sábado, 25 de abril de 2015

Aceitem o fato, Dilma está fazendo um governo de esquerda.

A polêmica entre Marco Antonio Villa e Olavo Carvalho a respeito da natureza do PT marcou a semana. Desconfio que os dois chegaram a conclusões tão diferentes por partirem de conceitos diferentes de comunismo, mas prefiro não entrar no debate, a posição de espectador me parece não apenas mais confortável como mais recomendada para meu nível de conhecimento do assunto. Porém vou pegar carona para levantar outra questão. Tenho lido vários textos afirmando que a política econômica do segundo mandato Dilma representa uma guinada do governo que teria abandonado as teses da esquerda. No dia 21/04 dois textos deixaram claro a existência dessa tese, um do Estadão a respeito do discurso de Stédile em Ouro Preto (link aqui) o outro foi uma entrevista de Guilherme Boulos ao El País Brasil (link aqui). Escolhi os dois por serem recentes e retratarem a opinião de importantes líderes dos ditos movimentos sociais.

A verdade é que Dilma está aplicando políticas tipicamente de esquerda em seu segundo mandato. Não que Dilma não tenha enganado os eleitores, ao insistir que a economia estava bem Dilma ludibriou parte dos eleitores o que nos dá o direito de acusar a presidente de ter mentido e de ter praticado um estelionato eleitoral. Também não estou dizendo que não ocorreu uma guinada na política econômica, é fato que ocorreu, mas menos que uma guinada da esquerda para direita foi uma guinada de uma política sem nenhum sentido para uma política que, embora eu considere errada, é uma política que tem algum sentido. A atual política econômica é uma política típica de partidos de esquerda que são obrigados a fazer um ajuste fiscal.

Ajustar as contas de um governo não é política de esquerda ou de direita, é uma imposição dos fatos (tratei do tema aqui). Cedo ou tarde todo governo é obrigado a ajustar as próprias contas, nem que seja o estritamente necessário para seguir adiante com novos gastos. O que vai diferenciar as políticas de partidos de esquerda e de direita é a forma como se faz o ajuste. Partidos de esquerda tipicamente tentam ajustar a economia por meio de elevações de impostos, particularmente sobre os mais ricos, partidos de direita tradicionalmente, pelo menos no discurso, tentam ajustar por meio de cortes de gastos. O que o governo está fazendo? Segundo Mansueto Almeida, um dos maiores especialistas em conta públicas no Brasil, cerca de 85% do ajuste fiscal será feito com aumento de impostos (link aqui). Como uma política assim pode ser classificada como de direita, ou pior, de liberal? Mas uma política realmente de esquerda seria taxar grandes fortunas, alguém poderia dizer. Sim, responderia eu, taxar grandes fortunas seria uma política mais à esquerda do que a implementada por Dilma, mas isso não muda o fato que a política que Dilma está implementando é de esquerda.

A verdade é que há muito tempo os governos brasileiros fazem ajustes por meio de elevação de impostos, a carga tributária saiu de aproximadamente 24% para aproximadamente 36% do PIB (a maior da América Latina, ver aqui) entre 1991 e 2013, ou seja, em pouco mais de 20 anos a carga tributária aumentou 50%. Não foi por acaso, durante praticamente todo o período o Brasil foi governado por partidos de esquerda que naturalmente implementaram políticas de esquerda. O aumento da carga tributária veio acompanhado de outra característica típica de políticas de esquerda, qual seja: o aumento do gasto público, que, por sinal, já passa de 40% do PIB.

Outra característica tipicamente presente no discurso da esquerda particularmente na América Latina é a necessidade do governo estimular o crescimento da economia, especialmente da indústria. É curioso que a esquerda defenda uma tese que implica em transferência de renda de pobres para ricos, mas não é sem explicação. Guido Mantega explicou o fenômeno no livro “A Economia Política Brasileira” (link aqui). Para tornar o projeto político revolucionário viável a esquerda entendeu que precisaria de uma massa de trabalhadores organizados em sindicatos fortes, tal tipo de organização é típica dos trabalhadores industriais. Desta forma para existir uma esquerda forte seria necessária a existência de uma indústria forte, foi assim que desde pelo menos meados do século XX a esquerda latino-americana abraçou o desenvolvimentismo e, como o tempo, veio a dominá-lo. Se consideramos que Lula e o PT vieram de sindicatos de trabalhadores industriais do ABC vemos que os esquerdistas que aderiram ao desenvolvimentismo acertaram o alvo melhor do que os que apostaram no desenvolvimentismo como forma de transformar o Brasil em uma potência industrial com dinâmica tecnológica própria e todo o pacote de maravilhas prometido pelos defensores da industrialização a qualquer preço.

É fato conhecido que no final de 2014, antes de Joaquim Levy se tornar ministro da fazenda, o governo fez uma série de transferências gigantescas para o BNDES (ver aqui e aqui). Alguns, inclusive o ingênuo que vos escreve, chegaram a comemorar o fim das transferências com a chegada de Levy, ao que parece comemoramos muito cedo, uma das notícias que considero mais importante da semana trata de uma manobra onde o governo pretende usar o FGTS para transferir R$ 10 bilhões para o BNDES (link aqui). O segundo governo Dilma aumenta impostos para não cortar gastos e ainda mantém a política de usar o BNDES para estimular o crescimento. Tem certeza que tais políticas podem ser classificadas como liberais ou de direita? Só se for de uma direita populista e estatista que costuma ser associada com fascismo... mas que curiosamente tem políticas muito semelhantes às defendidas pela esquerda, se duvidar basta tentar descobrir de onde vem o culto a Vargas.

