terça-feira, 31 de março de 2015

Comentários curtos e grossos a respeito dos dez pontos do manifesto do PT

Estava planejando comentar o manifesto de dez pontos apresentados pelo PT. Li várias vezes o manifesto e cheguei a rabiscar alguns comentários, acabei concluindo que não valia a pena usar meu tempo no assunto. Pelo nível das propostas a impressão que fiquei é que quem escreveu o manifesto não perdeu nem uma hora para fazer o texto, não há porque usar uma tarde para comentar. Sendo assim me limito a fazer comentários curtos e grossos a respeito de cada um dos pontos.

1. Desencadear um amplo processo de debates, agitação e mobilização em defesa do PT e de nossas bandeiras históricas;
Em outras palavras significa fazer propaganda...
2. Defesa do nosso legado político-administrativo e do governo Dilma;
Mais propaganda...
3. Participar e ajudar a articular uma ampla frente de partidos e setores partidários progressistas, centrais sindicais, movimentos sociais da cidade e do campo, unificados em torno de uma plataforma de mudanças, que tenha no cerne a ampliação dos direitos dos trabalhadores, da reforma política, da democratização da mídia e da reforma tributária;
Ainda mais propaganda...
4. Apoiar o aprofundamento da reforma agrária e do apoio à agricultura familiar;
Sem entrar no mérito da reforma agrária me limito a registrar que o governo Dilma foi o que menos assentou famílias nas últimas décadas (link aqui)
5. Orientar nossa Bancada a votar o imposto sobre grandes fortunas e o projeto de direito de resposta do senador Roberto Requião, ambos em tramitação na Câmara dos Deputados;
Qual imposto sobre grandes fortunas? O que pega acima de um milhão que anda sendo comentado na internet? No lugar de tributar "fortunas" acima de um milhão não seria melhor para de usar o BNDES para financiar bilionários? De toda forma teria sido um tema interessante para a campanha do ano passado, pena que na campanha Dilma garantiu que não havia problema fiscal.
Requião é aquele que agride jornalistas? (link aqui)
6. Apoiar iniciativas para intensificar investimentos nas grandes e médias cidades, a fim de melhorar as condições de saneamento, habitação e mobilidade urbana;
Enquanto isto no Senado o Ministro da Fazenda está fazendo o possível para adiar a votação de um projeto que alivia as contas dos municípios....
7. Buscar novas fontes de financiamento para dar continuidade e fortalecimento ao Sistema Único de Saúde;
Sabe os mais de R$ 450 bilhões que o tesouro aportou no BNDES? Ajudariam muito no SUS...
8. Apoiar uma reforma educacional que corresponda aos objetivos de transformar o Brasil numa verdadeira Pátria Educadora;
Novamente sem entrar no mérito lembro que várias universidades estão sem pagar fornecedores por conta de cortes de orçamento implementados pelo governo Dilma... Agora entrando no mérito eu pergunto a razão do PT não colocar a proposta de reforma de educação na página do partido com o destaque que merece? Como? Doze anos no governo e não deu tempo de elaborar a proposta? Talvez se Dilma tivesse apresentado um plano de governo...
9. Levar o combate à corrupção a todos os partidos, a todos os Estados e Municípios da Federação, bem como aos setores privados da economia;
Chamando os condenados por corrupção de "guerreiros do povo brasileiro"?
10. Lutar pela integração política, econômica e cultural dos povos da América, por um mundo multipolar e pela paz mundial. O momento não é de pessimismo; é de reavivar as esperanças. A hora não é de recuo; é de avançar com coragem e determinação. O ódio de classe não nos impedirá de continuar amando o Brasil e de continuar mudando junto com nosso povo. Esta é a nossa tarefa, a nossa missão. É só querer e, amanhã, assim será!
Alguém falou Foro de São Paulo?


sábado, 28 de março de 2015

Comentários a respeito dos números do PIB de 2014.

Ontem o IBGE divulgou os resultados do PIB de 2014 (link aqui). O crescimento de 0,1% ficou abaixo das expectativas do mercado em 2014 (reforçando a tese que o mercado é otimista) e muito abaixo da previsão do governo. Em janeiro de 2014 o mercado previa um crescimento do PIB de 2,28% (link aqui), a previsão foi caindo até chegar em 0,14% em dezembro de 2014 (link aqui), só a partir de 2015 o mercado passou a trabalhar com previsão de redução do PIB. Ainda não tenho informações de quanto seria o crescimento do PIB sem a mudança metodológica. A previsão feita pelo governo de crescimento de 4% em 2014 (link aqui) mostrou-se simplesmente absurda e desconectada da realidade, uma obra de ficção ruim.

A tabela abaixo (que está na página do IBGE) mostra a decomposição da taxa de crescimento do PIB tanto pela ótica da produção quanto pela ótica da despesa. Pela ótica da produção o setor de serviços, que corresponde a aproximadamente 60% da economia, cresceu 0,7% e foi o que teve melhor desempenho em 2014. O fato do setor com maior crescimento ter crescido apenas 0,7% mostra o desastre que foi o crescimento da economia em 2014. Ainda em relação a serviços fica evidente que os que afirmaram que a Copa do Mundo levaria a um forte crescimento dos serviços estavam errados. Conforme eu falei aqui no blog e em entrevista a Alexandre Garcia no Espaço Aberto da Globonews (link aqui) a Copa do Mundo é uma festa, podemos nos orgulhar de dar uma festa bonita, mas não podemos esperar ficar mais ricos dando festas.



Na outra ponta ficou a indústria. O setor encolheu 1,2% e mais uma vez puxou para baixo o crescimento do país. A gigantesca desvalorização do real bem como a tentativa frustrada de reduzir juros na marra não foram capazes de reverter o encolhimento da indústria, pelo contrário. A indústria de transformação, alvo de várias políticas do governo, diminuiu 3,8% em 2014, o crescimento de 8,7% da indústria extrativa mineral foi quem evitou um desastre ainda maior na indústria como um todo. A se confirmar a crise no setor de petróleo no mundo e se a crise da Petrobras não for contornada os resultados de 2015 para indústria podem ficar bem piores que os de 2014. Ao contrário do ano passado onde um desempenho excepcional da agropecuária “salvou” o crescimento do PIB (link aqui) este ano a o setor, que corresponde a aproximadamente 5% da economia, também teve um desempenho medíocre, cresceu 0,4%. Em resumo nenhum dos setores da economia mostrou força para puxar o crescimento do PIB.

