domingo, 25 de outubro de 2015

Inflação e Crescimento em 2015

Na semana passada comparei a dívida pública de diversos países para mostrar que considerando nosso PIB per capita a dívida pública brasileira é alta. Hoje vou aproveitar a base de dados da semana passada e comparar a inflação e o crescimento do Brasil com a inflação e o crescimento dos países da amostra. Para os que não lembram e estão com preguiça de checar o post anterior a amostra é composta pelos países da OCDE, pelos BRICS e por países selecionados da América Latina (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai), tirei a Venezuela para não distorcer os gráficos. Para fins de comparação entre grupos Chile e México, que pertencem a OCDE, foram considerados no grupo América Latina. A figura abaixo mostra a inflação e o crescimento previsto para 2015 pelo FMI para todos os países da amostra.




É possível perceber que a inflação brasileira é uma das mais altas da amostra, perde para Rússia (15,8%) e para Argentina (16,8%), e que nosso crescimento também é um dos menores da amostra, apenas a Rússia (-3,8%) está prevista para crescer menos que o Brasil em 2015. Não estamos mal em absoluto e bem em relação a outros países, estamos mal em termos absolutos e em termos relativos, sendo assim é difícil comprar a tese que nossa crise é consequência do que acontece no resto do mundo. Nenhum dos países da OCDE, incluídos Grécia e Itália, deve crescer menos que o Brasil em 2015, no grupo da América Latina, uma região famosa por conviver com altas taxas de inflação, apenas a Argentina tem inflação prevista para 2015 maior que o Brasil. A verdade é que ao abrir mão do controle da inflação para buscar mais crescimento o Brasil ficou sem crescimento e com muita inflação.

Outro ponto interessante, perdoem os amigos econometristas e estatísticos, é a inclinação negativa da reta de regressão. É claro que para afirmar alguma coisa com mais seriedade seria preciso uma amostra maior e técnicas mais sofisticadas de análise estatística, porém não posso deixar passar batido que a relação entre crescimento e inflação é negativa e significativa, ou seja, em 2015 os países da amostra que controlaram melhor a inflação vão crescer mais do que os que descuidaram da inflação.


segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A dívida pública no Brasil é alta!

Vez por outra esbarro em um argumento que diz que a dívida pública do Brasil é baixa porque países como Reino Unido, França e Estados Unidos possuem dívidas muito maiores em proporção ao PIB. É verdade, segundo as projeções do FMI os Estados Unidos vão terminar 2015 com uma dívida bruta equivalente a 105% do PIB, no Reino Unido será de 89% e na França de 97%, números pequenos se comparados aos 246% do Japão, porém grandes se comparados aos 66% do Brasil. É fato que existem países muito mais endividados que o Brasil, porém o argumento que por conta disso não temos problemas é, para dizer o mínimo, questionável. Em primeiro lugar existe um viés de seleção na escolha da amostra, a existência de países mais endividados que o Brasil não implica que nossa dívida esteja abaixo da média, mal comparando é como um sujeito que pesa 120 quilos argumentar que não está tão gordo porque existem pessoas que pesam mais do que ele. Outro ponto diz respeito às características dos países que estão com dívidas em proporção ao PIB maiores que a nossa, para manter o exemplo do peso é como se um gordo que pesa 120 quilos argumentasse que não está com problemas de peso porque existem atletas com mais de 120 quilos.

Para abordar as duas questões acima, a amostra de comparação e as características específicas de cada país, resolvi comparar a razão entre dívida bruta e PIB no Brasil e em uma amostra formada pelos países da OCDE, um grupo de países da América Latina (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela) e os países dos BRICS. Para efeito de separação dos grupos o México e o Chile, que são da OCDE e da América Latina, foram considerados como parte da América Latina e o Brasil foi retirado tanto da América Latina quanto dos BRICS. Os dados utilizados são as projeções do FMI para 2015 disponíveis no World Economic Outlook Database (link aqui).