Um último argumento para justificar a tal guinada liberal do governo vem da elevação dos juros. Mais uma vez é feita uma confusão entre escolha e necessidade. Com uma inflação prevista acima de 8% se o BC continuasse inoperante uma disparada inflacionária seria praticamente inevitável o que poderia inviabilizar de vez um governo que já enfrenta forte rejeição da população. Porém as doses homeopáticas com que o Banco Central está elevando os juros denuncia que o banco tem outras prioridades que não o combate à inflação. Mais uma vez a política necessária está sendo implementada com viés de esquerda, o que não é surpresa dado que o governo é de esquerda.

Enfim, o ajuste fiscal via impostos, a insistência em usar o BNDES para estimular o investimento e o crescimento e a timidez no combate à inflação me parecem mais do que suficiente para caracterizar o atual governo como de esquerda. Que em seu primeiro mandato Dilma tenha ignorado o ajuste fiscal combinando desonerações tributária específicas a alguns setores com elevação de gastos não torna o atual governo de direita ou (neo)liberal, apenas deixa claro a loucura econômica que foi o primeiro governo de Dilma. Que junto a irresponsabilidade fiscal tenha vindo uma aposta injustificável que o uso abusivo do BNDES, a redução dos juros e a desvalorização do câmbio salvariam nossa economia só agrava a loucura depondo ainda mais contra o primeiro governo Dilma que, não por acaso, nos levou a um desastre econômico que agora necessita ser enfrentado sob pena de se agravar ainda mais. Desta forma eu creio que Levy não é um infiltrado da direita liberal no governo petista, discutir a presença de Levy não é discutir se o governo é de esquerda ou de direita, longe disso, discutir a presença de Levy é discutir se o governo usará uma lógica que considero errada, porém inteligível, para enfrentar a crise ou não usará lógica nenhuma e retornará a insanidade do primeiro mandato.





segunda-feira, 20 de abril de 2015

Não é a primeira vez que ouço falar no fim de Lula ou do PT... não creio que será a última.

A primeira vez que ouvi falar do fim do PT foi nas eleições de 1989. O argumento era que no segundo turno entre Brizola e Collor parte do PT ia optar por apoiar Brizola e outra parte ia querer ficar neutra o que causaria um racha fatal no PT. O tal segundo turno entre Brizola e Collor nunca aconteceu, Lula saiu das eleições como grande líder da esquerda e a eleição que acabaria com o PT colocou o partido definitivamente no cenário política nacional.

A segunda vez não foi exatamente o fim do PT, mas o fim de Lula. Após o impeachment de Collor havia o sentimento que a eleição de Lula em 1994 era inevitável. Porém no caminho apareceu o Plano Real, Lula cometeu o erro grave de falar contra o plano. A vitória certa se transformou em uma humilhante derrota para FHC ainda no primeiro turno. Vozes dizendo que a carreira política de Lula estava encerrada começaram a ser ouvidas. Com a derrota em 1998 novamente em primeiro turno, a terceira derrota seguida de Lula, mesmo no PT as vozes que decretavam o fim político de Lula ganharam força. Foi dessa a época o debate de primárias no PT e, salvo engano, foi por essa época que Suplicy ousou colocar o próprio nome como candidato presidencial do PT. Estavam errados, Lula foi eleito presidente em 2002.

A terceira vez foi no mensalão. Foi dado como certo que o escândalo enterraria Lula e o PT. Políticos da oposição profetizaram que Lula ia sangrar até as eleições de 2006 e então seria facilmente derrotado. Por conta de tal profecia a oposição entendeu que não devia pressionar pelo impeachment de Lula. Mais uma vez o fim de Lula e do PT não aconteceu, pelo contrário, Lula foi reeleito em 2006 no que talvez tenha sido a vitória presidencial mais fácil que o PT já obteve. Não falta quem acredite, talvez com razão, que não fosse pelo escândalo dos "aloprados" Lula teria ganho no primeiro turno.

A quarta não se chegou a falar de fim de Lula, talvez de uma morte natural do PT. A tese é que o PT não soube se renovar e construir novas lideranças para seguir no poder após o término do segundo mandato de Lula. Que tal tese tenha ganho força após a derrota de Marta Suplicy para Serra na disputa pela prefeitura de São Paulo é algo que nunca entendi bem, mas a tese existiu. Alguns chegaram a especular que em desespero Lula daria o "golpe do terceiro mandato". Mais uma vez Lula e o PT desmentiram a profecia, Lula encontrou o sucessor, no caso a sucessora, e, de quebra, ainda encontrou um nome jovem para vencer as eleições de 2012 para prefeitura de São Paulo.

Agora é a quinta vez que ouço falar do fim do PT. Está de volta a tese do deixar sangrar até as eleições, também está de volta a tese irmã de que oposição deve administrar a crise até as eleições sem mesmo tentar usar mecanismos legais para tirar o PT do planalto prematuramente. Pode ser que estejam certos, os que defendem a tese sabem infinitamente mais do que o que sei de política, tanto em termos teóricos quanto práticos. Mas sou gato escaldado e tenho medo d'água, creio que não se arriscar agora pode ser o caminho para um novo governo petista em 2018.

