segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Até muito perto do final do ano mercado subestimou a inflação de 2014, mas se você ler alguns jornais ou blogs vai pensar que foi o contrário.

Um tema recorrente aqui no blog é a tentativa de se atribuir ao mercado um pessimismo militante a respeito da economia brasileira. Os motivos mudam de acordo com que acusa ou com o momento. Em um momento o pessimismo visa atingir a presidente, em outros momentos apenas o Ministro da Fazenda, em outro momento é uma conspiração para aumentar juros, um reflexo do preconceito da “elite branca paulista” contra Lula ou uma forma de ajudar o mesmo Lula em suposto conflito interno do PT. Não importa a razão, todas as acusações de pessimismo sofrem do mesmo mal de origem, simplesmente não batem com os dados.

Em abril do ano passado fiz um post aqui no blog mostrando que o mercado tende a errar prevendo inflação menos que a observada e crescimento maior que o observado (link aqui). Tratei do tema com mais cuidado em post que saiu no Economista X e mais uma vez mostrei que se o mercado pode ser acusado de algo seria de otimista (link aqui). Sei que estou repetitivo com esta conversa, mas vou votar mais uma vez ao assunto. Não será a última.

Com o fim do ano e a inflação ficando acima do centro da meta embora abaixo do teto superior da meta já esperava que voltasse a ladainha do mercado pessimista. Vi o assunto em alguns blogs governistas mas não achei que valia o esforço de mais um post explicando o engano, até porque desconfio que no caso de alguns blogs não é engano. Ocorre que no final de semana vi a história do mercado pessimista no artigo de Janio de Freitas, é bem verdade que de uma forma bem mais sofisticada do que nos blogs governistas, mas a tese é a mesma. Para que o leitor julgue se estou vendo fantasmas ou se realmente Janio de Freitas esqueceu de olhar os números antes de escrever transcrevo o trecho que me chamou atenção (o texto completo está aqui):

“No último dia útil da semana, o divulgado índice da inflação em 2014, de 6,41%, demonstrou: quem estava certo era Guido Mantega. Até muito perto do fim do ano, sua insistência em que a inflação ficaria abaixo do "teto" de 6,5%, fixado para o ano foi contestada ou posta em dúvida crítica.”

Me pergunto com quem Guido Mantega tanto insistiu e quem duvidou “até muito perto do fim do ano” que a inflação ficaria abaixo de 6,5%? A pergunta vem do fato que os números de expectativa de inflação divulgados pelo Banco Central e usado por 9 entre 10 analistas econômicos não dão suporte a história contada por Janio de Freitas.

Uma vez por semana o Banco Central divulga o Relatório Focus (link aqui), durante o ano de 2014 foram publicadas 52 versões do relatório. Apenas em uma das versões, a de 17/04, o relatório mostrou uma expectativa de inflação maior que 6,5% (foi de 6,51%), em todos os outros 51 relatórios a inflação prevista era igual ou inferior a 6,5%. Mais ainda, dos 52 relatórios apenas 20, menos da metade, mostraram inflação esperada superior a 6,41% que foi o valor observado. Todos os relatórios do mês de dezembro (“muito perto do final do ano”) mostraram uma inflação esperada de 6,38%, ou seja, até muito perto do final do ano o mercado apostava em uma inflação menor do que foi observada, se isso não for otimismo...

O gráfico abaixo tenta resumir o que está escrito acima. Em azul está a inflação esperada pelo mercado, de acordo com o Banco Central, em cada um dos 52 relatórios de 2014. Em laranja está o valor observado da inflação e em cinza está o teto da meta. Quando a linha azul está acima da cinza significa que o mercado esperava uma inflação superior ao teto da meta, note que só ocorreu uma vez, quando a linha azul está acima da linha laranja o mercado esperava uma inflação superior à que de fato foi observada. Note que “mito perto do final do ano” a linha azul está abaixo da laranja.




Por que tantos jornalistas insistem em uma tese que é facilmente desmentida por números disponibilizados na página do Banco Central? Tenho meus palpites, mas não arriscarei apresenta-los aqui, prefiro deixar uma provocação no ar. Será que alguns jornalistas e blogueiros querem boicotar o combate à inflação por odiarem os pobres? Saudades do tempo do Sarney onde pobres não andavam de avião e não compravam automóveis? Vai saber...



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