Tomando a amostra completa a dívida brasileira não se destaca nem como muito alta nem como muito baixa, a média da razão entre dívida bruta e PIB na amostra é de 66% e no Brasil o valor é de 70% (69,9% para os que ficam nervosos com 70%), estamos acima da mediana (53%) porém abaixo do terceiro quartil (84%), ou seja, estamos na metade de cima da amostra, mas mais perto do meio do que da parte de cima. A figura abaixo mostra a relação entre dívida e PIB per capita para todos os países da amostra e ilustra a conclusão anterior, se consideramos a linha de regressão diríamos que o Brasil, ponto verde, está bem próximo à linha, ou seja, nossa dívida é só um pouco superior ao que seria esperado dado nosso PIB per capita.




A figura acima resolve o primeiro ponto, seleção da amostra, uma vez que mostra que em uma amostra muito maior que não foi escolhida a partir do endividamento o Brasil não se destaca como um país particularmente endividado. Porém, olhando a figura com mais cuidado, é possível ver um padrão preocupante relacionado à segunda questão, a que condiciona a relação entre dívida e PIB às características específicas de cada país. Na figura os pontos roxos (não fui quem escolhi as cores) representam os países da OCDE, o clube dos países ricos, é possível perceber que se o grupo de comparação do Brasil fosse a OCDE não faria muito sentido falar de um problema de dívida pública no Brasil, salvo de falássemos que muitos países da OCDE estão com problemas sérios de dívida pública, uma hipótese que eu não recomendo descartar, mas, de toda forma, estaríamos na média.

O problema é que nosso grupo de comparação não é a OCDE, não somos um país rico, somos um país de renda média ou emergente. Nosso PIB per capita de $ 8,8 mil nos deixa muito mais perto da América Latina, PIB per capita médio entre países de $8,1 mil, e dos BRICS, PIB per capita médio entre países de $ 6 mil, do que da OCDE, PIB per capita médio entre países de $ 36 mil; da mesma forma nossa inflação esperada de 8,85% nos deixa mais próximos dos 21% da América Latina, se tirarmos a Venezuela cai para 5,7%, e dos 6,8% dos BRICS do que dos 0,6% da OCDE. Olhando na figura acima é possível ver que o Brasil, bolinha verde, está mais alto do que todos os países da América Latina, bolinhas laranjas, e dos BRICS, bolinhas azuis, ou seja, se excluirmos os países da OCDE passamos a ser o país mais endividado da amostra. Se não está fácil de ver na figura acima repare na figura abaixo que reproduz a figura acima sem os países da OCDE.




Qual a conclusão? Comparando com um amplo grupo de países não estamos mal, porém comparando com países mais parecido conosco estamos muito mal. Dito outra forma: se fossemos ricos talvez nossa dívida não fosse um problema, mas, como não somos ricos, nossa dívida é um problema. Lembra do gordo no começo do post? Pois bem, os que falam que a dívida do Brasil não é alta agem como um gordo sedentário que vai a um concurso de fisiculturismo ou a uma luta de pesos pesados e ao ver o peso dos atletas conclui que não precisa emagrecer.



domingo, 11 de outubro de 2015

Sobre dominância fiscal, política monetária e a proposta de âncora cambial

Dominância fiscal passou a ser o tema central no debate sobre macroeconomia no Brasil. A discussão foi colocada por Monica de Bolle em uma série de entrevistas e textos curtos (exemplos aqui e aqui), alguns economistas, dentre os quais este que vos escreve, não se mostraram convencidos com o diagnóstico que a economia brasileira vive um período de dominância fiscal e, mais importante, com a proposta que o Banco Central deveria controlar a inflação por meio do câmbio e não por meio da elevação da taxa de juros. A questão da dominância fiscal é uma questão acadêmica que deverá gerar algumas pesquisas nos próximos anos da mesma forma que gerou no passado, porém a proposta de política econômica derivada do diagnóstico de dominância fiscal é assunto urgente que não pode esperar pelos debates acadêmicos. Neste post vou tentar explicar o que é dominância fiscal e comentar a proposta de retomar um regime de câmbio fixo ou de bandas cambiais para controlar a inflação. Para explicar dominância fiscal vou ter de fazer uma incursão no estranho mundo dos macroeconomistas, se o leitor não quer se arriscar a perder a fé nos debates sobre política econômica talvez seja prudente pular os próximos parágrafos e ir direto para a parte que falo da política econômica (sexto parágrafo).

