da agenda reformista!


domingo, 10 de julho de 2016

O que (não) explica a baixa produtividade do Brasil?

Assim como Churchill só confiava nas estatísticas que ele tinha manipulado eu só confio nos cálculos de produtividade total dos fatores (PTF) que eu manipulei, digo, calculei. O motivo é que calcular PTF não apenas exige especificar como fatores se transformam em produto como exige obter medidas de cada um dos fatores usados. A primeira exigência é simples de entender no trabalho de outros autores, a segunda não. Por mais que quem fez a estimativa explique sempre sobra uma dúvida ou outra de como determinada medida foi construída. Se não acredita em mim tente reproduzir as medidas de PTF de outros autores. Porém, hoje resolvi olhar para as medidas de PTF da Penn World Table 8.1 (link aqui), mais ainda, resolvi checar a correlação entre tal medida e algumas variáveis normalmente usadas para explicar produtividade. Para isto fiz uma série de gráficos mostrando a relação entre PTF e um conjunto de variáveis selecionadas, em todos os casos foram usadas médias entre 2007 e 2011, últimos anos da amostra. Nunca é demais repetir que correlação não é causalidade e que o exercício que será feito não tem o rigor necessário para chamar o resultado de uma conclusão científica, longe disso, os resultados servem apenas para atiçar a curiosidade e plantar duvidas em quem queira pesquisar sobre o tema.

A primeira correlação que olhei foi entre PTF e relação capital trabalho. Alguns autores argumentam que economias mais intensivas em capital tendem a ter uma produtividade maior porque tecnologias intensivas em capital incorporam mais tecnologia. A figura abaixo mostra que de fato há uma correlação positiva entre PTF e relação capital trabalho, ou seja, quanto mais capital usado na produção em relação ao trabalho usado na produção maior a PTF. Porém repare que no Brasil, ponto verde, a PTF é menor do que seria de se esperar considerando apenas a relação capital trabalho, em outras palavras, somos poucos produtivos para o nosso nível de capital.




Depois olhei para capital humano. Existe um quase consenso que capital humano é chave para produtividade, quanto mais treinada a força de trabalho mais eficiente será a mão de obra e melhor utilizado será o capital. A figura abaixo corrobora a relação positiva entre capital humano e PTF, porém, mais uma vez, o Brasil está abaixo da linha, ou seja, países com capital humano próximos ao nosso são mais produtivos que nós.




A próxima variável considerada foi tamanho do governo, na falta de uma medida melhor à mão usei a proporção do gasto no PIB. A figura mostra uma relação levemente negativa entre tamanho do governo e PTF [o leitor curioso pode querer saber que a relação não é significativa], a figura também mostra que novamente ficamos na parte de baixo, ou seja, levando em conta o tamanho do nosso governo nossa produtividade é baixa.




Na sequência fiz o gráfico com produtividade e grau de abertura. A relação é positiva como era de se esperar, países mais abertos tem acesso a mais tecnologias e mais insumos, além disso as empresas desses países estão expostas a mais competição. A figura mostra a correlação positiva entre grau de abertura e PTF, assim como nos outros casos, a figura também mostra que nossa produtividade é menor do que o esperado considerando apenas o grau de abertura.




Por último considerei o preço do investimento. Em tese quanto mais caro investir mais as firmas demoram com máquinas antigas, isso diminui o ritmo de incorporação de novas tecnologias no processo de produção e, portanto, reduz a produtividade. Aqui a figura mostra uma relação diferente da prevista, pela figura quanto maior o preço do investimento maior a PTF. É difícil entender a relação encontrada na figura, felizmente esse não é o objetivo do post, no momento o que interessa é que mais uma vez nossa produtividade é baixa se comparada à que seria esperada considerando apenas a variável relevante.




Os resultados combinados são frustrantes, para cada uma das variáveis nossa produtividade é menor do que o esperado. É possível que nossa baixa produtividade seja resultado de uma combinação ruim das variáveis consideradas no exercício no post, também é possível que a explicação esteja em outras variáveis que não considerei aqui. Creio que a segunda possibilidade é mais provável, nossa baixa produtividade parece ser consequência de um conjunto de regras que não estimulam a inovação nem a adoção de técnicas produtivas mais eficientes, vou além, nossas regras ruins podem ser responsáveis até mesmo por resultados ruins nas variáveis que escolhi para explicar a produtividade. Por exemplo, dificuldades de investir e/ou barreiras à entrada podem explicar a baixa relação capital trabalho no Brasil ou o compadrio entre políticos e burocratas pode explicar porque nossa economia é pouco aberta. Se eu estiver certo fica reforçada a necessidade urgente de retomar uma agenda de reformas voltada para o crescimento da produtividade.


