terça-feira, 30 de setembro de 2014

Notícias de Setembro de 2014

Assim termina o mês de setembro:


  • Bolsa recua mais de 11% no mês (link aqui).
  • O déficit primário de agosto foi R$ 14,5 bilhões. É o maior para o mês desde 2008, é a primeira vez que temos quatro meses seguidos de resultado negativo, além disso é o pior resultado da história para o acumulado no ano e em proporção ao PIB (link aqui). Carlos Hamilton, diretor de Política Econômica do BC, reconheceu o risco da política fiscal tornar-se expansionista. Conheço o Carlos Hamilton da época da EPGE, trata-se de um excelente economista que está na ingrata função de defender o indefensável, conheço o sentimento e como forma de solidariedade anuncio que reconheço o risco do Botafogo não ficar entre os quatro melhores do Brasileirão em 2014.
  • Governo arrecada 30% menos que o esperado no leilão da telefonia 4G (link aqui).
  • De acordo com a edição mais recente, 26/9, do Relatório Focus do Banco Central a expectativa de inflação para o ano é de 6,31%, a taxa de crescimento esperada é de 0,29%, espera-se uma queda de 1,95% na produção industrial (link aqui).
  • O dólar chegou a 2,45. Nada contra, sou da turma do câmbio flutuante, mas é fato que o BC está no mercado tentando segurar o dólar, a despeito do esforço o dólar desvalorizou aproximadamente 9,4% em um mês (link aqui). Em africâner alguém diria mislukking.
  • Criação de vagas em agosto é a pior da série histórica (link aqui) e apresenta recuo de 20% em relação a agosto de 2013. Ainda assim o ministro do trabalho viu os números como sinal que a economia brasileira não está bem (link aqui).
  • A balança comercial em agosto apresentou o menor superávit comercial nos últimos 13 anos, o feito só foi alcançado por conta da exportação de uma plataforma que nunca saiu do Brasil (link aqui). O saldo foi de US$ 1,16 bi e a plataforma foi exportada por US$ 1,11 bi.

Há quem prefira atirar no mensageiro e acusar de pessimista quem se limita a listar os fatos...



segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Tô com o Sachsida

Com a proximidade das eleições creio que é hora de listar meus motivos para votar e apoiar a candidatura do Adolfo Sachsida para Deputado Distrital. De início voto no Adolfo por conhecê-lo bem. Nos conhecemos em 1998 quando tomei posse no IPEA e fui trabalhar na Coordenação Geral de Finanças Públicas. Trabalhamos juntos, ficamos amigos e escrevemos dois trabalhos. Um sobre paridade descoberta da taxa de juros que foi publicado na Applied Economic Letters (Uncovered interest parity and the peso problem: the Brazilian case, link aqui) e outro sobre ciclos reais no Brasil que foi publicado na Revista Brasileira de Economia (Business cycle fluctuations in Brazil, link aqui), esse último estava (não sei se ainda está) entre os dez mais citados da história da RBE. Naquela época já via o Adolfo como o tipo do amigo que podemos contar mesmo nas horas mais difíceis. Certa vez o descrevi como o tipo de amigo que se te ver do outro lado da rua brigando sozinho contra cinco cara fortes atravessa a rua e já entra com uma voadora, não porque ele seja particularmente forte e vá bater nos caras, mas por ser do tipo que prefere apanhar com um amigo que seguir adiante e fingir que não viu, até hoje mantenho a descrição.

Depois de trabalharmos no IPEA cada um seguiu seu caminho. Ele foi para Universidade Católica de Brasília (UCB) onde ajudou a consolidar o Programa de Pós-Graduação em Economia, inclusive criando o curso de doutorado em economia da UCB. Eu fui para a UnB onde acabei virando coordenador de pós-graduação em uma época onde o tradicional Programa de Pós-Graduação em Economia da UnB vivia momentos difíceis, em grande parte por conta de desentendimentos internos. Viramos "concorrentes", mas sempre estivemos prontos a nos ajudar, quero crer que deu certo. A Católica consolidou a Pós-Graduação em Economia que chegou a ser avaliada como muito boa pela CAPES, o Programa de Pós-Graduação em Economia da UnB voltou a ser avaliado como centro de excelência. Na sequencia o Adolfo foi para os EUA, onde lecionou na Universidade do Texas, e voltou para o IPEA. Eu estou na UnB até hoje, atualmente sou diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da UnB (FACE/UnB). Neste trajeto Adolfo consolidou sua posição como um dos pesquisadores brasileiros mais produtivos na área de economia, foram 53 artigos publicados entre 2000 e 2013, a maioria no exterior.