A crise será brutal esse ano e seguirá dura em 2016. Porém em 2017 a população estará anestesiada, não creio que o crescimento voltará aos níveis anteriores ao da crise, mas a inflação pode estar controlada. Basta que tenhamos um crescimento de 1,5% a 2% e inflação próxima 5% que haverá uma sensação de recuperação da economia e Lula será um nome viável para a presidência em 2018. Não me compreendam mal, não quero a volta de Lula, pelo contrário, costumo brincar que sou o único da minha geração que votou em Collor em 1989, nunca votei em Lula e pretendo continuar sem votar. Por isso estou preocupado, subestimar o adversário é o caminho para derrota. O que tenho visto é que toda vez que comemoram o fim do PT o partido ressurge maior e mais forte, não sei por qual razão acreditar que dessa vez será diferente.


terça-feira, 14 de abril de 2015

Ataque à Pesquisa no Brasil

Os jornais O Globo, Zero Hora, Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e Diário Catarinense resolveram atacar a pesquisa no Brasil ao condenar a pesquisa que é feita fora das Universidades (link aqui). Logo no primeiro parágrafo a reportagem conjunta afirma que:

“Cerca de 2,1 mil docentes têm autorização para trabalhar em outras atividades e receber por atividades como dar aulas em cursos pagos e fazer pesquisas remuneradas por empresas.”

Na sequência a reportagem afirma:

“A dedicação exclusiva sempre foi um dos pilares do ensino superior público por dar ao professor as condições de autonomia e independência para pesquisa, ensino e extensão. O porcentual de profissionais nessa modalidade é critério, inclusive, na avaliação da qualidade dos cursos de ensino superior realizada pelo Ministério da Educação (MEC).”

Está dado o tom da matéria: muitos professores atuam fora dos limites estritos da universidade e isso é ruim para academia. O leitor da reportagem pode terminar com a sensação que o problema de nossa pesquisa é que um número significativo de professores realiza parcerias com empresas, ONGs ou mesmo órgãos da administração pública. O contraponto feito por  Simon Schwartzman, que por sinal fez um texto a respeito do assunto (link aqui), parece não ter influenciado muito os jornalistas. Pena.

A figura da dedicação exclusiva nas universidades surgiu como forma de criar uma comunidade acadêmica no Brasil. No passado era comum que mesmo universidades federais contassem em seus quadros com um grande número de professores que tinham outros empregos e davam aula como atividade extra. Embora esse perfil de profissional possa ministrar aulas excelentes o fato de professores não se dedicarem a questões acadêmicas em geral e à pesquisa em particular como parte das tarefas profissionais diárias era visto como um entrave ao desenvolvimento da academia local. A solução então foi fazer com que as universidades contratassem profissionais em regime de dedicação exclusiva. Como tal conceito passou a ser visto como um impedimento a realização de pesquisa fora da universidade é algo difícil de entender.

A ideia que um professor realizar pesquisas em parcerias com empresas é algo prejudicial à academia é uma daquelas ideias que se transformaram em verdade auto evidente por aqui, mas que simplesmente não existem nas universidades que deveriam nos servir de modelos. As melhores universidades do mundo não apenas não proíbem como incentivam seus professores a trabalharem em parceria com outras instituições. O motivo para tal incentivo é simples: ao se fechar para o resto da sociedade a pesquisa feita na academia perde o poder de resolver problemas reais e, no limite, pode se tornar irrelevante.

Imagine o leitor um médico que retorna ao Brasil após obter o PhD em alguma universidade de ponta nos EUA. Ele chega com uma bagagem de problemas que estudou durante o período de formação, com o conhecimento de teorias que resolveram tais problemas e sabendo como tais teorias permitiram a solução dos problemas. O que seria de se esperar do médico recém chegado? Imagino que esperar que ele usasse tudo que aprendeu para identificar novos problemas ou resolver problemas que não foram resolvidos seria uma boa resposta. Mas como conhecer novos problemas? Como saber o que impediu outros profissionais de resolver problemas antigos? Trancado em um gabinete na universidade? Lendo a literatura de fronteira a respeito de como foram resolvidos outros problemas em outros lugares? Não creio.

Dou um exemplo mais concreto. Na semana passada comentei um estudo da CUT a respeito da terceirização que me pareceu muito frágil. Sei que nas universidades de São Paulo existem vários professores que fariam um trabalho muito melhor que o apresentado pela CUT. Suponha que que existisse no Brasil o hábito de contratar professores para fazer pesquisas e que tal prática não fosse dificuldade ao limite de se tornar ilegal por nossa legislação. A CUT poderia ter procurado um especialista em econometria ou economia do trabalho, tais especialistas poderiam ter feito um estudo melhor ou até mesmo construído uma base de dados que permitisse o estudo adequado do tema. Os professores ganhariam a remuneração pela pesquisa, a CUT teria um trabalho mais sólido, a universidade poderia ganhar por meio de taxas nas pesquisas realizadas, a comunidade acadêmica ganharia com o possível acesso a base de dados criada, a sociedade ganharia com um debate mais sólido a respeito de um tema importante. Quem perderia? Tenho minha resposta, mas vou deixar para outro post.