Comecemos nossa descida ao mundo da macroeconomia imaginando uma economia que consiste em um sujeito isolado que tem acesso a um único bem que serve para consumir e investir, se você não se sentiu bem com esta possibilidade ainda é tempo de considerar o conselho no final a parágrafo anterior e pular para a parte de política econômica. Para ajudar a imaginar o exemplo o leitor pode pensar em Robson Crusoé ou Chuck Noland preso na ilha deserta e vivendo à base de milho, parte do milho ele come (consumo) e parte ele planta para a próxima colheita (investimento), como ele faz para plantar sem possuir sequer uma pá é assunto para outras conversas. Tudo que o pobre naufrago tem a decidir é o quanto da sua riqueza ele vai usar para atender sua satisfação (o milho que vai comer) e o quanto ele vai transferir para o futuro (o milho que vai plantar), quanto mais ele comer menos milho terá no futuro, todas as transações dele com ele mesmo (eu avisei!) são feitas e contabilizadas em grãos de milhos.

Suponha agora que nessa ilha chegou uma entidade chamada governo. Esta entidade cria um pedaço de papel pintado que é chamado de moeda, a tal moeda não serve nem para comer e nem para plantar, porém por alguma razão o naufrago aceita fazer transações (!!)com a tal moeda e expressar o valor do milho na tal moeda. No lugar de destinar tantos quilos de milho para consumo e outros tantos para investimento o naufrago agora diz que vai destinar tantas unidades de moeda para consumo e outras tantas para investimento. Para fazer tudo mais concreto suponha que a todo momento existem quatro vezes mais moedas do que quilos de milho, ou seja, se existirem dez quilos de milho então existem quarenta moedas, sendo assim é natural que um quilo de milhos valha quatro unidades de moeda (falar de natural em um mundo assim beira a loucura, mas eu alertei). Se em determinado ano o naufrago colhe cem quilos de milho, come sessenta quilos e planta quarenta quilos podemos dizer que o produto da economia foi de 400 unidades de moeda, o consumo foi de 240 unidades de moeda e o investimento foi de 160 unidades de moeda.

Agora que temos uma economia monetária passemos ao próximo passo. O governo pega dinheiro emprestado com o náufrago. Para manter o exemplo suponha que o náufrago produziu o equivalente a 400 unidades de moeda, consumiu 240 unidades moeda, investiu 100 unidades de moeda e emprestou 60 unidades de moeda ao governo. De forma alternativa poderíamos dizer que o náufrago colheu 100 quilos de milhos, comeu 60 quilos, plantou 25 quilos e emprestou 15 quilos ao governo. Notem que a diferença é na forma como os valores são expressos, ocorre que para chegar até a dominância fiscal forma importa, e muito. Na segunda forma, a dos quilos, também conhecida como forma real não há espaço para dominância fiscal, se as transações são todas realizadas e contabilizadas em quilos de milho o governo vai ter de arranjar um jeito de devolver os 15 quilos de milho, muito provavelmente taxando o coitado do náufrago. Na primeira forma, a das unidades monetárias, também conhecida como nominal existe uma alternativa a taxar o náufrago. Como o governo está devendo em unidade de moeda e o governo tem o poder de criar moeda então o governo pode criar 60 unidades de moeda e pagar pelo milho que tomou emprestado. Entretanto, ao fazer isso, o governo muda a relação entre unidades de moeda e quilos de milho, se antes tínhamos 100 quilos de milho e 400 unidades de moeda agora vamos ter os mesmos 100 quilos de milho, porém existirão 460 unidades de moeda. Como consequência o quilo de milho que custava 4 unidades de moeda passará a custar 4,60 unidades de moeda. Chegamos assim em uma das mais tradicionais teorias de inflação conhecida como Teoria Quantitativa da Moeda (TQM), segundo tal teoria o nível de preços é proporcional à quantidade de moeda existente e a inflação será dada pela variação na quantidade de moeda.