Pela ótica da demanda o consumo das famílias, correspondendo a aproximadamente 62% do PIB, cresceu 0,9% e o consumo do governo, aproximadamente 20% do PIB, cresceu 1,2%. Que o consumo do governo tenha crescido bem mais que o consumo das famílias é um indício forte do que vivemos no Brasil. Um ajuste fiscal focado em corte de transferências para as famílias e aumento de impostos pode levar a um desequilíbrio ainda maior entre o crescimento do consumo das famílias e o crescimento do consumo do governo, grosso modo é como se estivéssemos sacrificando nosso consumo para permitir o aumento do consumo do governo. Porém o número que mais impressiona na ótica da despesa é a queda de 4,4% no investimento. A taxa de investimento no Brasil é baixa e está caindo, é difícil crescer sem produtividade (link aqui) e sem investimento. Sobre a queda do investimento chama atenção que o ativismo do BNDES mais uma vez não foi capaz de mostrar resultados sequer na taxa de investimento. O que mais será preciso para o governo assumir publicamente e de uma vez por todas que o BNDES age de forma cara e ineficiente?

A eficácia da desvalorização do câmbio fica aberta a questionamento à luz do fato que as exportações da indústria automobilística foram destaque negativo em 2014. A queda nas importações de máquinas e equipamentos reforça a tese que a os empresários não estão dispostos a investir e sugere que se não foi capaz de estimular a indústria, como esperavam os defensores da moeda fraca, a desvalorização cambial do primeiro governo Dilma pode ter dificultado a importação de máquinas e equipamentos e, portanto, contribuído para reduzir o investimento e a adoção de novas tecnologias incorporadas em máquinas e equipamentos. Ressalto que este comentário contém muita especulação e só estudos mais cuidadosos feitos com mais dados permitirão uma análise adequada dos efeitos da desvalorização do câmbio na economia.

A verdade é que os números de 2014 mostram uma economia em crise. O PIB per capita, variável relevante do ponto de vista econômico, encolheu em 0,7% e caiu para R$ 27.229. A combinação de uma inflação 6,4% e uma redução no PIB per capita deixa indiscutível que 2014 foi um ano muito ruim para a economia. Mais grave, as expectativas do mercado e do governo apontam para um 2015 ainda pior, inclusive com fortes chances de aumento na taxa de desemprego. Se considerarmos que mesmo após as mudanças metodológicas do BNDES o governo Dilma apresentou uma das menores taxas de crescimento da história recente e a menor desde a estabilização é muito provável que segunda década do século XXI seja uma nova década perdida. Não precisava ser assim...





domingo, 22 de março de 2015

Desempenho dos Estudantes da América Latina e da Ásia no PISA

Explicar o que faz com que os estudantes de um determinado país sejam bem avaliados em exames internacionais e os de outros sejam mal avaliados não é uma tarefa fácil nem simples, pelo contrário, exige um esforço de coleta e análise de dados significativo de forma a permitir ao pesquisador avaliar diversos fatores que podem determinar o desempenho dos estudantes. É possível que um país gaste muito com educação, porém o gasto não é bem canalizado para permitir o melhor aprendizado dos alunos, uma escola de ouro sem bons professores dificilmente formará bons alunos. Também é possível que questões culturais bem como outros fatores que não dependem da escola tenham papel significativo no desempenho do aluno. Um estudante em uma boa escola com bons professores pode ter seu desempenho prejudicado por uma família ou uma vizinhança abusiva ou por um meio cultural que desestimule os estudos. São muitos aspectos de forma que não é pretensão deste post esgotar ou mesmo fazer uma abordagem científica do tema. A ideia do post é tão somente argumentar que com a renda per capita que tem o Brasil poderia ter um sistema educacional que permitisse a nossos estudantes um melhor desempenho nos testes internacionais. Dito de outra forma nossa pobreza não é desculpa para nossos resultados ruins.

Para apresentar meu argumento peguei a nota de cada país no programa internacional de avaliação de alunos (PISA) de 2012 e comparei com o PIB per capita de 2011. Escolhi 2011 porque é o último ano da Penn World Table PWT), reproduzi as contas com dados do FMI para 2012 e os resultados foram os mesmos, como a PWT permitiu usar mais países escolhi não usar os dados do FMI. O PISA é composto por três provas: leitura, ciências e matemática, para a análise usei a média das três provas (link aqui). Consegui dados para 65 países, após cruzar com a PWT e retirar outliers fiquei com 61 países.

Dos 61 países sete (Albânia, Argentina, Colômbia, Indonésia, Jordânia, Peru e Tunísia) ficaram com média inferior à do Brasil, destes apenas a Argentina tem PIB per capita maior do que o brasileiro. Por outro lado China, Tailândia e Vietnam conseguiram médias maiores do a do Brasil mesmo tendo PIB per capita inferior ao brasileiro. Até aqui não há muito a concluir. Porém alguma conclusão começa a ser esboçada quando observamos que dos 15 países com melhores notas (o quarto superior) sete estão na Ásia (China, Hong Kong, Japão, Coreia, Cingapura, Taiwan e Vietnam) e que dos quinze países com a piores notas (o quarto inferior) oito são latino americanos (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Peru e Uruguai). Difícil não pensar que existe algo no sistema de ensino da Ásia que faz com que os alunos de países pobres e ricos se saiam bem e que existe algo no sistema de ensino da América Latina que faz com os alunos apresentem desempenho baixo.

A figura abaixo ilustra o ponto. Na figura estão marcados o PIB per capita e a média do PISA nos 61 países da amostra, os países da América Latina estão em destaque. Repare que todos ficam abaixo da linha de regressão (para os curiosos o p-value foi 9.82e-09 e o R2 foi 0.43). A linha de regressão mostra o quando devia ser a nota de cada país para cada valor do PIB per capita. O significado disto é que se usarmos apenas o PIB per capita para explicar o desempenho dos estudantes (espero ter deixado claro no primeiro parágrafo as limitações do exercício) os países latino americanos estão com notas menores do que as que deviam.





A próxima figura repete a anterior porém destaca os países do leste da Ásia excluindo a Jordânia que é parte do Oriente Médio e o Cazaquistão que é uma antiga república soviética. Repare que com exceção da Malásia todos os países estão na linha ou acima da linha. Vietnam e China são particularmente impressionantes no sentido que mesmo com PIB per capita muito baixo conseguem excelente desempenho nos exames do PISA. A última figura destaca apenas o Brasil.








Insisto mais uma vez que os resultados do post devem ser vistos como uma provocação ou quando muito como uma exploração preliminar. Neste sentido que concluo que existe alguma diferença entre os sistemas de ensino da América Latina e da Ásia que faz com que estudantes asiáticos tenham melhor desempenho no PISA quando comparados aos estudantes latino americanos mesmo quando se leva em conta o PIB per capita dos países. Embarcando no clima de provocação e fazendo uma pequena homenagem ao pessoal do Instituto Liberal doCentro Oeste (ILCO) que andou sendo criticado pelo crime supremo de questionar a obra de um intelectual respeitado vou chamar este efeito que diferencia os estudantes da Ásia dos estudantes da América Latina em geral e do Brasil em particular de Efeito Paulo Freire. Assim, além de homenagear o ILCO, também faço uma reverência ao “maior intelectual da América Latina” e patrono da educação brasileira.



segunda-feira, 16 de março de 2015

A construção de uma grande crise

Hoje mais uma vez a presidente falou que esgotou todos os recursos para combater a crise, ela já tinha dito o mesmo em outras ocasiões (link aqui). A constatação de Dilma merece reflexão. Desde antes do PT chegar ao poder eu estudo grandes depressões, um dos meus textos mais importantes está em um livro editado pelo Timothy Kehoe e o Edward Prescott (link aqui) com estudos de caso de grandes depressões em vários países. Quando veio a grande crise de 2008 foi natural querer saber quais as lições das grandes depressões para a crise. O que fazer para que a crise não vire outra grande depressão?