Alguém poderia questionar os exemplos acima dizendo que só valem para pesquisa aplicada. Não estaria de todo errado, porém deve ser levado em conta que boa parte dos esforços de pesquisa realizados no mundo são em pesquisa aplicada e que muito dos avanços na teoria vieram de dificuldades encontradas na pesquisa aplicada. Porém a pesquisa pura e outras atividades também poderiam ser beneficiadas pelas pesquisas realizadas em parceria. Caberia à cada universidade elaborar uma política a respeito de como as pesquisas feitas em parcerias dariam retorno financeiro à universidade e como esse retorno seria destinado a outras atividades. Não seria preciso inventar nada, basta observar e aprender com a melhores universidades do mundo. Universidades que “vendendo pesquisas”, na linguagem que se pretende pejorativa usada por alguns, conseguem colaborar para o progresso das várias áreas da ciência.

Por fim a questão das fundações de apoio que parece ser uma das motivadoras da infeliz reportagem. Acredito que em um mundo ideal tais fundações não existiriam, as próprias universidades teriam como captar recursos por meio de pesquisas e gerenciar tais recursos. Porém não estamos no mundo ideal, estamos no Brasil em um tempo onde o excesso de burocracia e a complexidade da legislação tornar muito difícil realizar qualquer atividade produtiva. Nesse mundo as fundações são as alternativas possíveis. Nos últimos dez anos fui coordenador de curso, coordenador de pós-graduação, chefe de departamento e diretor da unidade na Universidade de Brasília (UnB). Testemunhei a importância das fundações de apoio para viabilizar pesquisas que de outras formas não seriam realizadas. O atual marco legal faz com que a compra de coisas simples como aparelhos de ar-condicionado, computadores ou tubos de ensaio leve meses ou mesmo anos. Imagine o leitor como seria se a importação de um equipamento de alta tecnologia para um laboratório fosse depender apenas da universidade?

Nas condições atuais atacar as fundações de apoio é atacar a pesquisa. Em quaisquer que sejam as condições atacar quem busca parcerias fora dos muros da universidade é atacar a pesquisa. Uma pena que tantos jornais que estão entre os melhores do país ao decidirem dedicar atenção ao tema não tenham se dado ao trabalho de pesquisar como as coisas são feitas nas melhores universidades do mundo. No lugar de colaborar para a melhora da pesquisa no país o esforço da imprensa se limitou a desferir um ataque ao já combalido esforço de pesquisa realizado no país.

P.S. Para avaliar o post de forma adequada é importante que leitor saiba que eu sou professor universitário e faço captação de recursos com pesquisas e com cursos oferecidos em parceria com outras instituições. Não me envergonho do que faço, pelo contrário, me orgulho de ter captado para UnB um valor maior do que tudo que recebi de salário nos últimos dez anos mesmo descontado o que recebo de tais parcerias.





sexta-feira, 10 de abril de 2015

A respeito da fragilidade do caso contra o PL 4330/04 (PL da terceirização)

O tema da semana foi o PL 4330/04, aquele que regulamenta a terceirização. Não sou da área de economia do trabalho, mas por estudar crescimento econômico acabo acompanhando a literatura de economia do trabalho. A bem da verdade devo confessar que não foi na literatura de economia do trabalho que me apoiei para afirmar que o PL 4330/04 é bom para a economia brasileira, minha afirmação tem por base a literatura de crescimento econômico. Não são poucos os pesquisadores que dedicam tempo a estudar crescimento econômico do Brasil que concordam que o excesso de burocracia e restrições legais são um dos maiores entraves para que o Brasil volte a crescer. Ao oferecer novas alternativas de arranjos trabalhistas o PL 4330/04 ajuda a reduzir restrições a acordos voluntários em um mercado crítico como o mercado de trabalho.

A princípio não levei em conta questões jurídicas ou se a terceirização era instrumento eficiente de gestão o que tem implicações no quão útil a lei será. Não levei em conta questões jurídicas porque é quase impossível para um leigo (ou mesmo para um advogado que não milite em causas trabalhistas) avaliar o impacto jurídico de medidas que afetam as relações de trabalho no Brasil. É um emaranhado tão grande de leis e exceções, de jurisprudências de brechas legais e coisas do tipo que entendi por bem que seria melhor não entrar na questão, afinal estava discutindo o assunto na internet e não escrevendo um artigo científico ou mesmo um relatório técnico sobre impactos da terceirização. Não entrei em questões de gestão por motivos diferentes (não sou administrador, mas não teria dificuldades em conversar sobre o tema com alguns dos vários administradores que lecionam no departamento de administração da UnB), se a terceirização não for boa para a firma entendo que a firma não será afetada pelo PL 4330/04, afinal o PL não obriga ninguém a terceirizar, apenas oferece a opção.

Como assunto cresceu mais do que imaginei acabei por procurar opiniões de quem entende de direito e de quem entende de administração. Encontrei várias, sugiro ao leitor uma entrevista com o advogado Sérgio Schwartsman (link aqui) e um post no FB do administrador de empresas Stephen Kanitz com a discussão que segue o post (link aqui). Caso o leitor queira outras opiniões é só buscar na internet, existem várias. Mas não é para defender a terceirização que estou fazendo este post, nem mesmo é para criticar. Faço o post para chamar atenção da pobreza do caso contra a terceirização.