Para chegar na dominância fiscal temos de ir além, alguns diriam ficar aquém, da TQM. Suponha que o náufrago perceba que o governo não tem como pagar a dívida, talvez porque o governo fique envergonhado de cobrar impostos do náufrago ou talvez porque o náufrago tenha um arco melhor que o do governo, não importa. Sabendo que o governo não tem como conseguir milho para pagar a dívida o náufrago passa a considerar duas hipóteses: o governo vai dar um calote ou o governo vai fazer moeda para pagar a dívida. No nosso exemplo as duas hipóteses têm o mesmo final e o náufrago perde os 15 quilos de milho que emprestou para o governo. No mundo real não pagar a dívida costuma ter efeitos bem mais danosos do que imprimir moeda, sendo assim vamos supor que o náufrago acredita que o governo vai pagar a dívida imprimindo moeda. Como nosso herói é náufrago mais não é bobo ele faz a conta que fizemos acima e define o preço do quilo de milho como 4,60 unidades de moeda. Sendo assim mesmo que o governo não tivesse pretensão de emitir moeda, talvez por considerar o calote ou talvez por ter conseguido um arco melhor ou um rifle, ocorrerá o aumento de preços. Ao contrário do previsto na TQM onde o aumento de preços ocorre por conta da política monetária temos agora um caso onde o aumento de preços foi causado pela dívida pública, ou seja, pelo lado fiscal. Quando isso ocorre dizemos que a economia está em dominância fiscal. Como de costume quando o assunto é macroeconomia existem debates intenso a respeito da possibilidade prática e teórica de ocorrer casos onde o lado fiscal determine os preços, não vou entrar o debate, para o leitor interessado deixo dois textos avaliando a possibilidade de dominância fiscal no Brasil (link aqui e aqui) e dois textos criticando teoricamente a possibilidade da dívida pública determinar preços (link aqui e aqui).

Passemos agora à questão da política econômica. Em condições normais o combate à inflação é feito por meio da política monetária. Quando o governo entende que é o momento de reduzir a inflação o BC reduz o ritmo de crescimento da moeda, na prática isso equivale a vender títulos no mercado de forma que o BC entrega títulos e recolhe as moedas que recebeu em troca dos títulos. Para que as pessoas queiram títulos o BC deve tornar os títulos mais atrativos o que, via de regra, significa aumentar juros. Sendo assim a política monetária é feita por meio de juros, no lugar de aumentar e diminuir a taxa de crescimento da moeda os governos pelo mundo, Brasil inclusive, reduzem e aumentam alguma taxa de juros de referência. Isso tudo funciona muito bem na TQM e outras condições onde não exista dominância fiscal, na presença de dominância fiscal a coisa fica mais complicada. Quando o BC aumenta os juros a dívida também aumenta, se é a dívida que determina os preços então o aumento da dívida levará a um aumento dos preços. Em um certo sentido a dominância fiscal é uma sinuca de bico cujo a única saída é cortar gastos deforma a reduzir a dívida. O que acontece quando o governo não dá sinais que vai cortar gastos?

É nesse ponto que entra a proposta da Mônica de Bolle de usar o câmbio para controlar a inflação. Ao atrelar o real ao dólar o governo impediria o aumento excessivo dos preços em reais, como fixar o câmbio costuma ser perigoso a proposta é fixar bandas móveis para o câmbio, se funcionar a desvalorização aceita para o valor máximo do câmbio funcionaria como teto para inflação. Se o BC avisa que permitirá uma desvalorização de no máximo 5% em um ano então as pessoas podem aceitar reajustar seus preços em 5% ou até menos a depender das condições de mercado. Para controlar o valor do câmbio o BC faria uso das reservas que possui. Dois pontos devem ficar claros: a proposta coloca um teto e um piso no câmbio e, mais importante, a proposta não é igual a infame banda diagonal endógena, de fato existem bandas diagonais, mas, se bem entendi a proposta, as bandas são exógenas e isso faz toda a diferença.

