sexta-feira, 10 de julho de 2015

A respeito do corte de orçamento na pós-graduação

Uma nota da Universidade Federal da Bahia (UFBA) a respeito de um corte de 75% no total de recursos do PROAP (programa do governo federal que financia a maior parte da pós-graduação) gerou alguma comoção entre a comunidade de pesquisadores no Brasil. A nota da UFBA (link aqui) fala da possibilidade da paralisação das atividades de pós-graduação não apenas na UFBA como na maioria das universidades do país. Tenho experiência com pós-graduação, durante seis anos fui coordenador de pós-graduação no Programa de Pós-Graduação em Economia da UnB, não chego a dizer que um corte de 75% do PROAP vá paralisar a pós-graduação mas vai chegar perto, nas ciências duras, onde os custos e a necessidade de um fluxo continuo de financiamento são maiores, é possível que ocorra uma paralisação de fato.

Como chegamos a tal situação? Para tentar responder essa questão fui na página da CAPES e avaliei os orçamentos disponíveis (link aqui). Começo com a quantidade destinada a pós-graduação. A figura abaixo mostra o orçamento executado com fomento a pós-graduação em entre 2004 e 2013, são os anos disponíveis, não é igual ao PROAP pois existem outros programas destinado a apoiar a pós-graduação, mas creio que é um bom indicador do quanto a CAPES tem gasto para estimular a pós-graduação no Brasil. Repare que houve um aumento considerável no período, o crescimento real entre 2004 e 2013 foi de impressionantes 667%, os 25% que sobram após o corte equivalem ao total executado em 2005, corrigido para valores de 2013, e é maior que o executado em 2006. A figura ao lado mostra o crescimento dos recursos destinados ela CAPES ao fomento da pós-graduação.

Ocorre que não foram apenas os recursos destinados à pós-graduação que cresceram entre 2004 e 2013, o número de cursos de pós-graduação e o número de professores e estudantes de pós-graduação também cresceram. Não vou entrar aqui na questão da qualidade, é uma boa discussão mas desviaria o foco do post. O que me interessa saber é se o crescimento foi sustentado, ou, dito de outra forma, se o aumento de recursos para pós-graduação é sustentável. Desconfio que não. Assim como em inúmeras outras áreas o governo acreditou que a prosperidade puxada por juros baixos e commodities caras seria eterna e estimulou um crescimento excessivo.

Os números para bolsas de estudo reforçam a tese do crescimento insustentável. O total de recursos gastos com bolsas no país cresceram 213% em termos reais entre 2004 e 2013, os recursos gastos com bolsas no exterior diminuíram 11% no mesmo período. O comportamento da taxa de câmbio pode explicar parte da redução no gasto com bolsas no exterior, mas não creio que explique tudo e nem que seja capaz de mudar a comparação com as bolsas no país. O fato que as bolsas no país mais do que dobraram enquanto as bolsas no exterior diminuíram revelam um padrão de prioridade preocupante. As experiências asiáticas, geralmente usadas como referência, foram caracterizadas por um grande envio de bolsistas de pós-graduação para o exterior. O dado fica mais preocupante quando o Ciência sem Fronteira é inserido na história, deixar de mandar estudantes de pós-graduação para o exterior, que de fato tem potencial de desenvolver pesquisa de ponta, para mandar alunos de graduação me parece uma política simplesmente indefensável. Para que o leitor tenha ideia em 2013 os gastos com as bolsas do Ciência sem Fronteira alcançaram R$ 1,2 bilhões enquanto os gastos com bolsa no exterior foram de R$ 130 milhões.

Outro ponto que pode ser relevante é que a partir de 2007 a CAPES passou a ser responsável por vários programas não necessariamente ligados a pós-graduação. Entre 2008 e 2011 uma parte significativa dos recursos de fomento da CAPES eram para o Programa Universidade Aberta (UAB, link aqui), nos anos de 2008 e 2009 o programa foi equivalente a 60% do gasto em fomento, em 2010 e 2011 caiu para aproximadamente 30%. A partir de 2010 a CAPES também passou a cuidar da formação de professores da educação básica, os gastos com esse programa corresponderam a 16% do gasto de fomento em 2010, chegaram a 60% em 2012 e recuaram para 52% em 2013. Além do fomento a CAPES também destina bolsas para o programa de educação básica, o pico destas bolsas ocorreu em 2012 quando chegaram a 21% do gasto total com bolsas. Por fim a CAPES assumiu o Ciência sem Fronteira.

Longe de mim questionar a importância da educação básica, pelo contrário, acredito que o governo deve dar prioridade à educação básica. A questão é se a CAPES é o instrumento adequado para a função. Na época que se preocupava apenas com pós-graduação a CAPES conseguia executar 100% do orçamento destinado a pós-graduação, em 2013, já com novas atribuições, a CAPES executou menos de 50% do orçamento destinado as atividades de fomento, é bem verdade que se considerado apenas o fomento à pós-graduação a CAPES executou 91% do previsto em 2013, mas em 2012 executou apenas 63%. Entre 2004 e 2007 a CAPES executou praticamente 100% dos gastos destinado ao fomento da pós-graduação em todos os anos. Ao que parece ao assumir novas tarefas a CAPES comprometeu a execução das tarefas antigas. A figura ao lado mostra a dotação e a execução dos gastos de fomento da CAPES entre 2004 e 2013, a partir de 2007 a CAPES começou a fomentar outras atividades não estritamente ligadas à pós-graduação.