O número mágico que está na internet é que terceirizados ganham 25% menos do que trabalhadores que são contratados diretamente pela empresa. Tal número pode ser encontrado em várias reportagens na imprensa, em posts de blogs e no FB e em vídeos que circulam pela internet. Por exemplo, o site UOL afirma “Salário médio dos terceirizados em 2013: R$ 1.776,78 (25% menor que os R$ 2.361,15 dos contratados diretamente)” (link aqui). A Carta Capital diz: “O salário de trabalhadores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).” (link aqui). O blog Viomundo afirma: “Segundo o documento, em dezembro de 2013, os trabalhadores terceirizados recebiam 24,7% a menos do que os contratados diretos...” (link aqui). O Estadão cita um número diferente (talvez por algum ajuste nas horas) mas aponta a CUT como fonte na chamada que anuncia: “Terceirizados ganham 27,1% a menos que contratados diretamente, diz CUT.” (link aqui).

Provocado em uma conversa no FB decidi procurar o estudo da CUT e descobrir de onde veio o número. O estudo se chama “Terceirização de Desenvolvimento: uma conta que não fecha” (link aqui). A tabela com o número que está sendo usado para criticar o PL 4330/04 é a Tabela 2 que está na página 14 e que eu reproduzo abaixo:



Reparem na fragilidade do número. De início me preocupou que o estudo não controlasse por atividade desempenhada pelo trabalhador. Como atualmente a terceirização só é permitida para atividades meio e é razoável supor que atividades meio ganhem menos que atividades fins independente da forma de contrato eu desconfiei do número. Imagine um hospital, o leitor ficará surpreso em saber que um médico (atividade fim) ganha mais que um servente (atividade meio)? O leitor ficará surpreso em saber que em uma universidade os professores (atividade fim) ganham mais que o porteiro (atividade meio)? Imagino que não. Pois dizer que terceirizados ganham menos que contratados direitos sem controlar por atividade exercida é praticamente o mesmo que dizer que médicos ganham mais que serventes ou professores ganham mais que porteiros. Mas o estudo é ainda mais frágil. Repare que a tabela fala de “Setores Tipicamente terceirizados” e “Setores Tipicamente contratantes”. O que significa isto? Significa que sequer o estudo da CUT está considerando o salário dos trabalhadores terceirizados, o estudo considera o salário dos setores que são classificados como setores tipicamente setorizados.

Grosso modo o que o estudo da CUT está dizendo é que em setores onde terceirização é comum o salário é menor. Quais são estes setores? Procurei um anexo onde estivessem listados quais são os setores tipicamente terceirizados, mas não encontrei. Porém, considerando que a lei apenas permite a terceirização de atividades meio, é bem plausível supor que tais setores são os que atividade meio tem mais peso. Desta forma o que estudo está dizendo é que setores onde atividades meio sujeitas à terceirização são preponderantes pagam salários menores. Tais setores, segundo os números da CUT e do DIEESE, equivalem a 26,8% dos setores (pg.13). Não é quase como dizer que porteiros ganham menos que médicos, é dizer que porteiros ganham menos que médicos.

Se ainda resta alguma dúvida da fragilidade do estudo considere a Tabela 7 (pg.19) nela é dito que 22,7% dos profissionais contratados diretamente tem nível superior, dos terceirizados apenas 8,7% tem nível superior. Não ficaria surpreso se a diferença na educação explicasse boa parte na diferença de salário, o estudo da CUT sugere que não e justifica a alegação dizendo que: “Se observarmos apenas o ensino médio completo, o número de trabalhadores em setores tipicamente terceirizados e tipicamente contratantes é praticamente o mesmo: 46%.”. Ao focar no ensino médio e “esquecer” a diferença no pessoal com superior completo o estudo da CUT parece ignorar que a distribuição de renda no Brasil não é exatamente igualitária e, por isso, é preciso considerar o que acontece na ponta superior. Uma leitura dura do texto da CUT diria que o texto afirma que serventes ganham menos e tem menos capital humano do que médicos porque serventes são terceirizados e médicos não. A mesma leitura diria que a CUT afirma que vigilantes estão mais sujeitos a acidentes de trabalho do que professores porque são terceirizados. Parece absurdo? É absurdo. Mas é este estudo que jornais e blogs estão usando para criticar a terceirização. Peguei pesado com o estudo? Peguei, mas dado o uso que está sendo feito é necessário pegar pesado, ademais, a leitura dura que fiz é mais próxima da realidade que a leitura que estão apresentando do estudo da CUT.