Qual o problema com a proposta? No lado mais acadêmico não sou exatamente um fã da teoria fiscal dos preços, a ideia que a dívida pública determina preços, e sem tal teoria o argumento não se sustenta. Não é que eu afirme que não existe dominância fiscal ou que eu seja um monetarista radical, menos do que defender uma teoria nessa nova versão do debate entre monetaristas e fiscalistas (sei que estou provocando!) fico na posição de quem não confia em nenhuma das duas teorias. A verdade é que os modelos macroeconômicos não estão desenvolvidos o suficiente para explicar fenômenos monetários de forma confiável. O “modelo” que usei para explicar dominância fiscal não é tão diferente dos modelos usados por macroeconomistas na academia e em bancos centrais. Como confiar nas previsões sobre inflação feitas por um modelo onde moeda não faz sentido? Para os que se interessaram pelo o assunto recomendo um blog (link aqui) e um artigo introdutório (link aqui). Não vou negar que em termos práticos eu acabe ficando do lado dos que querem usar política monetária, porém meus motivos estão mais associados a uma certa prudência conservadora do que a adesão a determinada teoria.

Para além do lado acadêmico tenho preocupações práticas com a proposta. No post anterior argumentei que o uso de reservas na Rússia não conseguiu segurar desvalorização do rublo (link aqui). Por que acreditar que no Brasil seria diferente? Caso as reservas não segurem o câmbio podemos entrar no pior dos mundos, forçado a defender o câmbio o Banco Central terá de aumentar juros para atrair capitais e impedir que o câmbio passe do teto estipulado para a banda. A experiência dos anos 90 mostra que quando o BC está obrigado a defender o câmbio as elevações de juros podem ser mais abruptas e maiores do que as elevações de juros necessárias para controlar a inflação. A verdade é que qualquer política que não venha acompanhada de um ajuste fiscal de médio e longo prazo estará fadada ao fracasso, não que tal ajuste vá resolver todos os nossos problemas, quem acompanha o blog sabe que na minha avaliação os grandes problemas do Brasil não foram causados por questões fiscais, mas sem tal ajuste será impossível mesmo pensar na solução dos grandes problemas. Talvez a economia brasileira atual mude o sentido da frase de Keynes que no longo prazo estaremos todos mortos....





domingo, 4 de outubro de 2015

Câmbio, reservas e juros: mensagens da Rússia

Tenho visto alguns amigos defendendo que o BC venda as reservas para segurar o câmbio e de quebra ajudar no lado fiscal, na verdade a ordem pode mudar e o amigo vir a defender que o BC venda reservas para aliviar o lado fiscal e de quebra segurar o câmbio. O segundo argumento faz parte das medidas de populismo econômico tão conhecidas por estas bandas, pensei em escrever a respeito faz algumas semanas quando várias pessoas me questionaram sobre a venda de reservas para ajudar o esforço fiscal, acabei desistindo um pouco por falta de tempo, um pouco por preguiça e um tanto porque discutir ideias assim tende a ser contraproducente. De toda forma os que estão empolgados em vender reservas para abater dívidas podem procurar no Google a respeito do conflito entre Cristina Kirchner e Martín Redrado (link aqui), então presidente do BC argentino que não obedeceu a ordem de Kirchner para colocar reservas em um fundo destinado a ajudar na dívida pública.

O primeiro grupo, os que querem vender reservas para segurar o câmbio, tem uma proposta mais interessante. Longe de ser uma maneira de prolongar políticas populistas, vender reservas para segurar o câmbio é uma estratégia que pode ser justificada a depender das circunstâncias da economia e do tipo de política econômica. Em um regime de câmbio flutuante, como pelo menos em tese é o regime brasileiro, o Banco central não deve influenciar o câmbio e, portanto, não faz muito sentido falar de usar reservas para evitar desvalorização do câmbio. Porém, com provam os infames swaps cambiais, nosso regime só é flutuante em tese, na prática o Banco Central opera para influenciar o câmbio, sendo assim e considerando que os swaps além de caros definitivamente não foram capazes de segurar o câmbio, eu entendo que a tese de usar reservas no lugar de fazer operações de swaps, bem definidas como “bolsa banqueiros” por um colega que não vou dizer quem é porque ele trabalha no governo, é defensável. Que fique claro que dizer que uma proposta é defensável não quer dizer que eu apoie a proposta, apenas que eu entendo a lógica de quem apoia. Minha tese é que o BC deve deixar o câmbio flutuar e gerenciar as reservas considerando questões como liquidez, credibilidade e coisas do tipo. Outro motivo para olhar com cuidado o uso de reservas para segurar o câmbio é o recente flerte do presidente do BC com a tese (link aqui).