O Timothy Kehoe e o Gonzalo Fernández de Córdoba escreveram um texto a respeito das lições das grandes depressões para a crise de 2008 (link aqui), Harold Cole e Lee Ohanian também sobre o assunto para o Wall Street Journal (link aqui e aqui). Grosso modo o recado dos autores é que se o governo perder o foco no longo prazo no afã de minimizar os efeitos de curto prazo da crise o resultado pode ser uma grande crise no futuro. Impedir o ajuste do mercado de trabalho pela destruição de firmas ou plantas ineficientes salva emprego no presente, mas dificulta o crescimento da produtividade e a retomada do crescimento no futuro. Facilitar ou mesmo estimular concentração de mercado pode salvar lucros e até mesmo estimular o investimento, mas as custas de uma redução na produção e de perda de bem-estar. Subsidiar e estimular crédito pode manter o consumo no curto prazo, mas também pode criar bolhas financeiras e/ou imobiliárias. Cada medida de curto prazo tem sua contrapartida cruel no longo prazo.

Não é melhor adiar o sofrimento? É uma boa pergunta, em algum grau todos os governos tentam adiar o sofrimento causado por uma crise, principalmente nas proximidades de eleições, mas adiar o sofrimento tem seus custos. Um exemplo comum  é adiar a ida ao dentista, se cada vez que o dente dói usamos um analgésico podemos escapar por um longo tempo da cadeira e dos malditos motores do dentista. O custo é que uma cárie pode virar um canal, um canal pode virar uma coroa e uma coroa pode virar um dente perdido.

Em economia a questão é menos visível, porém o exemplo brasileiro serve de ilustração. Suponha que no lugar de usar todo o instrumental disponível até o esgotamento, conforme disse a própria presidente, Dilma tivesse começado um ajuste em 2011. Muito provavelmente o desemprego teria sido maior e nem mesmo o IBGE conseguiria um crescimento maior que 2% em 2011. Por outro lado em 2011 a economia vinha de um crescimento de 7,5% em 2010, o governo tinha mais folga para “proteger” os desempregados, a população estava menos endividada e a margem para aumentar os juros era maior. Acredito que se o governo tivesse feito o ajuste em 2011 já estaríamos saindo da crise e certamente estaríamos melhor do que estamos hoje.

O governo escolheu outro caminho e adiou o quanto pôde o ajuste. O que aconteceu? Na hora que o desemprego começa a subir o governo se viu obrigado a reduzir o público alvo do seguro desemprego. A inflação está bem acima do teto da meta e o governo teme aumentar juros e aprofundar ainda mais a recessão. Da mesma forma a desvalorização do Real, algo que já foi desejado pelo governo, assusta pelo potencial de afetar a já alta inflação, sendo um economista que segue o lema “deixa o câmbio flutuar” não posso deixar de registrar como um governo que dizia que a desvalorização do câmbio era a saída para indústria tem um Banco Central que aposta milhões de dólares na tentativa de impedir a desvalorização do Real. Se estivéssemos com uma inflação de 3,5% a 4% o governo poderia apenas sentar e olhar a disparada do dólar, não estamos. Depois de quatro anos estimulando o endividamento o governo não sabe o que fazer com uma população endividada que vê a renda cair, como resultado foi obrigado a suspender programas de crédito como Minha Casa Melhor (link aqui) e reduzir o FIES (link aqui) no exato momento em que as taxas de juros estão subindo.

Talvez o exemplo mais cruel tenha sido o estímulo a indústria por meio do BNDES e da Petrobras. Ao usar dinheiro público para viabilizar projetos incapazes de se sustentar por conta própria o governo armou uma gigantesca bomba relógio. O encolhimento do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (link aqui) é caso de livro texto, venderam sonhos e entregaram pesadelos. Quantidades significativas de capital e trabalho alocadas para atender as empresas do Complexo Petroquímico agora estão sem uso, a perda de capital é crítica, as perdas humanas de quem direcionou a vida profissional para o setor são catastróficas. O cancelamento da refinaria que seria construída no Ceará é outro exemplo (link aqui), a Unifor, universidade privada mais tradicional do estado, chegou a criar cursos de engenharia do petróleo para formar profissionais que atenderiam a refinaria e outras empresas que seriam criadas no setor. Quanto desperdício de capital humano em um país e em um estado onde a carência de capital humano é crítica. Os estaleiros oferecem ainda outro exemplo do desastre que foi usar todo o arsenal disponível para adiar a crise, além de aumentar os custos da Petrobras contribuindo assim para o drama da empresa, os estaleiros se veem obrigados a realizar demissões em grandes números (link aqui) no exato momento que o governo está sem instrumentos para combater a crise.

Enfim, poderia continuar listando exemplos de intervenções que visavam adiar a crise indefinidamente e não apenas não conseguiram como cobram seus preços na pior hora possível, tenho certeza que os leitores têm outros exemplos para colocar na lista. Quem estiver interessado em uma abordagem mais profunda para a questão pode olhar o livro e os textos que citei no início do post. O fato é que infelizmente, porém por escolha própria, o Brasil parece que vai oferecer mais um exemplo de que um combate a crise que ignora os efeitos de longo prazo das medidas emergenciais é o caminho para colocar o país em uma grande depressão.



domingo, 15 de março de 2015

Fora Dilma! Fora Dilma!

Está maluco? Pirou? Pode estar perguntando o leitor. Há algo concreto que justifique o impeachment de Dilma? Como será um eventual governo Temer? É isto que você quer? Calma peço eu, vou explicar. Não creio que exista nada concreto que justifique o impeachment de Dilma, também não creio que ela será posta para fora sem que apareça algo do tipo. Então porque gritar "Fora Dilma"? Não vou responder, melhor, vou responder com uma pergunta. O que existia de concreto contra FHC quando Tarso Genro escreveu pedindo a saída de FHC e multidões petistas foram para as ruas gritar "Fora FHC"? Os petistas tiveram 12 anos para responder, tempo suficiente para investigar e para julgar, mas até agora não responderam. E quanto a Collor? Considerando que Collor foi absolvido pelo STF o que ficou de concreto para pedir e conseguir o impeachment de Collor? Mais de 20 anos depois do saída de Collor da presidência o que existe de concreto contra o homem que foi considerado inocente por uma corte onde apenas um dos juízes foi indicado por ele? Se os petistas não se sentem obrigados a responder mesmo com décadas para refletir e construir um argumento, por qual razão eu seria obrigado a responder no calor do desenrolar dos eventos?