A bem da verdade o texto da CUT trata das atividades no Capítulo 3. Terei sido precipitado ao criticar o estudo? Deveria minha crítica ter sido dirigida apenas a jornalistas e blogueiros que escreveram seus textos antes de chegar ao terceiro capítulo? Não. A análise por atividades não trata da atividade executada pelo empregado como deveria tratar, a análise diz respeito a atividade das firmas. O primeiro exemplo é da Volkswagen. Trata de um caso onde existem terceirizados de primeira linha (moduladores) e terceirizados de segunda linha (vigilantes, alimentação, construção civil, transporte de cargas, etc.). O que diz o estudo da CUT:

“O modelo de salários e benefícios dos cerca de 3.000 trabalhadores da Volkswagen e modulistas garante certa homogeneidade. Todos são enquadrados como metalúrgicos, portanto, representados pelo mesmo Sindicato; têm os mesmos Acordos (inclusive Participação nos Lucros e Resultados, PLR) e Convenção Coletiva; têm uma mesma Comissão de Fábrica eleita por todos e que negocia as mesmas condições para todos; e têm uma única estrutura de cargos e salários negociada com o Sindicato e Comissão de Fábrica - no entanto, evidentemente as funções e salários são diferenciados, particularmente entre trabalhadores na Volkswagen e nas modulistas.
Já os demais 1.500 trabalhadores terceiros são enquadrados em várias outras categorias (vigilantes, alimentação, construção civil, transporte de cargas, etc.), cada um com “seu” sindicato respectivo, seus acordos e convenções coletivas, bastante inferiores aos do Consórcio Modular em que estão inseridos.”

Perceberam? O próprio estudo reconhece que existem terceirizados que possuem melhores condições de trabalho que outros. O que os diferenciam? No texto aprendemos que são diferenciados por sindicatos e por atividades que desempenham. Qual das duas diferenças deve ser mais importante para explicar a diferença de salários? Está em dúvida? Pense comigo, médicos ganham mais que serventes por estarem em sindicatos diferentes ou pelas funções que exercem? Bingo!

A coisa não melhora até aparecer o caso da Usiminas na Tabela 12 (pg.46). Segundo a tabela, que ao contrário das outras não tem fonte, empregados terceirizados em função de limpeza na Usiminas ganham 66% do que ganham os contratados diretamente no mesmo setor. É praticamente o único dado relevante para a crítica ao PL 4330/04 que o estudo apresenta, finalmente é considerada a mesma atividade na mesma empresa. Porém como saber se não é uma característica da Usiminas? A Usiminas era uma empresa estatal que foi privatizada em 1991, é possível que o pessoal de limpeza que ganhe R$ 1.200,00 contra os R$ 800,00 dos terceirizados sejam remanescentes da época em que a empresa era estatal. Mais que possível eu diria que é provável. Por que uma empresa que terceiriza um setor manteria empregados contratados no setor? Talvez por exercerem cargos de chefia (o que por si explica a diferença) ou talvez por contratos que impedem ou tornam muito cara a demissão. Infelizmente os autores do estudo da CUT não deram muitas informações sobre o exemplo e não é possível avaliar o que está acontecendo. A parte final do capítulo dedicado a atividades é dedicada ao setor público. Creio que é o setor onde os argumentos de perdas de direitos e pioras nas condições de trabalho sejam mais adequados, é bem provável que o setor público, inclusive administrações do PT e PCdoB (partidos que votaram contra o PL 4330/04) usem da lei para driblar o regime jurídico que rege os servidores públicos. Não creio que alguém acredite que a ganancia dos empresários, a guerra de classes ou o capitalismo selvagem possam ser culpados pelo uso que gestores públicos farão da nova lei.

Se alguém ainda tem dúvidas da fragilidade do estudo da CUT que olhe as referências bibliográficas. Toda a vasta literatura de economia do trabalho no Brasil e no exterior é solenemente ignorada. Se estou ofendido por a CUT ter ignorado os economistas? Não. Estou incomodado que a CUT não tenha consultado nenhum artigo publicado fora do Brasil e também não tenha consultado estudos publicados em periódicos científicos no Brasil. O projeto ficou onze anos na fila para ser votado, a CUT é uma central sindical grande e rica, que em todo este tempo a CUT não tenha preparado um estudo robusto sobre o tema mostra o pouco interesse da central sindical em fomentar um debate rico a respeito de um tema que afeta diretamente vários trabalhadores. Fica difícil espantar o pensamento que a CUT quer mesmo é fazer barulho para evitar a mudança no jogo de poder e na arrecadação dos sindicatos que o PL 4330/04 trará caso seja transformado em lei.




sábado, 4 de abril de 2015

Novo Erro de Diagnóstico?

O primeiro erro de diagnóstico foi ali por 2005 ou 2006, quando o PAC apareceu e ganhou força no debate econômico. Na época eu tinha participado com alguns colegas de uma pesquisa a respeito da acumulação de capital no Brasil entre 1970 e 2000 e falei que o PAC partia de um diagnóstico errado para o problema do baixo investimento e que não nos colocaria em uma trajetória de crescimento de longo prazo. O diagnóstico do PAC e da política de intensificar o uso do BNDES, que é da mesma época, era que o setor privado tinha vontade mas não tinha condições de investir, por isso o investimento púbico e abertura de canais de financiamento resolveriam o problema central da baixa taxa de investimento e colocaria a economia em uma trajetória de crescimento.

Meu diagnóstico era que o problema central de nossa economia era (ainda é) a baixa taxa de crescimento da produtividade e que os mesmos fatores que faziam com que nossa produtividade fosse baixa e crescesse pouco eram responsáveis pela baixa taxa de investimento. No lugar de ressuscitar o estado investidor e o BNDES o governo deveria se empenhar em aprovar reformas para resolver os problemas estruturais de nossa economia, especificamente o ambiente institucional hostil aos negócios e o baixo nível de nosso capital humano, a solução destes dois problemas levaria naturalmente a uma melhora na infraestrutura. Em resumo o governo acreditava que os empresários queriam, mas não tinham como investir, meu argumento era que as condições objetivas da economia brasileira faziam com que investir aqui não fosse um bom negócio, ou seja, os empresários não queriam investir.

