segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Padrões Regionais nas Eleições de 2014: Velhos Padrões ou Nova Geografia?

O padrão regional de votação entre governo e oposição foi objeto de discussão nessa e nas últimas duas eleições. O dado objetivo é que o governo tem tido melhor desempenho nas regiões mais pobres do país e a oposição tem sido vitoriosa nas regiões mais ricas. A figura abaixo ilustra esse fato. Na esquerda está o mapa eleitoral e na direita está o IDH dos municípios em 2010, fica claro que nas regiões com IDH mais altos (verde) a oposição teve um melhor desempenho enquanto nas regiões de IDH mais baixos (laranja/vermelho) o governo venceu.




Padrão semelhante foi observado nas eleições de 2010 e 2006: as regiões mais desenvolvidas escolheram a oposição e as mais pobres escolheram o governo, a figura abaixo mostra o mapa eleitoral de 2006 e de 2010 (os mapas foram obtidos aqui). Os resultados de 2006 estão à esquerda e os de 2010 estão à direita. Como pequenas variações, notadamente o Rio Grande do Sul e o norte de Minas Gerais, poder ser dito que o Centro-Sul do Brasil vota no PSDB e o Norte-Nordeste vota no PT. A teste mais popular para explicar esse fenômeno é que muitos eleitores no Norte-Nordeste (incluindo o norte de Minas) dependem dos programas sociais do governo, especificamente do bolsa-família, e por esta razão votam no governo. É uma tese poderosa que além de ter lógica interna é referendada pelos dados das três últimas eleições.


Porém creio que é possível existir outras explicações, acredito que existe uma tendência forte das regiões Norte e Nordeste votarem nos candidatos com mais chances de ganhar. É claro que pode ser o contrário e os candidatos escolhidos pelas regiões Norte e Nordeste acabarem tendo mais chances de ganhar, mas eu escolho a primeira direção: Norte e Nordeste escolhem votar em quem vai ganhar.Os dois mapas abaixo mostram os resultados das eleições de 1994 (esquerda) e 1998 (direita), notem que em ambas as eleições o Norte e o Nordeste escolheram votar no PSDB, em 1994 a força do PT vinha do extremo sul do país!


Mas em 1994 e em 1998 o Brasil (quase) todo votou em FHC, alguém pode dizer. Está certo, responderia eu. Infelizmente não achei mapas semelhantes para eleições anteriores a 1994. Achei uma página bem interessante com mapas eleitorais por estado para eleições mais antigas (link aqui), mas a corte por estado retira informações importantes, e.g. não diferencia o norte e o sul de Minas, e paras as eleições de 1989 só tem informações para o segundo turno onde Collor ganhou em praticamente todos os estados, Lula ganhou apenas no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, em Brasília e em Pernambuco. Nas eleições anteriores ao regime militar a maior parte dos estados do atual Nordeste votaram nos vencedores. Em 1945 todos menos Ceará, Piauí e Paraíba votaram em Dutra (PSD), os três em destaque votaram em Eduardo Gomes (UDN), em 1950 o Ceará e o Piauí continuaram com Eduardo Gomes (UDN), o Maranhão votou em Cristiano Machado (PSD) e os outros estados votaram em Vargas (PTB). Uma exceção à regra ocorreu em 1955, naquele ano a maioria dos estados do atual Nordeste (CE, PB, PE, AL e SE) votou em Juarez Távora (UDN), outros quatro (BA, PI, MA e RN) votaram em Juscelino Kubitschek (PSD), não sei ao certo, mas arrisco dizer que esta maioria em número de estados não representava a maioria da população. Em 1960 dos nove estados do atual Nordeste apenas três votaram no General Henrique Teixeira Lott, os outros seis votaram em Jânio Quadros. Chama atenção o fato de que em todas as eleições a Bahia votou no candidato vencedor, ou seja, a Bahia votou no PSD em 1945 e 1955, votou no PTB em 1950 e votou na UDN em 1960, ganhou em todas. No outro extremo o Ceará votou com a UDN em todas as eleições entre 1945 e 1960, só ganhou a última.