O mesmo vale em relação ao eventual governo Temer. Cheguei em Brasília em 1998 quando tomei posse no cargo de Técnico de Pesquisa e Planejamento do IPEA, conheci e convivi com vários petistas durante o segundo governo FHC. Ouvi de vários deles que o governo FHC era inviável, também li muito sobre esta tese. Estelionato eleitoral, fracasso econômico, relação tensa com o Congresso, revolta da sociedade e várias outras teses justificavam o "Fora FHC". Não lembro de nenhuma conversa ou de nenhum texto onde os petistas analisavam um possível governo de Marco Maciel ou um governo do então PFL. Mais um vez me pergunto por que seria obrigado a responder as perguntas que os que me indagam não responderam.

Serei eu um golpista? Se eu for toda a cúpula do atual governo também é. Golpista que quer dar golpe em golpista tem cem anos de perdão? Não sei. Na verdade não me considero golpista e não considero as manifestações golpistas. Hoje saí de casa para dizer que não aguento mais tantos desmandos do governo. Como escrevi no FB um dia antes das manifestações:

Eu vou! 
Não é pela oposição, não é pelo governo, não é pelo país, não é pelos pobres, não é pelos ricos, não é nem mesmo contra a corrupção... É por mim. 
Vou para dizer que os donos do poder passaram dos limites. Vou para dizer que não sou servo, que vivo em uma república e que tenho direito a saber o que é feito com o poder que o Estado detém. Vou para dizer que não é possível viver em um país onde professores, médicos, radialistas, bancários e outros tantos entram para a política e poucos anos depois viram milionários. Vou para dizer que não quero financiar os empresários amigos do governo de plantão. Vou porque sou um cidadão e tenho direito de ir para onde quiser, não devo a explicações a governo nenhum, pelo contrário, os governos é que me devem explicações. Vou para dizer que já deu. Vou porque quero. 
O que querem os outros que estarão lá? Não é problema meu, cada um que vá ou fique por seus próprios motivos. Eu vou.

Hoje, após as manifestações, eu resumi tudo isto com o famoso "não pise em mim". Fui para avisar aos governantes que não pisem em mim.

Não me arrependo de ter ido. Vi uma multidão, a PM estima em 50 mil e há quem fale de 100 mil, que acredito que estava com o mesmo espírito que eu. Uma gente que foi acusada de pregar o ódio, muito embora não tenha um exército para chamar de seu, fez uma manifestação sem nenhuma ocorrência. O padrão foi o mesmo Brasil afora, mesmo em São Paulo, onde a PM estimou um milhão de pessoas, o clima foi de tranquilidade. É irônico que os nos acusam de pregar o ódio não faz muito tempo argumentavam que a violência é inevitável em grandes manifestações. Simbólico foi o espanto de uma repórter da Globonews com o tratamento dispensado a imprensa e a polícia por parte dos manifestantes, no lugar das tradicionais ameaças e agressões apareceram abraços, aplausos e fotos. Aqui em Brasília testemunhei o momento em que alguns jovens passaram com cartazes pró-governo e/ou pró-PT no meio dos manifestantes. Linchamento? Pancadaria? Não. Uma vaia. É muito ódio...

Não foi apenas uma multidão pacífica que vi. Hoje haviam várias ideias na Esplanada. Dos que estavam lá apenas para soltar o verbo contra um governo que está entre os piores da história republicana, caso em que me enquadram, aos que pediam o impeachment da presidente. Não vi referências a intervenção militar, pode ter sido por conta do local em que eu estava, mas não vi. Também não vi pedidos de reforma política, pelo contrário, fiquei com a impressão que quem estava lá não confia no atual governo para liderar tão importante reforma. Aliás esta é uma questão importante no atual momento político: confiança. Creio que muitos dos que perderam a paciência com o governo a ponto de vaiar entrevista de ministros estão irritados com o desapego do governo aos fatos e às próprias versões que criam dos fatos. Hoje um ministro dizia que as manifestações não eram golpismo, outro acusava os manifestantes de fascistas em ambos diziam falar em nome do governo e da presidente. O que esperar de um governo que passou a campanha inteira negando a existência de uma crise para agora, três meses depois de tomar posse, dizer que usou todo instrumental que tinha para a combater a crise que não existia?

Enfim, ainda estou perplexo com as multidões que foram às ruas. Sempre tive acostumado a estar na minoria que estranho quando vejo tanta gente pedindo o mesmo que eu. Ser um liberal e um individualista em um continente onde imperam o estatismo e coletivismo deixa suas marcas. Talvez por isto eu esteja tão surpreso, hoje é um dos raros dia que posso dizer que eu concordo e tenho o mesmo sentimento das massas nas ruas.


Antes que eu esqueça ou que algum outro ministro queira passar a mão nas manifestações. Não fui pela reforma política, não fui por mudanças no financiamento campanha e nem muito menos para mudar o sistema (seja lá o que for isto). Fui para dizer em alto e bom som, com razão ou sem razão, "Fora Dilma! Fora Dilma!"

sexta-feira, 13 de março de 2015

Para não dizer que não falei do câmbio

Devo começar confessando que não gosto de falar de câmbio, aprendi desde cedo que Deus inventou o câmbio para ensinar humildade aos economistas. O passar do tempo não me fez pensar diferente, testes mostram que jogando uma moeda para saber se o câmbio vai subir ou descer você estará tão bem servido quando usando modelos econômicos para prever o câmbio (se quiser saber mais a respeito ver aqui, para ter alguma esperança ver aqui). Normalmente quando falo de câmbio é para dizer que o Banco Central deve deixar o câmbio flutuar ou para pegar no pé dos amigos que acreditam que a desvalorizar o câmbio é o caminho para fortalecer a indústria e colocar a economia brasileira em um caminho de crescimento de longo prazo.

Salvo engano a última vez que falei de câmbio no blog (link aqui) foi para dizer que eu acreditava que a desvalorização do câmbio em meados de 2013 parecia não ser igual as outras e para criticar a estratégia do Banco Central de usar swaps cambiais para tentar “segurar” o câmbio. De fato a desvalorização não foi passageira, pelo contrário, e a estratégia do Banco Central está saindo muito cara. Resolvi voltar ao tema porque vários amigos têm me questionado a respeito do câmbio. Vale a pena comprar agora? A desvalorização é culpa do governo? A crise política está afetando o câmbio? São perguntas que tenho recebido. De saída respondo que não vou desafiar Deus e tentar prever câmbio, tenho juízo. Porém é possível tirar algumas conclusões observando o que está acontecendo em outros países. Para fazer as comparações usei os dados Bloomberg (link aqui).