Se isso não fosse o suficiente para justificar meu voto ainda tem o fato do Adolfo ser um liberal que compartilha várias ideias comigo. Acreditamos no mercado e na livre inciativa como a melhor forma de coordenar a atividade econômica, acreditamos que valores morais são importantes (embora discordemos sobre quais valores e no papel do estado para impor tais valores) e que todos os indivíduos são iguais e devem responder por seus atos (para o bem e para o mal), acreditamos que as sociedades ocidentais representam a melhor forma de organização social já criadas pela humanidade e que os fundamentos destas sociedades devem ser espalhados pelo mundo, acreditamos na importância da família como célula fundamental da sociedade e como responsável pela formação de valores (embora possamos discordar sobre o que vem a ser uma família), por último mas não menos importante, somos Cristãos e acreditamos que a boa nova trazida por Cristo deve ser espalhada pelo mundo.

A lista de motivos já está grande, porém incompleta. Tem um último ponto que eu gostaria de registrar. Gosto de política, acompanho a política brasileira e internacional desde muito jovem, sou do tipo que gosta de ler discursos e coisas assim. Apesar de tudo tenho muito respeito pela política, acredito piamente que a única alternativa à política é a força e a consequente barbárie. Na condição de alguém que gosta de política muito me entristece o baixíssimo nível de nossos políticos atuais. Não é um problema cultural ou de falta de educação, já tivemos grandes políticos e oradores tanto na esquerda quando na direita. Carlos Lacerda, Getúlio Vargas, San Tiago Dantas, Darcy Ribeiro, Roberto Campos, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Afonso Arinos e tantos outros já ocuparam assentos no nosso Congresso que hoje recebe figuras que mal conseguem apresentar e concatenar as ideias que dizem defender, isto quando se dão ao trabalho de dizer quais ideias defendem. Em tal ambiente ver um cidadão com a formação e com a história do Adolfo Sachsida topar entrar no jogo eleitoral é motivo de esperança. Em nome desta esperança não só voto no Adolfo como peço aos amigos que votem nele.


domingo, 28 de setembro de 2014

Grau de Abertura e Desempenho Econômico no Brasil, na Rússia, no México e no Chile: Um Contraponto ao Ministro do Desenvolvimento

Já tinha visto em comentários no FB e em outros espaços virtuais argumentos que tentam culpar a abertura da economia pelo baixo crescimento, pela redução da participação da indústria de transformação no PIB e pela que saldo comercial. Porém o que era “coisa de internet” ganhou tons oficiais quando Mauro Borges, Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), resolveu usar do argumento da abertura em entrevista à Folha de São Paulo (link aqui). De saída deixo claro que tenho grande admiração por Mauro Borges e que se é para ter um desenvolvimentista no MDIC que seja ele. Dito isso não posso deixar de registrar minha discordância em relação à fala do ministro. Durante a entrevista foram feitas várias críticas mais ou menos veladas à abertura comercial, mas a passagem que motivou este post foi quando o ministro respondeu a questão sobre a queda do superávit comercial no governo Dilma e culpou o fato de sermos uma economia “relativamente aberta”. Ressalto que, hábil no uso das palavras, o ministro colocou o relativamente, mas a estrutura dos argumentos deixa claro que o ministro dá um peso significativo a abertura para explicar nossos problemas.