Quem acompanha o blog já deve ter percebido que gosto de olhar para o que acontece em outros países, não por acreditar que o acontece em outros países seja exatamente igual ao que pode acontecer por aqui, mas por crer que é sempre possível tirar lições das experiências alheias. Pensando assim convido o leito a olhar o que aconteceu na Rússia no último ano. A escolha da Rússia é porque a moeda deles, o rublo, disputa com o real o título de moeda que mais desvalorizou nos últimos doze meses. A figura abaixo mostra a taxa de câmbio entre dólar e rublo desde de dois de outubro de 2014.




Repare a forte desvalorização entre o final de novembro e meados de dezembro, infelizmente não consegui dados diários para o volume de reservas da Rússia, os dados mensais obtidos na página do Banco Central da Federação Russa (link aqui) não permitem ver a variação no período específico, tudo que sei é que em 31/10/14 as reservas eram $428 bilhões e em 31/12/2014 tinham caído para $385 bilhões, notícias da época mostram queda de mais de $10 bilhões por semana (link aqui e aqui). Tamanha queda nas reservas não foi capaz de evitar a desvalorização do rublo, na realidade a queda ocorrida em meados de janeiro facilmente visível na figura segue a elevação da taxa de juros de 10,5% para 17% feita no dia dezesseis de dezembro. Aqui o gráfico com dados diários pode ser enganoso, a queda acentuada seguida de uma subida pode dar impressão que nada aconteceu, mas a realidade não é bem assim, no dia dezessete de janeiro, um dia após a elevação dos juros, o câmbio pulou de 59 para 65 rublos, porém na sequencia o câmbio caiu até fechar o ano em 56 rublos por dólar, depois retomou o crescimento, mas só voltou para 65 rublos por dólar em vinte de janeiro. No final de janeiro, quando o Banco Central da Federação Russa reduziu a taxa de juros para 15% o câmbio estava em 68 rublos por dólar. Entre o dia dezessete de dezembro de 2014 e trinta de janeiro de 2015 o rublo desvalorizou 4%, até o aumento dos juros o rublo tinha desvalorizado 30% só em dezembro de 2014.

A figura abaixo mostra o câmbio e as reservas com frequência mensal, lembrem que não consegui encontrar as reservas da Rússia com frequência diária, o período mais longo permite enxergar melhor a dinâmica que descrevi no parágrafo acima. É possível observar que o câmbio para de crescer em janeiro após a elevação dos juros em dezembro, também é possível observar que o uso de reservas, bem ilustrado pela queda de quase $100 bilhões nas reservas entre setembro de 2014 e fevereiro de 2015, não foi capaz de conter a desvalorização do rublo. Por fim é possível observar como a reversão da política de juros foi acompanhada de novas desvalorização do rublo, ver tabela ao lado.




Como disse acima países nunca são iguais, mas não raro, mesmo sendo diferentes, compartilham experiências semelhantes que podem, embora não necessariamente, oferecer lições comuns. A figura abaixo (link aqui) mostra a evolução do real e do rublo nos últimos doze meses, o dólar australiano está na figura apenas como referência de moeda de uma país que também depende de commodities, em um ano tanto o rublo como o real desvalorizaram mais de 60%, em seis meses o real desvalorizou 25% e o rublo 16%. O fato de terem moedas com desvalorizações superiores a 15% em um ano faz com que Brasil e Rússia tenham os mesmos problemas e as mesmas soluções? Não. Há pouco tempo falei da Colômbia (linkaqui), em um ano o peso colombiano desvalorizou 50%, mas Colômbia e Brasil possuem problemas diferentes. 



Então para que serve analisar o caso da Rússia? No mínimo serve para aprendermos mais sobre economia, mas também pode servir para ter em mente que queimar reservas não necessariamente segura o câmbio e que em alguns casos o aumento dos juros é inevitável. Terminando registrando que não estou sugerindo um aumento dos juros para segurar o câmbio, longe disso, como falei acima defendo o regime de câmbio flutuante, ademais a inflação prevista para este ano próxima a 9,5% e a inflação prevista para o próxima ano em torno de 6% já são motivos suficientes para um BC que tenha compromisso com o combate à inflação elevar os juros.