A primeira comparação foi com o Euro e com o Peso Colombiano. Escolhi o Euro porque é uma moda forte que está desvalorizando diante ao dólar e o Peso Colombiano porque a Colômbia é um país que “fez o dever de casa” e usufrui de uma combinação de taxa de juros baixa e crescimento razoável, porém a Ecopetrol, estatal colombiana de petróleo, tem tido fortes perdas nos últimos seis meses. No período as ADR da Ecopetrol na Bolsa de Nova York caíram 58% contra 69% da Petrobras, em um ano a Ecopetrol caiu 60% contra 54%, porém em três meses a Ecopetrol caiu pouco menos de 10% contra quase 30% da Petrobras. Sendo assim a Ecopetrol não vive o drama recente da Petrobras, mas está em situação bem difícil justificando a escolha da Colômbio no primeiro grupo.

A Figura abaixo mostra a taxa de câmbio entre o Real (em todos os gráficos será azul), Euro (roxo) e Peso Colombiano (verde) e o Dólar. Repare que as três moedas se desvalorizaram fortemente nos últimos meses. É verdade que de fevereiro para cá o Real se desvalorizou em ritmo mais intenso que as outras moedas (repare que a curva azul fica mais inclinada que as outras), porém em um ano a diferença entre as três taxas é muito pequena. Isto quer dizer que está tudo bem? Não. Durante o último ano o Banco Central entrou várias vezes no mercado para impedir a desvalorização do Real, além de implicar em possíveis perdas financeiras a estratégia do BC sinaliza que a desvalorização do Real incomoda o governo. A razão do incomodo é que com inflação bem acima do teto da meta que já é alto e previsão de crescimento negativo (salvo mudanças metodológicas de última hora) o governo teme que a desvalorização do Real deixe a inflação ainda mais alta e force um aumento na taxa de juros no meio de uma recessão. Na Colômbia a inflação está na casa de 3% ao ano, isto permite acomodar a desvalorização se perder o controle da inflação, mas mesmo que um aumento de juros seja inevitável, por não estar em recessão a Colômbia não tem muito a temer. Fazer o dever de casa não impediu a desvalorização da moeda colombiana, mas deixou o país preparado para não sofre e, quem sabe, até se beneficiar da desvalorização. Na Europa é um pouco diferente, a inflação lá está próxima a zero mas eles não estão crescendo bem, com a inflação perto de zero há muito espaço para absorver a alta do dólar. Na verdade a desvalorização do Euro era esperada e até desejada pelo Banco Central Europeu.




O segundo grupo que usei para fazer comparações é formado por México (verde) e Chile (roxo). O Chile por ser sempre referência para América Latina e o México por ser um país que até mesmo a turma que se ofende com comparações na América Latina aceita que comparem com o Brasil. Até fevereiro as moedas do México e do Chile apresentavam um padrão de desvalorização não muito diferente da nossa moeda. A partir de fevereiro porém o Real descolou das outras moedas mostrando uma forte desvalorização. Se o primeiro grupo sugeria que a desvalorização do Real não era uma questão interna este segundo grupo sugere o contrário, eu avisei que câmbio é um bicho cheio de surpresas.




O próximo grupo tem o Japão (verde) e a Austrália (roxo). O Japão está na lista por ter feito políticas de estímulo nos moldes que a Europa está fazendo e a Austrália por ser um país grande e rico que é forte em commodities. A Austrália vinha colada no Brasil até fevereiro, em padrão similar ao do Chile e do México a partir de fevereiro a moeda da Austrália não acompanha a forte desvalorização do Real. No Japão é possível perceber uma desvalorização mais intensa que a nossa desde o começo da comparação, esta desvalorização fica mais forte em novembro e partir de dezembro fica mais ou menos estável. Assim como Chile, México e Austrália a moeda do Japão não apresentou a forte desvalorização que a nossa apresentou nos últimos meses.




O último grupo é o dos BRICS, como só podia colocar dois países além do Brasil escolhi Rússia (roxo) e China (verde). A moeda da Índia fica mais ou menos estável como a da China e a da África do Sul tem uma desvalorização mais forte a partir de fevereiro, porém bem menor que a do Brasil. Como a Figura mostra a China mantém sua moeda colada no dólar, uma prática já antiga por lá. Na Rússia ocorreu uma brutal desvalorização no final de 2014 e agora há uma valorização do Rublo. Como um país fortemente dependente do petróleo, mais do que o Brasil, a Rússia está sentindo a queda do preço do petróleo que somada as sanções por conta dos conflitos na Ucrânia pode explicar o que ocorreu por lá. A lição da China é quem tem poupança alta pode ignorar solenemente o que acontece no mundo e “escolher” o câmbio que desejar, não é nosso caso. A lição da Rússia é que problemas específicos do país podem levar a uma desvalorização brutal da moeda, muito maior do que a estamos vivendo aqui.




Analisar câmbio é tarefa ingrata, os exemplos deste post mostraram isto, porém se é para tirar conclusões eu diria que apesar de existir uma tendência de valorização do dólar no mundo nossos problemas internos podem estar influenciando a atual desvalorização do Real (antes de fazer o post eu estava convencido que fatores externos eram bem mais relevantes). Outra conclusão é que se tivéssemos feito o dever de casa com uma inflação entre 3% e 4% ao ano poderíamos estar tranquilos e ao governo poderia até mesmo estar comemorando a desvalorização do Real sem que o Banco Central estivesse operando para segurar o câmbio. Uma terceira e última lição vem do exemplo da Rússia, condições específicas ao país podem levar a uma desvalorização ainda mais forte de nossa moeda.



segunda-feira, 9 de março de 2015

Comentários a respeito do discurso de Dilma

Segue abaixo o discurso da presidente Dilma por ocasião da comemoração do Dia Internacional da Mulher. O discurso está em preto e meus comentários estão em azul, o link para o discurso está aqui.