Os que acompanham o blog sabem que minha explicação para nossas mazelas econômicas, inclusive o fim do superávit comercial, é de outra natureza. Ao estimular a demanda em uma economia com restrição de oferta o governo induz o aumento dos preços, daí a inflação resistente, e faz com que a demanda seja atendida por produção externa, visto que a produção interna não tem como ser expandida para atender à demanda. Essa explicação também justifica a manutenção do emprego, até que as distorções comecem a retrair a oferta, e o baixo crescimento. Pois bem, não vou entediá-los ainda mais com considerações teóricas sobre a origem de nossos problemas, os interessados podem ver aqui ou em outros posts do blog. Vou comparar países que é um exercício mais interessante para posts de blogs.

Para efeitos de comparação escolhi Chile (minha carta favorita), México (exemplo do ministro) e Rússia (para ter um BRIC e não ser acusado de apelar com Índia e China). Antes que alguém venha com a conversa que não pode comparar Brasil com outros países da América Latina, particularmente o Chile, por sermos uma economia industrializada e coisa e tal peço que leiam o posto sobre o assunto (link aqui) ou que tenham em mente que a participação da indústria de transformação no PIB do Chile é de 11,48%, não muito diferente do Brasil, no México é de 17,76% e na Rússia é de 14,77%. A ideia é comparar os graus de abertura e os saldos de bens e serviços dos quatro países. Para isso usei os dados do Banco Mundial (aqui e aqui), o grau de abertura foi calculado como a soma das importações e das exportações como proporção do PIB, o saldo foi calculado como a diferença entre essas mesmas variáveis.

A figura abaixo mostra o grau de abertura nos quatro países, fica claro que o Brasil é bem menos aberto que os outros. Em 2013 o grau de abertura do Brasil foi 27,6% contra 65,3% do Chile, 64,2% do México e 50,9% da Rússia, na média do período o grau de abertura do Brasil foi de 25,6%, o do Chile foi de 68,3%, o do México foi de 56,6% e o da Rússia foi de 55,3%. Desta forma é possível dizer que no período 2000 a 2013 o grau de abertura do Brasil foi menor que a metade do segundo mais baixo da amostra, o da Rússia. A partir destes números fica difícil dizer que o Brasil é uma economia aberta, mesmo colocando o relativamente, me parece inadequado. Mais apropriado seria dizer que é uma economia relativamente fechada.



É possível relacionar o grau de abertura com o desempenho do saldo de bens e serviços  e com o desempenho da economia? Afinal, essa foi a sugestão do ministro e é exatamente o que quero questionar. Comecemos pelo desempenho da economia. A figura abaixo mostra a evolução da renda per capita corrigida por paridade do poder de compra, novamente usei dados do Banco Mundial (link aqui). Entre 2000 e 2013 o país que mais cresceu foi a Rússia e depois o Chile. No mesmo período o grau de abertura da Rússia foi quase o dobro do grau de abertura do Brasil, o grau de abertura do Chile foi ainda maior que o da Rússia. O Brasil cresceu mais que o México, sendo que o grau de abertura do último é maior que o da Rússia e menor que o do Chile. Se grau de abertura impedisse crescimento seria de se esperar que o Brasil fosse o país com maior crescimento dos quatro, não foi.



O resultado muda depois da crise? Muda. A figura abaixo mostra a renda per capita dos quatro países depois da crise. Note que o Chile, país com maior grau de abertura do quatro foi o que mais cresceu no período posterior a crise. Novamente o desempenho do Brasil é pior que o da Rússia e comparável ao do México. Como concluir que o Brasil é uma economia relativamente aberta? Mais grave, como a partir desta conclusão culpar a abertura pelo desempenho da economia?



