domingo, 31 de maio de 2015

Porque critico o ajuste de Dilma, Levy e Tombini.

Para que serve um ajuste fiscal? Para que serve o aperto da política monetária? Creio que as respostas a essas perguntas podem ajudar a entender melhor o atual debate econômico. A política de ajuste da atual equipe econômica tem sido alvo de críticas vindas de vários grupos de economistas. Um destes grupos é o mesmo que elogiava a política econômica do primeiro mandato de Dilma e saudou a Nova Matriz Econômica como o caminho para a retomada do crescimento. Creio que essa turma faria melhor se tentasse explicar porque no lugar de crescimento a combinação de desvalorização do câmbio, redução dos juros, expansão fiscal e ativismo do BNDES nos colocou na pior crise econômica das últimas décadas. De preferência uma explicação que não apelasse para uma crise econômica que por alguma razão não explicada faz do Brasil uma de suas vítimas preferidas. Porém existe um outro grupo, do qual pretendo fazer parte, que apontou a adoção da Nova Matriz como um erro, cantou a bola da crise que de fato veio e agora precisa se esforçar para explicar porque não aprova o ajuste de Dilma, Levy e Tombini.

Não é uma explicação simples, os problemas da atual política econômica não são triviais como eram os erros da Nova Matriz, pelo contrário, é bem provável que economistas que reconhecem a necessidade do ajuste e criticam a política de Levy estivessem tomando medidas bem parecidas com as que Levy está tomando se tivessem no lugar dele. Naturalmente também é possível imaginar que muitos de tais críticos, exatamente por saber das limitações impostas à Levy, não aceitassem estar no lugar dele, mas deixemos isso de lado, não é objetivo do post especular a respeito das motivações de Levy ou de outros economistas. O que quero é tentar explicar as diferenças conceituais entre o ajuste que está sendo feito e o ajuste que eu considero que deveria ser feito. Para isso retorno as perguntas que abriram o post.

Um ajuste fiscal pode ser feito para ajustar o caixa do governo, quando o gasto está muito alto e as alternativas de financiamento por meio de dívida começam a ficar difíceis um governo pode ser forçado a uma combinação de corte de gastos e aumento de impostos que é chamada de ajuste fiscal. O quanto do ajuste virá de cortes de gastos e o quanto virá de elevação dos impostos depende de vários fatores, dentre os quais destaco:
(i)                  O desenho da política econômica; via de regra economistas de tradição clássica/neoclássica preferem cortar gastos e economistas de tradição keynesiana preferem aumentar impostos.
(ii)                A orientação política do governo; governos de direita preferem cortar gastos, com a possível exceção de gastos militares, e governo de esquerda preferem aumentar impostos, de preferência sobre os mais ricos.
(iii)               Força política do governo; quando o governo é fraco as decisões de corte de gastos e aumento de impostos passam a depender dos humores dos congressistas.
Na perspectiva de ajustar o caixa não importa muito o efeito do ajuste na economia, o que importa é o equilíbrio fiscal. Creio que é essa a orientação do atual ajuste brasileiro, não vou arriscar dizer se tal orientação foi escolhida pela equipe econômica ou foi uma imposição do governo. O fato é que todas as justificativas para o ajuste fiscal vinda da equipe econômica fazem referências às necessidades de caixa ou, quando muito, falam de recuperar a confiança do mercado na solidez fiscal do Brasil, o que não deixa de ser um apelo ao equilíbrio de caixa.

Porém existem outras justificativas para um ajuste fiscal. A primeira que listo é uma justificativa moral que costuma ser levantada por pensadores liberais, a ideia é que não é justo que o governo se aproprie de parte significativa da renda das pessoas e parte do princípio que o indivíduo é o melhor juiz de seus próprios gastos. Perceba que tal justificativa independe de equilíbrio de caixa, mesmo que o déficit público fosse zero seria possível argumentar seguindo esta linha. Gosto e concordo com tal argumento, mas não vou segui-lo, o leitor pode encontrar pela internet vários sites liberais que explicam e defendem o argumento de forma melhor do que eu faria. Sendo assim passo a segunda justificativa que não é necessariamente liberal, é uma justificativa macroeconômica.