Meus queridos brasileiros, e, muito especialmente, minhas queridas brasileiras.
Hoje é o Dia Internacional da Mulher. Falar com vocês mulheres - minhas amigas e minhas iguais - é falar com o coração e a alma da nossa grande nação. Ninguém melhor do que uma mãe, uma dona de casa, uma trabalhadora, uma empresária, é capaz de sentir, em profundidade, o momento que um país vive.
Mas todos sabemos que há um longo caminho entre sentir e entender plenamente. É preciso, sempre, compartilharmos nossa visão dos fatos. Os noticiários são úteis, mas nem sempre são suficientes. Muitas vezes até nos confundem mais do que nos esclarecem. As conversas em casa, e no trabalho, também precisam ser completadas por dados que nem sempre estão ao alcance de todas e de todos.
Concordo totalmente. Conversas e noticiários devem ser confrontados com dados, faço isto de forma recorrente aqui no Blog. Imaginei que após falar isto a presidente fosse apresentar e analisar dados para defender as teses que apresentava, ledo engano, a presidente acredita que noticiários, conversas em casa e conversas no trabalho devem ser complementadas por dados, mas o que ela fala não, afinal ela é a presidente. 
Por isso, eu peço que você - e sua família - me ouçam com atenção. Tenho informações e reflexões importantes que se compartilhadas vão ajudá-los a entender melhor o momento que passamos. E a renovar a fé e a esperança no Brasil! É uma boa hora para que eu tenha uma conversa, mais calma e mais íntima, com cada família brasileira - e faça isso com a alma de uma mulher que ama seu povo, ama seu país e ama sua família.
Vamos começar pelo mais importante: o Brasil passa por um momento diferente do que vivemos nos últimos anos. Mas nem de longe está vivendo uma crise nas dimensões que dizem alguns. Passamos por problemas conjunturais, mas nossos fundamentos continuam sólidos. Muito diferente daquelas crises do passado que quebravam e paralisavam o país.
A presidente afirmou que a crise não é tão grande como dizem alguns, ela não especificou quem, e sugeriu que a crise é menor do que as crises do passado. A maneira tradicional de avaliar crise econômica é pela taxa de crescimento do PIB, a figura abaixo mostra a taxa de crescimento do PIB entre 1947 e 2013. Os dados são do Ipeadata e correspondem a série de PIB real a preços de 1980, que é a série de PIB real elaborada e disponibilizada pelo IBGE.


Reparem em todo período nunca foi observado crescimento negativo por dois anos seguidos, repare também que depois da estabilização apenas em 2009 tivemos crescimento negativo, para os que não lembram 2009 foi o ano em que o mundo sentiu os efeitos da grande crise que estourou em setembro de 2008. Praticamente todos os analistas, no Brasil e no exterior, que se dedicam a projetar o crescimento da economia brasileira projetam crescimento negativo em 2014 e e 2015. Mesmo assim a presidente afirma que a crise não é tão grande e que as do passado eram piores. Definitivamente é bom olhar os dados.
Nosso povo está protegido naquilo que é mais importante: sua capacidade de produzir, ganhar sua renda e de proteger sua família. As dificuldades que existem - e as medidas que estamos tomando para superá-las - não irão comprometer as suas conquistas. Tampouco irão fazer o Brasil parar ou comprometer nosso futuro.
O governo insiste na tese que a manutenção do nível de emprego implica que tudo está bem, uma análise mais cuidadosa dos números mostra que a manutenção da taxa de desemprego decorre mais da saída de trabalhadores da força de trabalho do que da criação de novos empregos. Fiz uma análise detalhada dos números de emprego no ano passado (link aqui), de lá para as coisas pioraram muito, todo dia temos notícias de grandes demissões em diversos setores da economia. Infelizmente parece que a falta de dinamismo da economia brasileira começa a afetar a taxa de desemprego, em janeiro deste ano a taxa de desemprego foi de 5,3%, ainda um número baixo comparado a série histórica, porém maior que a de dezembro de 2014 (4,8%), o que não quer dizer muita coisa, e maior que a de janeiro de 2014 (4,8%) o que pode ser um significado mais sério. Curioso notar que a taxa de janeiro nos colocou muito próximos aos EUA onde a taxa de desemprego está 5,5%, porém caindo. 
A questão central é a seguinte: estamos na segunda etapa do combate à mais grave crise internacional desde a grande depressão de 1929. E, nesta segunda etapa, estamos tendo que usar armas diferentes e mais duras daquelas que usamos no primeiro momento.
Como assim segunda etapa de combate a crise? Lula não tinha dito que a crise era uma marolinha? Se Dilma sabia que estávamos migrando para uma segunda etapa de combate a crise não teria sido mais honesto ela ter dito isto na campanha? O que ocorreu no cenário internacional entre a campanha e hoje que a levou a deflagrar esta segunda etapa?
Como o mundo mudou, o Brasil mudou e as circunstâncias mudaram, tivemos, também, de mudar a forma de enfrentar os problemas. As circunstâncias mudaram porque além de certos problemas terem se agravado - no Brasil e em grande parte do mundo -, há ainda a coincidência de estarmos enfrentando a maior seca da nossa história, no Sudeste e no Nordeste.
Não sei dizer se a atual seca é a maior de nossa história, ela bem que poderia ter mostrado uns dados... 
Entre muitos efeitos graves, esta seca tem trazido aumentos temporários no custo da energia e de alguns alimentos. Tudo isso, eu sei, traz reflexos na sua vida. Você tem todo direito de se irritar e de se preocupar. Mas lhe peço paciência e compreensão porque esta situação é passageira. O Brasil tem todas as condições de vencer estes problemas temporários - e esta vitória será ainda mais rápida se todos nós nos unirmos neste enfrentamento.
Tenho direito de me irritar? Sério? Onde devo agradecer por tamanho direito? Eu fico irritado quando o Botafogo perde, quando pego trânsito inesperado ou quando meu avião atrasa. O que está correndo com o Brasil não me deixa irritado, não sei devo usar o adjetivo que me ocorre, mas a destruição de vários dos avanços econômicos duramente conquistados desde a estabilização e meu consequentemente empobrecimento me deixa mais alterado que uma derrota do Botafogo de virada para o Flamengo em um final de campeonato, imagino que eu não seja o único.
Não vejo uma razão para acreditar que a crise é passageira, segundo o último Relatório Focus publicado pelo Banco Central (link aqui) este ano vamos ter crescimento negativo e em 2016 vamos crescer 1,6%, um número extremamente baixo. Como já mostrei em outro post (link aqui) o crescimento previsto pelo Relatório Focus costuma ser menor do que o crescimento que de fato ocorre. Lembram no Jornal Nacional quando a presidente falou dos indicadores de antecedente? Pois é, ela bem poderia ter nos mostrados quais indicadores justificam a tese que a crise é passageira, talvez a questão esteja na definição de passageira...
Peço a vocês que nos unamos e que confiem na condução deste processo pelo governo, pelo Congresso, e por todas as forças vivas do nosso país - e uma delas é você!
União? Mal tem uma semana que o líder do partido da presidente nos ameaçava com o que ele mesmo chamou de "exército do Stédile". 
Queremos e sabemos como fazer isso, distribuindo os esforços de maneira justa e suportável para todos. Como sempre, protegendo de forma especial as classes trabalhadoras, as classes médias e os setores mais vulneráveis.Temos compromissos profundos com o futuro do país e vamos continuar cumprindo, de forma inabalável, estes compromissos.
Minhas amigas e meus amigos,
A crise afetou severamente grandes economias, como os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. Até mesmo a China, a economia mais dinâmica do planeta, reduziu seu crescimento à metade de suas médias históricas recentes. Alguns países estão conseguindo se recuperar mais cedo.
Até pensei em fazer um gráfico mostrando os números, mas o blog Dinheiro Público & cia fez um que cabe bem aqui.