Falemos agora da balança de bens e serviços. É fato que Rússia e Chile tiveram queda no resultado externo, nos dois países a queda vem de antes da crise. Nos dois países é possível que a queda esteja relacionada ao setor externo, afinal são economias “relativamente” abertas, mas no Brasil? Considere que em 2007, ano anterior à crise, as exportações brasileiras eram 13,4% do PIB e em 2013 foram de 12,6% do PIB, isso mesmo, a queda nas exportações entre 2007 e 2013 correspondeu a menos de 1% do PIB. Ainda não está satisfeito? Em 2010, ano em que a economia cresceu mais de 7%, as exportações foram 10,9% do PIB. A verdade é que durante o governo Dilma as exportações aumentaram em relação ao PIB. A redução do saldo na balança de bens e serviços não decorre de queda nas exportações, decorre de aumento das importações. Então o ministro está certo quando afirma que empresas estrangeiras estão tomando mercado das empresas nacionais? Não creio. Se fosse o caso deveríamos estar vendo um aumento do desemprego, a tese que as empresas estrangeiras estão atendendo a demanda criada pelo governo e que as empresas locais não conseguem atender me parece mais convincente. Até porque boa parte do aumento das importações vem do petróleo...

A figura baixo ilustra o saldo de bens e serviços dos quatro países. Repare que o único que não caiu foi o México, exatamente o país que o ministro aponta como mau exemplo e o país que aumentou de forma significativa o grau de abertura depois da crise. Mais uma vez fica difícil defender a tese que o comércio exterior é o culpado de nossos males.



Enfim, o post foi um exercício para ilustrar o que considero um erro de diagnóstico do ministro Mauro Borges. O risco é que enquanto persistirmos no diagnóstico errado nossos problemas não serão resolvidos. Para terminar com uma provocação pergunto se faz sentido um governo que apresentou a vinda da Foxconn como trunfo de política econômica acusar alguém de querer transformar o Brasil em um país de maquiladoras? Não me entendam mal, não tenho nada contra a Foxconn montar produtos eletrônicos em terras tupiniquins, mas também não faço apologia à indústria nem muito menos defendo política industrial.





sábado, 27 de setembro de 2014

Dois Toques: Crescimento e Saque do Fundo Soberano

Tenho andando atarefado e sem tempo para comentar o tanto de coisas que estão acontecendo na economia. Aproveito o sábado para registrar dois temas que foram discutidos durante a semana. O primeiro, que nunca sai de pauta, diz respeito ao crescimento. Governistas insistem em colocar no resto do mundo a culpa pelo baixíssimo crescimento da economia no governo Dilma. Chega a ser ridículo que um dos países mais fechados do mundo culpe a falta de demanda externa pelo baixo crescimento, mais ridículo do que isso só um governo que em 2013 previu um crescimento real de 4% para 2014 (link aqui) culpe uma crise que começou em 2008 por um crescimento de menos de 0,5% (a mediana das previsões está em 0,3%) em 2014.

Para os que ainda têm dúvidas quanto ao caráter local de nossa crise gostaria de mostrar um par de gráficos que fiz para uma palestra na embaixada do Reino Unido aqui em Brasília. O primeiro mostra o crescimento de Brasil, Chile, Rússia, EUA e Reino Unido entre 2000 e 2011, o segundo mostra o crescimento dos mesmos países entre 2011 e 2014 (dados do FMI). Os países foram escolhidos de forma a comparar o Brasil com um país da América Latina, um dos BRICS (colocar a China poderia parecer apelação), com os EUA (economia líder) e com o Reino Unido (anfitrião do evento). Entre 2000 e 2011 crescemos mais que Reino Unido e EUA e menos que Rússia e Chile. Um resultado esperado, se considerarmos os avanços sociais um bom resultado. Estávamos nos aproximando dos países ricos, mais lentamente que Rússia e Chile, mas a passos firmes. Do Chile já falei aqui, sobre a Rússia falarei outro dia, apenas registro que estamos bem à frente dos russos na consolidação de nossa democracia. Quando olhamos para o período 2011 a 2014 continuamos atrás do Chile e da Rússia, até aqui tudo bem, mas ficamos atrás dos EUA e, pasmem, do Reino Unido. No governo Dilma nós voltamos a nos distanciar da economia líder, pior, crescemos menos que o Reino Unido, um país rico e bastante atingido pela crise. Se mesmo assim o governo insiste em culpar a crise por nossos problemas eu só tenho a lamentar e esperar que a fase da negação passe logo, existe uma alta probabilidade da presidente ser reeleita e é impossível corrigir erros não reconhecidos.