Em resumo. Nos últimos anos a CAPES teve um aumento significativo de recursos, atividades como fomento a pós-graduação e bolsas no país também tiveram ganhos orçamentários significativos. Das grandes atividades da CAPES apenas as bolsas no exterior tiveram perdas reais de orçamento entre 2004 e 2013. Além de ter mais recursos para desenvolver as atividades que já desenvolvia a CAPES recebeu novas atribuições que passaram a ser parte significativa do orçamento dela. O resultado dos dois fenômenos é captado no aumento real de 407% no total de gastos executados pela CAPES entre 2004 e 2013. Para que o leitor tenha uma ideia de dimensão o PIB real cresceu 36,4% no mesmo período. Entre 2004 e 2013 os gastos realizados pela CAPES cresceram dez vezes mais que o PIB, os gastos com fomento da pós-graduação cresceram dezoito vezes mais que o PIB e os gastos com bolsas no país cresceram quase seis vezes mais que o PIB.

Assim como em outros setores da economia a pós-graduação vai ter de se ajustar à realidade. É provável que o ritmo de abertura de novos cursos caia, não descarto nem mesmo uma redução no número de cursos. Fica difícil dizer porque nos últimos anos foram contratados muitos professores para as universidades federais e não é impossível que grupos de professores tentem abrir novos programas mesmo sem recursos da CAPES. Porém também pode ser a hora perfeita para discutir reformas na pós-graduação, em particular reformas no financiamento da pós-graduação.

Talvez por um comodismo que pode ter sido estimulado pelo longo período de bonança não é comum ver programas de pós-graduação preocupados com formas alternativas de financiamento. Durante os anos que fui coordenador de pós-graduação, quase todos no período de bonança, lembro de ter participados de várias reuniões de coordenadores de pós-graduação em economia, em nenhuma delas o financiamento da pós-graduação estava em pauta. Discutimos muito a respeito dos critérios de avaliação da CAPES, tratamos do exame da ANPEC e falamos a respeito de homenagens e premiações, a conversa a respeito de financiamento ficava confinada aos corredores ou ao almoço, mesmo entre economistas parece que dinheiro não é um assunto relevante o suficiente para entrar em uma pauta oficial de reunião.

Uma ação orquestrada para pressionar pela regularização do mestrado profissional nas universidades federais? Nem pensar, isso não parece ser um tema relevante mesmo que a grande maioria dos programas de pós-graduação estejam abrigados em universidades federais. Formas de tirar da zona cinzenta a captação de recursos para pesquisa? De jeito nenhum, isso é conversa de quem quer transformar a universidade em balcão de negócios. A comunidade acadêmica, inclusive a de economia, parece acreditar que é obrigação da sociedade financiar completamente toda e qualquer pesquisa imaginada pelos professores doutores que atuam em programas de pós-graduação. A possibilidade de procurar um financiador privado mesmo que para algumas pesquisas chega a ser ofensiva.

Pois bem, com o aparente fim da fartura na CAPES é possível e desejável que os programas de pós-graduação sejam obrigados a escolher entre buscar novas formas de financiamento ou definhar. Espero que a escolha seja pelas formas alternativas de financiamento e não por sair de cena ou pedir que o governo corte programas voltados para educação básica para continuar nos financiando. Quem sabe a ANDIFES ainda não apresenta uma proposta pragmática a respeito do financiamento da pós-graduação. Quem sabe os coordenadores de pós-graduação dão o exemplo e na rodada de reuniões de área que deve ocorrer em agosto aceitem reduzir um pouco a milésima discussão do ano sobre critérios de avaliação e dediquem um tempinho que seja a questão do financiamento. É difícil, eu sei, mas assim como o choro é livre o sonho também é, tenho direito de sonhar.





3 comentários:

  1. Roberto, o Sachsida te fez uma pergunta
    http://bdadolfo.blogspot.com.br/2015/07/uma-pergunta-sobre-produtividade.html

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  2. A situação da pós-graduação brasileira está tão deploravel, que estou tendo que fazer uma vaquinha para financiar minha participação no IEEE SMC, em Hong Kong.

    Se alguém aqui quiser ajudar, tem mais informações nesse link:
    https://www.vakinha.com.br/vaquinha/apresentacao-de-trabalho-no-ieee-smc-em-hong-kong-china

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  3. Interessante o post, principalmente após a divulgação da PLOA 2020. Orçamento da Capes foi de 4.2 bi para 2.2 bi. Ação 0487, de onde saem as bolsas e o PROAP, foi de 2.6 bi para 1.2 bi.

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