O Brasil, que foi um dos países que melhor reagiu em um primeiro momento, está agora implantando as bases para enfrentar a crise e dar um novo salto no seu desenvolvimento. Nos seis primeiros anos da crise, crescemos 19,9%, enquanto a economia dos países da Zona do Euro, caiu 1,7%.
É verdade que nos saímos bem nos primeiro anos, antes do governo Dilma e da nefasta Nova Matriz Econômica, depois da tal matriz trazida pela equipe econômica de Dilma só deu desgraça. Poderia parar aqui, mas creio que é preciso falar mais. Não é novidade que é possível comprar a saída de uma crise, o problema é que no futuro a crise pode vir com mais força. Existe um bom debate a este respeito, para os interessados pela tese que defendo recomendo o texto do Gonzalo Fernández de Córdoba e do Timothy J. Kehoe (link aqui). Para os que não quiserem ou puderem ler o texto inteiro deixo aqui o último parágrafo:

"Studying the experience of countries that have experienced great depressions during the twentieth century teaches us that massive public interventions in the economy to maintain employment and investment during a financial crisis can, if they distort incentives enough, lead to a great depression. Those who try to justify the sorts of Keynesian policies implemented by the Mexican government in the 1980s and the Japanese government in the 1990s often quote Keynes’s dictum from A Tract on Monetary Reform: “The long run is a misleading guide to current affairs. In the long run we are all dead.” Studying past great depressions turns this dictum on its head: “If we do not consider the consequences of policy for productivity, in the long run we could all be in a great depression.”"
O texto é de 2009, a conclusão acima é consistente com as conclusões de um livro anterior que foi editado pelo Timothy Kehoe (um dos autores do textto que citei acima) e pelo Edward Prescott (Nobel de Economia em 2004) que analisa grandes depressões em vários países (link aqui). A constatação feita pela presidente de de que começamos bem e estamos terminando muito mal no combate a crise é compatível com a análise de outras grandes depressões. Infelizmente como a presidente aumentou ainda mais as distorções na economia em seu primeiro mandato ela acabou por agravar a crise que estamos vivendo.
Pela primeira vez na história, o Brasil ao enfrentar uma crise econômica internacional não sofreu uma quebra financeira e cambial. O mais importante: enquanto nos outros países havia demissões em massa, nós aqui preservamos e aumentamos o emprego e o salário. Se conseguimos essas vitórias antes, temos tudo para conseguir novas vitórias outra vez. Inclusive, porque decidimos, corajosamente, mudar de método e buscar soluções mais adequadas ao atual momento. Mesmo que isso signifique alguns sacrifícios temporários para todos e críticas injustas e desmesuradas ao governo.
Mentira, quando ocorrem crises nas economias ricas não é raro o Brasil ficar de fora. Durante a crise do petróleo em 1973 o Brasil cresceu acima de 5% ao ano, basta olhar o gráfico acima ou lembrar da infame "Este é um Pais que vai pra frente, ou, ou, ou, ou, ou" muito cantadona época.
Na tentativa correta de defender a população, o governo absorveu, até o ano passado, todos os efeitos negativos da crise. Ou seja: usou o seu orçamento para proteger integralmente o crescimento, o emprego e a renda das pessoas. Realizamos elevadas reduções de impostos para estimular a economia e garantir empregos. Ampliamos os investimentos públicos para dinamizar setores econômicos estratégicos. Mas não havia como prever que a crise internacional duraria tanto. E, ainda por cima, seria acompanhada de uma grave crise climática. Absorvemos a carga negativa até onde podíamos e agora temos que dividir parte deste esforço com todos os setores da sociedade.
Ver o gráfico com o crescimento de diversas economias e os comentários sobre os resultados do Timothy Kehoe a respeito de grandes depressões que estão acima.
É por isso que estamos fazendo correções e ajustes na economia. Não é a primeira vez que o Brasil passa por isso. Em 2003, no início do governo Lula, tivemos que tomar medidas corretivas. Depois tudo se normalizou e o Brasil cresceu como poucas vezes na história. São medidas para sanear as nossas contas e, assim, dar continuidade ao processo de crescimento com distribuição de renda, de modo mais seguro, mais rápido e mais sustentável.
Todo mundo que acompanha economia sabia que as medidas de ajuste eram necessárias, mesmo assim a senhora negou categoricamente a necessidade de tais medidas durante a campanha.
Você que é dona de casa ou pai de família sabe disso. Às vezes temos de controlar mais os gastos para evitar que o nosso orçamento saia do controle. Para garantir melhor nosso futuro. Isso faz parte do dia a dia das famílias e das empresas. E de países também. Mas estamos fazendo de forma realista e da maneira mais justa, transparente e equilibrada possível. As medidas estão sendo aplicadas de forma que as pessoas, as empresas e a economia as suportem. Como é preciso ter equidade, cada um tem que fazer a sua parte. Mas de acordo com as suas condições.
Donas de casa e pais de família? As feministas viram isto? Disseram alguma coisa?
Foi por isso, que começamos cortando os gastos do governo, sem afetar fortemente os investimentos prioritários e os programas sociais. Revisamos certas distorções em alguns benefícios, preservando os direitos sagrados dos trabalhadores. E estamos implantando medidas que reduzem, parcialmente, os subsídios no crédito e também as desonerações nos impostos, dentro de limites suportáveis pelo setor produtivo.
Estamos fazendo tudo com equilíbrio, de forma que tenhamos o máximo possível de correção com o mínimo possível de sacrifício. Este processo vai durar o tempo que for necessário para reequilibrar a nossa economia. Como temos fundamentos sólidos e as dificuldades são conjunturais, esperamos uma primeira reação já no final do segundo semestre deste ano.
Cortando gastos? Sacrifícios para todos? Em dezembro de 2014 o Tesouro autorizou mais de R$ 30 bilhões para o BNDES. Enquanto os sacrifícios para a plebe eram anunciados nos jornais os bilhões da corte estavam sendo garantidos. O link para notícia está aqui.
Mais importante, no entanto, do que a duração destas medidas será a longa duração dos seus resultados e dos seus benefícios. Que devem ser perenes no combate à inflação e na garantia do emprego. Que devem ser permanentes na melhoria da saúde, da educação e da segurança pública.
As medidas serão suportáveis porque além de sermos um governo que se preocupa com a população, temos hoje um povo mais forte do que nunca. O Brasil tem hoje mais qualificação profissional, mais infraestrutura, mais oportunidades de estudar e mais empreendedores. Somos a 7a economia do mundo. Temos 371 bilhões de dólares de reservas internacionais. 36 milhões de pessoas saíram da miséria e 44 milhões foram para a classe media. Quase dez milhões de brasileiras e brasileiros são hoje micro e pequenos empreendedores. E continuamos com os melhores níveis de emprego e salário da nossa história.
As medidas serão duras, mas os benefícios serão sentidos por um longo período, somos grandes e etc. Teria sido interessante ouvir isto na campanha, agora soa falso.