Em livros de macroeconomia um ajuste fiscal não costuma ser justificado por necessidades de caixa do governo, de fato em vários modelos a sustentabilidade das contas públicas sequer é mencionada, um exemplo é o modelo IS-LM que é uma forma muito popular de introduzir políticas monetária e fiscal em uma estrutura lógica de inspiração keynesiana. Se a questão fiscal (entendida como equilíbrio das contas públicas) nem aparece em tais modelo qual a justificativa que dão para um ajuste fiscal? Retrair a demanda agregada, ou seja, reduzir a demanda por todos os bens e serviços em uma economia. Mas isso não equivale a causar uma recessão? Não necessariamente, em modelos de demanda ou de inspiração keynesiana, como o IS-LM, retrair a demanda agregada leva a uma recessão, em modelo de oferta ou de inspiração clássica retrair a demanda agregada não leva a uma recessão, em modelos mistos pode ou não levar a uma recessão.

Está confuso? Macroeconomia é meio confusa mesmo, mas o ponto central é saber a razão de implementar uma política que pode levar a uma recessão. A resposta é que em todas as principais linhas de pensamento macroeconômico a retração da demanda agregada leva a uma redução da inflação. Sem demanda as firmas são obrigadas a reduzir preços para não ficar com estoques encalhados. Aqui entra o ponto central de minha crítica ao atual ajuste fiscal. Ao tomar medidas para atenuar a recessão tais como abrir nova fontes de recursos ao BNDES, mudar regras de compulsório para incentivar a compra da casa própria e mesmo anunciar planos bilionários de investimento vindos do exterior criando nos empresários uma expectativa de aumento da demanda o governo acaba por sabotar o ajuste. O resultado é que ou o ajuste acaba sendo mais duro do que o necessário ou não terá o efeito desejado sobre a demanda agregada e, portanto, sobre a inflação.
Raciocínio semelhante se aplica à política monetária. Elevar juros em um dia e estimular o endividamento no outro é quase uma crueldade. A ideia de elevar juros para combater a inflação é que com juros mais altos as famílias deixarão de comprar e desta queda de demanda virá a queda na inflação. Se apesar dos juros mais altos as famílias continuarem comprando então não vamos ter nem a redução da demanda agregada e nem a queda da inflação, por outro lado vamos ter famílias mais afundadas em dívidas.

A verdade é que nenhum governo gosta de aplicar medidas que retraem a demanda agregada e menos ainda se tal retração leva a uma recessão. Porém tais ajustes são necessários para evitar que a economia saia de controle e descambe para uma estagflação. No final da década de 1970 um ajuste era necessário, sem a pressão das ruas ou do Congresso o presidente Geisel e depois Figueiredo adiram o ajuste de forma irresponsável e jogaram à economia em uma crise que durou algumas décadas, como nem tudo é ruim de todo a crise facilitou o fim do regime militar. Ao que tudo indica a pressão das ruas e do Congresso impediram que Dilma adiasse ainda mais o ajuste (o episódio é um belo exemplo de como uma democracia pode ser mais capaz que uma ditadura de tomar decisões difíceis, mas isso é assunto para outro post), o fato é que o adiamento está cobrando seu preço, mas poderia ter sido muito pior. Quando Dilma reconheceu que fez de tudo e não tinha mais como evitar a crise ela pareceu ter entendido que é impossível evitar uma crise, porém, quando o segundo governo Dilma tenta amenizar os efeitos das medidas que se viu obrigado a tomar corre o risco de incorrer no mesmo erro do primeiro governo Dilma. A crise não é um efeito colateral do ajuste, a depender de como pensa o analista a crise decorre dos erros anteriores (é o que eu penso) ou a crise é forma como ajuste resolverá os atuais problemas. Em ambos os casos tentar evitar a crise é um erro.




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