O outro ponto diz respeito ao saque do fundo soberano. Quase tudo que eu poderia dizer foi dito pelo excelente blog Beyond BRICS do FT no texto onde definiu de forma brilhante a economia brasileira com em stagno-squeeze (algo como espremendo para tirar a última gota), link aqui. Destaque para o estranho fato de o Brasil ter um fundo soberano sem ter superávit, ou seja, se endividou caro para aplicar barato. Como bem resumiu Allan Lopes no comentário no FB: “Governo pegou dinheiro no cheque especial pra botar na poupança, agora tá sacando da poupança pra fazer mais gastos, num período de inflação já fora do limite superior da meta. Genial.”. É por aí. Mas tem um ponto que não está no FT e que faz tempo eu quero comentar, trata-se de fazer justiça aos amigos keynesianos de carteirinha, daqueles que acreditam que política fiscal pode gerar crescimento até mesmo no longo prazo.

A base para defender política fiscal como forma de estimular o crescimento é a ideia de garantir aos empresários a demanda futura para os investimentos. Por esta lógica o empresário não investe por temer falta de demanda no futuro, então o governo diz que ele pode investir que o gasto público garante a demanda. Não concordo com nada desta ideia e devo dizer ao leitor que os principais autores keynesianos modernos, chamados de novos-keynesianos, não acreditam que isto funcione no longo prazo,  vários não defendem este tipo de lógica nem mesmo no curto prazo. Ao expandir o gasto, aponto de ter de sacar do fundo para tentar fechar a conta, e simultaneamente negar que está expandindo gastos e anunciar insistentemente corte de gastos o governo destrói qualquer possibilidade de estimular o investimento via política fiscal. É como dizer para o empresário: investe agora que o gasto está alto que quando você estiver produzindo eu corto o gasto e tiro sua demanda. Claro que na minha avaliação uma política de aumentar os gastos e anunciar que os gastos permanecerão altos seria tão desastrosa quanto a atual, mas eu não me pretendo keynesiano, nem novo, nem velho, nem pós, nem neo... também não culpo os outros por meus erros.




sexta-feira, 19 de setembro de 2014

"Nada de Novo no Front" ou "A Provocação Continua"

Ontem fiz um post com uma provocação a partir de dados da PNAD 2013, a provocação consistiu em dizer que o fim do processo de desconcentração de renda era devido às políticas econômicas do governo Dilma. Hoje o IBGE revisou os dados e os novos dados mostraram uma leve queda na concentração de renda, alguns amigos já vieram com a contra-provocação. É justo, muito justo, justíssimo... Mas devo avisar aos amigos que a essência da provocação não muda, ainda é visível que a queda da concentração de renda perdeu força no governo Dilma. O gráfico abaixo mostra a série original do IBGE, a série corrigida hoje e a série caso o governo Dilma tivesse conseguido manter a tendência pré-Dilma.



Fica claro que a linha verde, a que extrapola a queda do Gini entre 2001 e 2010 para 2013 está bem abaixo da linha vermelha, que seria o Gini oficial (válido até hoje, 19/09/2014, porém pode mudar a qualquer momento). Lamento mas a provocação continua, o novo número não muda a essência do problema. Não há nada de novo no front... nem os erros nas divulgações das pesquisas é algo novo.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

PNAD 2013: Fim de uma Era?

Comecei este blog em julho de 2013, na época disse que estava fazendo o blog como minha pequena contribuição para denunciar a reversão da política econômica inciada de forma modesta por Lula em 2005/06 e aprofundada por Dilma em 2011, se alguém quiser ver o post de abertura e apresentação do blog o link está aqui, para os que não tem paciência para tanto eu destaco um trecho daquele post de abertura do blog:

"A estabilidade econômica foi considerada um valor em si, as privatizações foram feitas, iniciou-se um processo de abertura da economia e uma agenda de reformas buscando a eficiência. O resultado foi um período de crescimento modesto, porém maior que o dos anos 1980, e um processo de desconcentração de renda sem paralelos em outros períodos com disponibilidade de dados. Pela primeira vez em muitos anos os pobres participavam dos ganhos gerados pelo crescimento. A reversão destas políticas coloca em risco todas estas conquistas." 
De lá para cá coreu mais de um ano e blog teve mais de cem mil acessos, o governo Dilma, acuado pelo povo nas ruas, perdeu a confiança nas suas decisões de 2011 e mostrou sinais que poderia recuar nas contra-reformas, mas ficou no meio do caminho. Desistiu de encontrar o câmbio de equilíbrio da indústria, os que bem querem ao Brasil disseram para desistir da busca inútil, mas o governo demorou a desistir. Insistiu no uso de transferências de renda para indústria e apostou em uma estratégia sem pé nem cabeça de aumentar o gasto e tentar esconder o aumento da população, uma medida que, para dizer o mínimo, foi idiota. Ameaçou combater a inflação, mas acabou recuando e ficou em um perigoso meio do caminho. Os resultados da aventura econômica do governo estão em praticamente todos os indicadores econômicos: o menor crescimento desde a estabilização, o primeiro governo a ter uma inflação média maior que o anterior desde a estabilização, redução na taxa de investimento, aumento do déficit público, aumento da dívida pública e tantos outros indicadores preocupantes que frequentam as estatísticas oficiais. Faltava cair um bastião: o lado social. Os números da PNAD mostram um aumento do desemprego e o fim da queda na concentração de renda, o último bastião parecer estar caindo (link aqui). O gráfico abaixo mostra a parada no processo de concentração de renda durante os três primeiros anos do governo Dilma.




A redução do emprego pode não ser uma notícia ruim, é preciso olhar os dados com cuidado, se a redução decorrer de jovens saindo do emprego para estudar por mais tempo a notícia é boa. O fim da queda da concentração de renda me parece um resultado pior e mais difícil de explicar para o governo. Pior porque o governo se apresentava como um governo que iria reduzir a concentração de renda, difícil de explicar porque se eu e muitos outros críticos do desenvolvimentismo estivermos certos foi a política que Dilma aprofundou em 2011 que causou o fim da queda da concentração de renda. A verdade é que, gostem ou não, desenvolvimentismo implica em transferência de renda para indústria e, na sua vertente brasileira, implica em muita transferência de renda para os industriais. A transferência de para os industriais enriquece os 1% mais ricos (tratei do tema aqui) mas não necessariamente leva a um aumento da concentração de renda. É a transferência de renda para a industria que gera uma força significativa na direção do aumento da concentração de renda, o motivo é simples, os trabalhadores da indústria (colarinhos azuis ou brancos) recebem salários maiores que os salários recebidos pela média dos brasileiros. Transferir recursos para a industria é transferir renda para faixas de renda mais altas, eis uma verdade inconveniente que os desenvolvimentistas se esforçam para ocultar. Infelizmente nomes bonitos, leis e teoremas não mudam a realidade, os números da PNAD mostram isto.



quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Provocações de uma Noite Calorenta ou Eles não Cansam do Câmbio?

Acabei de terminar um parecer para o Conselho Administrativo da UnB, minha esposa está assistindo um filme, mas como perdi mais da metade não quis assistir, então, entediado em uma noite calorenta de Brasília, resolvi fazer uma provocação gratuita, barata e desnecessária (mas nem tanto) a alguns colegas. Olhem o gráfico abaixo:





Trata-se do saldo em transações correntes da economia brasileira, para não economistas grosso modo valores negativos representam o quanto de dinheiro temos de pegar no exterior para fechar nossas contas aqui no Brasil. Reparem que o valor mais baixo na série ocorre em 1983. Não é por acaso, no final da década de 1970 o mundo entrou em recessão por conta do Segundo Choque do Petróleo, mas o Brasil decidiu que não queira uma recessão e tratou de “comprar” a saída da crise, afinal a estratégia parecia ter dado certo no início da década de 1970 quando do Primeiro Choque do Petróleo. Para isso precisou se financiar no exterior, em 1983 esse financiamento ultrapassou 6% do PIB. Como ninguém pode se endividar para sempre era necessário reverter a tendência e ainda conseguir um extra para pagar a dívida acumulada.