A grande maioria dos economistas abraçou a tese do governo, a imprensa comprou a tese do governo e a sociedade também ficou do lado do governo. Os poucos que, como eu, discordaram do diagnóstico ficaram isolados quase que falando sozinhos, ou melhor, uns com os outros. Afinal o Brasil estava crescendo e isto provava que o governo estava certo, ai de quem falasse que o crescimento era devido a recolocação de trabalhadores na força de trabalho e/ou por conta de fatores externos como juros internacionais baixos e preços das commodities em alta. Éramos chamados de sabotadores ou de adversários do estado brasileiro. Hoje, centenas de bilhões de reais queimados pelo BNDES e dois ou três PACs implementados, sabemos que a única coisa que conseguiu aumentar a taxa de investimento e o crescimento foi a revisão metodológica do IBGE. Os que defendiam o diagnóstico ou a política do governo nunca se deram ao trabalho de explicar porque o crescimento não veio, se limitaram a gritar bem alto que estavam certos e forças malignas impediram o crescimento.

O segundo erro de diagnóstico começou em 2010 e foi consolidado em 2011. Após uma bem sucedida (há controvérsias, mas não vou tratar da questão aqui) resposta à crise de 2008 nosso governo entendeu que podia fazer a economia crescer por meio de estímulos fiscais. Afinal se foi possível minimizar os efeitos da crise por meio de política fiscal por qual razão não seria possível fazer a economia crescer pelo mesmo caminho? A resposta é simples e está em qualquer bom manual de macroeconomia, políticas de demanda (é o caso do estímulo fiscal) funcionam na presença de desemprego.

A ideia é que o aumento do gasto público induz as empresas a contratar mão de obra para atender a nova demanda, ao criar novos empregos são criadas novas demandas que acabam criando ainda mais empregos em um ciclo virtuoso que leva ao aumento do emprego e da renda. Esta ideia é conhecida por princípio do multiplicador e está no centro de vários debates em economia, não vou entrar nestes debates, apenas registro que para que o princípio do multiplicador possa funcionar é preciso que exista desemprego e que o limite do crescimento via multiplicador é o que se chama de pleno emprego. A razão é simples, sem desemprego a empresa que resolver aumentar a produção para atender a nova demanda criada pelo aumento do gasto público será obrigada a tirar empregados de outras empresas. Com as empresas tentando tirar empregados uma das outras ocorrerá um aumento da renda do trabalho sem aumento da produção, exatamente o que vimos no Brasil. Na realidade o tão falado paradoxo crescimento baixo em uma economia de pleno emprego que ocupou o debate por algum tempo não tem nada de paradoxal, trata-se do esperado em uma economia com investimento baixo e crescimento baixo que não pode mais crescer colocando gente para trabalhar porque estão (quase) todos empregados.

Mas crescer a renda do trabalho não é bom? Em economia não tem bom e ruim, tem efeitos negativos e positivos. O aumento da renda do trabalho acima da produtividade do trabalho (lembrem que no meu diagnóstico o grande vilão de nossa economia é o baixo crescimento da produtividade) leva a dois efeitos colaterais: aumento do nível de preços, ou seja, inflação e perda de competitividade das empresas locais. O resultado é que se nada for feito e o governo não ajustar o desequilíbrio no mercado de trabalho a economia vai entrar em recessão e apresentar inflação alta, mais uma vez é exatamente o que está acontecendo na economia brasileira, estamos na temível estagflação. Há um agravante, como nosso governo não entendeu o que estava acontecendo aprofundou as políticas de demanda que estavam causando os desequilíbrios e com isso apressou e aprofundou o desastre. Poucas vezes a presidente Dilma foi tão feliz em uma declaração do que quando falou que tinha feito todo o possível para enfrentar a crise, mas que agora não dava mais para segurar. É verdade, o que ela não entendeu é que o esforço agravou a crise.

Assim como no primeiro erro de diagnóstico boa parte dos economistas não viu o segundo e erro e aplaudiu medidas como a desoneração que o atual Ministro da Fazenda chamou de “brincadeira”. A bem da verdade o grupo dos descontentes com o segundo erro foi bem maior do que o dos descontentes com o primeiro erro. Alguns poucos colunistas de grandes jornais e economistas influentes denunciaram o segundo erro de diagnóstico, mas não foi suficiente, mais uma vez a tese do governo ganhou a simpatia de imprensa e da população. Só por volta de 2014 que a maré virou e parte significativa da sociedade percebeu o erro do governo e o tamanho do desastre que estava por vir.