Minhas amigas e meus amigos,
O que tenho de mais importante a garantir, hoje, vou resumir agora.
Primeiro: o esforço fiscal não é um fim em si mesmo. É apenas a travessia para um tempo melhor, que vai chegar rápido e de forma ainda mais duradoura.
Ajustes fiscais são feitos para levar a economia a tempos melhores, muitos concordam com isto, Dilma é que não concordavam. Quem lembra da ministra da Casa Civil que criticava duramente o ministra da Fazenda por conta de ajuste fiscal? Aquele ministro que em 2003 que hoje a presidente elogia. Ainda não lembrou? Eu digo: foi Dilma. Se quiser refrescara a memória leia a reportagem intitulada "Confronto com Dilma leva Palocci a cogitar deixar o Governo" (link aqui). A ministra que via o ajuste fiscal como que um mal em si mesmo mesmo hoje já não o enxerga como um fim em si mesmo. Alguma explicação? Algum pedido de desculpas?
Segundo: não vamos trair nossos compromissos com os trabalhadores e com a classe média, nem deixar que desapareçam suas conquistas e seus direitos.
Já traiu. Foram retirados direitos relativos ao seguro desemprego e as pensões. Ah mas as medidas foram boas e/ou necessárias, alguém dirá. Você está dizendo isto para mim? Sério? Logo eu que digo que são necessárias reformas que tornem nossa previdência menos generosa desde o final do século passado? Logo eu que fui acusado de não respeitar os mais velhos por economistas e políticos ligados ao PT? Não perca seu tempo dizendo para mim, diga para a presidente que várias vezes negou a necessidade de tais mudanças e chamou de inimigos do povo que defendeu propostas na linhas das medidas que ela tomou.
Terceiro: não estamos tomando estas medidas para voltarmos a ser iguais ao que já fomos. Mas, sim, para sermos muito melhores.
As medidas estão tomadas porque não tem como não tomar. A Nova Matriz Econômica simplesmente não é mais viável e o governo foi obrigado a bater em retirada em direção ao velho tripé macroeconômico, tanto sofrimento desnecessário... Vamos ter tempos melhores? Espero que sim, mas se temos tempos tão ruins é porque abandonamos o bom caminho que vínhamos seguindo e começamos a seguir atalhos. Dilma participou do abandono, primeiro como ministra da Casa Civil e depois como Presidente da República.
Quarto: durante o tempo que elas durarem, o país não vai parar. Ao contrário, vamos continuar trabalhando, produzindo, investindo e melhorando.
O país não está parado, o país está andando para trás. Previsão de queda do PIB, a produção industrial caiu 3,5% nos últimos doze meses, demissões em massa... Não foi a senhora quem mandou olhar os números?
As coisas vão continuar acontecendo. Junto com as novas medidas, estamos mantendo e melhorando os nossos programas. Entregando grandes obras. Nossas rodovias e ferrovias, nossos portos e aeroportos continuarão sendo melhorados e ampliados.
Grandes obras? Como Belo Monte? Como a transposição do São Francisco? Foram dua ou foram três campanhas em cima das tais grandes obras? Não seria melhor entregar as obras antes de voltar a falar delas? Está ficando chato.
Para isso, vamos fazer, ainda este ano, novas concessões e firmar novas parcerias com o setor privado. Incluímos - e vamos continuar incluindo - milhões e milhões de brasileiros. Mas agora a inclusão tem que se dar, sobretudo, pelo acesso a melhores oportunidades e a serviços públicos de maior qualidade.
Este esforço tem que ser visto como mais um tijolo, no grande processo de construção do novo Brasil. Esta construção não é só física, mas também espiritual. De fortalecimento moral e ético.
Com coragem e até sofrimento, o Brasil tem aprendido a praticar a justiça social em favor dos mais pobres, como também aplicar duramente a mão da justiça contra os corruptos. É isso, por exemplo, que vem acontecendo na apuração ampla, livre e rigorosa nos episódios lamentáveis contra a Petrobras.
Por episódios lamentáveis acontecendo com a Petrobras a presidente quer se referir a compras suspeitas realizadas quando ela era presidente do Conselho da Petrobras? A presidente se refere a escândalos de corrupção que até agora já levaram para cadeia diretores da Petrobras indicados pelo governo dela? A presidente se refere as relações suspeitas entre a Petrobras e alguns políticos que fizeram que o Procurador Geral da República indicado por Dilma recomendasse abertura de inquérito contra algumas dezenas de políticos que estão na base de apoio do governo? Aparentemente a grana rolava tão solta que o procurador geral parece suspeitar que sobrou até um troco para um político da oposição. Será que a presidente se refere as estratégias desenvolvimentistas que aumentaram de tal maneira os custos e impossibilitaram a Petrobras de ter preços compatíveis com seus custos? Quem sabe ela esta falando da aventura irresponsável do pré-sal? Difícil dizer, são tantas possibilidades e episódios lamentáveis é uma expressão tão vaga...
Minhas amigas mulheres homenageadas neste dia,
Por último, quero anunciar um novo passo no fortalecimento da justiça, em favor de nós, mulheres brasileiras. Vou sancionar, amanhã, a Lei do Feminicídio que transforma em crime hediondo, o assassinato de mulheres decorrente de violência doméstica ou de discriminação de gênero. Com isso, este odioso crime terá penas bem mais duras. Esta medida faz parte da política de tolerância zero em relação à violência contra a mulher brasileira.
Espero que os condenados não venham a ter suas penas perdoadas a partir de decretos presidenciais...
Brasileiros e brasileiras,
É assim, com medidas concretas e corajosas, em todas as áreas, que vamos, juntos, melhorar o Brasil. É uma tarefa conjunta de toda sociedade, mulheres e homens. Tenho certeza que contará com a participação decisiva do Congresso Nacional, que sempre cumpriu com seu papel histórico nos momentos em que o Brasil precisou.
Temos que encarar as dificuldades em sua real dimensão e encontrar o melhor caminho de resolvê-las. Pois, se toda vez que enfrentarmos uma dificuldade pensarmos que o mundo está acabando - ou que precisamos começar tudo do zero - só faremos aumentar nossos problemas.
Precisamos transformar dificuldades em soluções. Problemas temporários em avanços permanentes.
Reconhecer a natureza das dificuldades e entender como contribuímos para a construção de nossos problemas é condição necessária para transformar dificuldades, temporárias ou não, em soluções. Se culpamos fatores externos por nossos problemas temos pouco a fazer se não se lamentar ou praguejar e amaldiçoar os outros.
O Brasil é maior do que tudo isso e já mostrou muitas vezes ao mundo como fazer melhor e diferente. Mais que nunca é hora de acreditar em nosso futuro. De sonhar. De ter fé e esperança.
Viva a mulher brasileira! Viva o povo brasileiro. Viva o Brasil!
Viva!
Obrigada e boa noite.