domingo, 3 de julho de 2016

Breve comentário sobre o bom desempenho econômico de Botswana

Botswana é um pais interessante. Ficou independente da Inglaterra em 1966, na época era um dos países mais pobres do mundo, depende fortemente de commodities e tem cerca de 70% do território ocupado pelo deserto de Kalahari. Difícil pensar em um país assim dando certo, mas Botswana está dando certo. O PIB per capita de Botswana aumentou quase dez vezes entre 1980 e 2015, para que o leitor tenha uma ideia, de acordo com os dados do FMI (link aqui), atualmente o PIB per capita de Botswana é maior que o do Brasil, em 1980 nosso PIB per capita era quase três vezes maior que o de Botswana. A figura abaixo mostra a evolução do PIB per capita do Brasil e de Botswana entre 1980 e 2015, menos do que fazer comparações o Brasil aparece nesta e nas próximas figuras para que o leitor possa ter uma referência de grandeza. Dito isso devo confessar que comparar um país exportador de commodities com o Brasil é sempre uma tentação, mas vou (tentar) resistir.




Uma característica comum entre Botswana e os países da Ásia que tiveram um excepcional desempenho econômico são as altas taxas de poupança e investimento. Tomando as médias de 1980 a 2015 nossas taxas de poupança e investimento foram respectivamente de 17,7% e 20%, em Botswana, no mesmo período, as taxas foram de 38,1% e 30,8%. Além de poupar mais e investir mais Botswana também poupa mais do que investe, na figura abaixo é possível ver que na maior parte do período a taxa de poupança fica acima da taxa de investimento. No Brasil acontece o contrário, via de regra a taxa de poupança é menor que a taxa de investimento, o que significa que além de investimos pouco temos de financiar parte de nosso investimento no resto do mundo. Não que o financiamento externo seja um problema, mas é uma característica que deve ser considerada quando analisamos o Brasil, principalmente pela turma que vive a pedir desvalorização cambial. As figuras seguintes mostram as taxas de investimento e poupança no Brasil e em Botswana.







Comparada ao Brasil a dívida pública de Botswana é baixa. Entre 1998 e 2015, dados anteriores a 1998 não estão disponíveis na base do FMI, o maior valor da dívida como proporção do PIB, alcançado em 2011, foi de 20,3%, em 2015 já havia caído para 17,8%. No mesmo período o maior valor no Brasil foi de 78,8% em 2002, depois disso começou uma trajetória de queda até chegar no mínimo de 60,4% em 2013, a partir daí a dívida voltou a subir de forma que em 2015 já alcançava 73,4% do PIB, quase mesmo valor de 2013.




Tem mais uma característica de Botswana que diferencia o país africano do Brasil. De acordo com o ranking de liberdade econômica da Heritage Foundation (link aqui) Botswana é considerada uma economia majoritariamente livre (mostly free, link aqui) enquanto o Brasil é considerado uma economia majoritariamente não livre (mostly unfree, link aqui). No ranking geral o Brasil está na 122º posição enquanto Botswana está na 30º posição. A figura abaixo mostra a evolução dos países no ranking de liberdade econômica, vale registrar que em 1995 as duas economias eram consideradas majoritariamente não livres. De lá para cá os dois países ficara mais livres, porém Botswana parece ter ido mais fundo nas reformas liberalizantes, de forma que hoje Botswana ganha do Brasil em todos os quesitos do índice.



Não conheço a fundo a economia e a história dos países da África, dedico mais atenção à América Latina, sendo assim não arrisco dizer quais das muitas diferenças existentes entre Brasil e Botswana podem explicar que eles tenham crescido tão mais que nós. Existem questões culturais, demográficas e econômicas que podem explicar o ocorrido, entretanto não deixa de chamar atenção que um país coberto por um deserto, exportador de commodities, mas que poupa mais do que investe, que investe mais e poupa mais que o Brasil e que tem uma economia bem mais livre que a nossa conseguiu sair de uma situação de pobreza e alcançar uma posição de renda média enquanto nós não saímos da renda média. Também vale registrar que a combinação investir muito, poupar mais ainda e dar mais liberdade econômica aparece em várias experiências de sucesso econômico. Não arrisco estabelecer uma causalidade, mas não recomendo ignorar tais fatores em uma tentativa de explicar o sucesso de Botswana.