Chegamos assim ao que vou chamar de terceiro erro de diagnóstico. Com o fracasso evidente das políticas desenhadas a partir dos dois primeiros erros de diagnóstico o governo (não antes de ganhar as eleições fingindo não estar vendo a crise) finalmente jogou a toalha e ouviu os críticos. Na realidade foi além, colocou um economista com passagens de sucesso no setor público e no setor privado e formado pela prestigiosa Universidade de Chicago no Ministério da Fazenda. O diagnóstico do governo é que ao fazer isto o mercado recuperará a confiança e voltará a investir nos levando a um período de crescimento. Se por um lado fico feliz por ver que o governo finalmente age como que entendesse que a falta de investimento não decorre de uma hipotética falta de condições de investir, mas de uma falta de interesse em investir, por outro lado eu sou obrigado a lamentar que mais uma vez eu acredito que o governo esteja cometendo um erro de diagnóstico. Desta vez um erro mais sútil e com consequências menos graves que os anteriores, mas ainda assim um erro.

O novo diagnóstico errado começou a ser desenhado quando Delfim Netto e alguns economistas tucanos lançaram a tese que o maior problema da economia brasileira era a comunicação ruim entre o governo e o mercado. Era como dizer que tudo ia bem, mas os empresários, coitadinhos, não conseguiam ver que existiam inúmeras oportunidades de investimento disponíveis e, por não ver, não investiam. O grau de ingenuidade e tolice que alguns economistas conferem a empresários só não é maior que o grau de ingenuidade e tolice que os autores das novelas da Globo dão aos empresários que criam para as tramas que animam as noites globais. A bola levantada por Delfim Netto deu as bases para o diagnóstico da crise de expectativas que parece pautar as ações do governo, inclusive do ministério da fazenda.

A ideia é que tudo que o governo precisa fazer para colocar a economia dos trilhos é mostrar ao mercado que agora é sério, que é para valer. O PhD em Chicago que é conhecido em Brasília como mão de tesoura é tão perfeito para o trabalho que chego a desconfiar que foi criado por algum roteirista especialista em criar heróis. Se Mantega, ou mesmo Nelson Barbosa, tivesse prometido um superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 estaríamos todos falando de promessas impossíveis ou de mais contabilidade criativa. Se Aécio tivesse ganho as eleições e Armínio tivesse prometido superávit primário de 1,2% estaríamos ouvindo discursos inflamados de Lula sobre a insensibilidade social dos tucanos. Mas com Levy, ministro de um governo do PT, dizendo que vamos ter um superávit primário de 1,2% em 2015 estamos (quase) todos calados. O déficit primário de fevereiro de 2015 foi recorde? Não tem problema, deve ser culpa do Eduardo Cunha, mas Levy vai resolver.

Com o nome perfeito no Ministério da Fazenda agora é preciso mostrar serviço. Dá-lhe aumento de imposto... e, claro, algum corte de gasto para acalmar a elite branca, insensível e malvadona, mas que já está sendo devidamente atacado pelo partido da presidente. Não canso de me impressionar com a habilidade da esquerda em convencer parte significativa da população de que é contra medidas que ela mesmo implementa. A coisa toda está tão bem montada que aumentar impostos passou a ser visto como uma medida liberal e justificada no que chamam de economia ortodoxa. O fato que nos EUA recentemente ocorreu um intenso debate a respeito de como ajustar as contas públicas em uma recessão e que ficou bem delimitado quem defendia redução (no máximo manutenção) de impostos e cortes de gastos e quem defendia aumento de impostos e aumento de gastos parece ter passado desapercebido por nossa imprensa.

Que defendam aumento de impostos eu critico mas tento aceitar, afinal venceram as eleições e não negaram que são de esquerda, que digam que o aumento de impostos junto com redução dos gastos vai levar ao crescimento da economia é algo que me assusta. Pior, me faz acreditar que o novo erro de diagnóstico é muito pior do que a princípio me pareceu ser. Como alguém pode acreditar que um aumento de impostos acompanhado de corte de gastos pode levar ao crescimento da economia? Só vejo uma resposta, este alguém acredita que o ajuste fiscal resolverá o problema da confiança e levará a um ciclo de investimento e crescimento. Se for isto, e não vejo outra alternativa, o novo erro de diagnóstico equivale a uma aposta elevadíssima no que Paul Krugman chamou de fada da confiança, mais ou menos como acreditar que para ganhar uma Ferrari no natal basta se comportar bem e esperar pelo Papai Noel.

Se o ministro está jogando a carta da fada da confiança para convencer o governo a fazer um ajuste fiscal que é necessário pode ser que esteja fazendo a coisa certa, afinal a presidente Dilma é conhecida crítica de ajustes fiscais, a lamentar apenas que o ministro tenha que usar histórias de ninar para fazer o trabalho dele. Porém, se o ministro de fato acreditar que vai recuperar a economia tirando mais dinheiro da sociedade para o saco de ineficiência do governo estamos com sérios problemas. A falta de desejo de investir de nossos empresários não decorre de mal entendidos ou de problemas de comunicação com o governo e nem mesmo da nossa condição discal. Nossos são problemas são outros: ambiente hostil de negócios, baixo capital humano e falta de infraestrutura, são os mesmos problemas que tínhamos quando do primeiro erro de diagnóstico e que foram ignoradas ou deixaram de receber a atenção que mereciam por conta dos diagnósticos errados. A valer os rumos que estamos tomando em alguns meses os empresários continuarão sem vontade de investir, porém estarão mais pobres, da mesma forma estarão mais pobres os consumidores. Difícil acreditar que o progresso virá de empresários e consumidores empobrecidos pelo governo.