O leitor atento notou que pulei as eleições de 2002. Não foi por acaso, em 2002 o candidato do governo não era o favorito o que criou uma situação atípica, pelo menos no período pós 1989. Outro fator importante é que nas eleições de 2002 as lideranças tradicionais do Nordeste não apoiaram o candidato governista. Naquele ano os votos não obedeceram o claro padrão geográfico que apresentariam nos anos seguintes, a figura abaixo mostra o mapa eleitoral de 2002. Fica claro porém que, com exceção do Ceará que votou em Ciro Gomes, a maior parte dos estados do Nordeste votou em Lula. No segundo turno o Nordeste, e todo o Brasil menos Alagoas, votou em Lula.



Tenho mais dúvidas do que respostas, mas o fato da maior parte dos estados do atual Nordeste ter votado no candidato vencedor em praticamente todas as eleições desde 1945, a única exceção foi 1955, sugere que mais ou além do bolsa família o Nordeste escolhe votar no candidato que vai ganhar. Talvez por ser uma região pobre e temer ficar contra o governo federal, talvez por seguir lideranças que não querem ficar contra o governo federal ou por outros motivos o Nordeste é uma região governista por excelência. Desta forma eu diria que é preciso estudar mais os dados das últimas eleições antes de culpar o Bolsa Família pela derrota da oposição no Nordeste. A verdade é que o papel da ARENA, que vencia nos "grotões", hoje é ocupado pelo PT.

P.S.1. O único candidato derrotado que venceu no Nordeste, Juarez Távora, era nordestino, especificamente era cearense. Talvez isto diga algo a respeito de ter um nordestino na chapa da oposição.

P.S.2. Antes que alguém tenha a infeliz ideia de me acusar de ter algo contra o Nordeste aviso que, apesar de nascido no Rio de Janeiro, me considero e me apresento como cearense. Meu pai era cearense e três dos meus quatro avós eram cearenses, a única que não era nasceu em Juiz de Fora e foi criada no Ceará. O nome dela era Hortência Alencar e o pai dela era Meton de Alencar, quem é do Ceará entende o que significa, quem não é basta dizer que Fortaleza é chamada de capital Alencarina.



6 comentários:

  1. Excelente texto, professor.

    Já pode começar a dar aulas de ciência política também.

    Abraços

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  2. A analise é interessante e reflexiva, na questão presidência do Brasil/Nordeste.
    As pesquisas diziam que para governador da Bahia o eleito seria Paulo Souto(DEM), se o estado vota para quem está ganhando, o Souto era para ser o vencedor ou então pelo menos haver empate entre ele e Rui(PT).

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  3. Interessante conjectura. Mas na prática a associação bolsaXvotos é robusta - por exemplo, ela existe mesmo quando usamos apenas dados de municípios nordestinos (se a explicação fosse apenas inércia a associação bolsaXvotos desaparecia). Além disso existe uma associação negativa entre a votação em Dilma e o fato de o prefeito ser do PT. Se houvesse alguma índole governista seria de se esperar o contrário (embora aqui eu não tenha desagregado por região e olhado apenas o Nordeste - em retrospecto teria sido interessante). Bom, caveat: tudo isso com dados de 2010. Ainda não olhei os dados deste ano.

    Tá tudo aqui, para as noites de insônia: http://www.cesop.unicamp.br/site/htm/arquivo_artigo_revista.php?art=390

    Os dados e o código estão aqui, p/ quem quiser brincar:

    http://thiagomarzagao.com/papers/

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  4. Neste caso, seria interessante fazer uma correlação entre o resultado das pesquisas a nivel nacional e o resultado regional da votação efetiva?
    abcs Marcus

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  5. Roberto, vc poderia informar as fontes dos dados, achei interessante sua análise. Gostaria de analisar melhor os dados e a metodologia cartografica utilizada na representação. Desde já agradeço.

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    1. Os dados de IDH são do IBGE, os dados de eleições por município são do TSE e estão em vários sites na internet, para o post usei este: http://veja.abril.com.br/eleicoes/eleicoes-2010-municipios.shtml. Os dados das eleições mas antigas vieram de várias páginas na internet.

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