A equipe econômica da época, então capitaneada por Delfim Netto, teve então uma daquelas ideias simples, claras e desastrosas. A lógica foi mais ou menos assim: temos que conseguir dólares, portanto temos de exportar, logo uma grande desvalorização do câmbio resolveria nossos problemas. Segundo esta lógica o câmbio desvalorizado estimularia as exportações e de quebra ainda dificultaria as importações o que, além de gerar caixa em dólares, seria um bom estímulo para a indústria nacional. Com esta certeza Delfim protagonizou o que foi para a história como a Maxi do Delfim (para um relato da época ver aqui), o então cruzeiro, nossa moeda da época, foi desvalorizado em 30%! Na sequência o déficit em transações correntes de fato foi revertido (as razões são motivos para outro post), mas tivemos mais de uma década de hiperinflação e estagnação, iniciou-se o processo de redução da participação da indústria de transformação no PIB e ainda vimos um aumento da concentração de renda. Como desgraça pouca é bobagem também decretamos moratória, salvo engano em 1987. Quase que literalmente matamos o paciente para curar a doença.

No final de década de 1999 vimos aparecer novamente o fantasma da crise externa, o déficit em transações correntes se aproximava de 5% e a trajetória de queda lançava temores que poderiam voltas aos níveis do começo da década de 1980. Não faltaram os que pediam uma nova (maxi)desvalorização, agora do Real, para resolver o problema. Porém a equipe econômica de 1999, capitaneada por Pedro Malan e com papel fundamental de Armínio Fraga, não caiu na tentação da saída fácil e potencialmente desastrosa de desvalorizar o câmbio. No lugar disto adotou o famoso Tripé Macroeconômico com o câmbio flutuante, a busca pelo ajuste fiscal e o regime de metas de inflação. Imagino ter sido uma escolha difícil, até hoje os responsáveis por esta decisão são acusados de inimigos do povo e outros impropérios, entre os acusadores é possível encontrar os que causaram a grande depressão e a hiperinflação da década de 1980. De saída o Tripé parecia que não ia funcionar, aconteceu uma desvalorização do câmbio, porém levada pelo mercado e não decidida pelo BC, e o saldo em transações correntes começou a subir. Mas a alegria durou pouco, em 2001 o problema estava de volta fazendo com que Fernando Henrique Cardoso declarasse que o novo grito de independência era “exportar ou morrer” (link aqui). Mas o governo persistiu com o Tripé, mesmo em 2002 quando ocorreu uma grande desvalorização do Real e a inflação parecia estar de volta o governo persistiu com o Tripé. Os resultados começaram a aparecer...

A grande surpresa veio em 2003, para espanto de muitos (inclusive deste blogueiro) o governo Lula manteve o Tripé, na realidade aprofundou e reforçou a política que vinha sendo implementada desde 1999. O ajuste fiscal de 2003 foi um dos maiores da história recente, o Banco Central, agora presidido por Henrique Meirelles, teve liberdade para agir contra a inflação e assim fez. Até o vice-presidente da república, José Alencar, reclamou publicamente do aumento dos juros, mas Lula não desautorizou Palocci, seu Ministro da Fazenda, nem o BC. Ainda em 2003 o saldo em transações correntes se tornou positivo, seguindo tendência que vinha desde 2001. Na sequência tivemos crescimento, inflação controlada, distribuição de renda e redução da pobreza, é fato que a indústria continuou crescendo menos que o PIB, mas isto já vinha desde meados da década de 1980.

Em 2005 o governo começou a muda o discurso e retomar algumas ideias desenvolvimentistas, timidamente, mas para um paranoico como eu já era bem concreto. Na minha avaliação o PAC foi a senha que acenou para a mudança no discurso (um registro de minha preocupação em maio de 2008 está aqui). Com a crise de 2008 a ideia do governo estimular a economia virou dominante. O saldo em transações correntes, que já vinha caindo, ficou novamente negativo, mas a economia crescia e os que alertaram passaram por pessimistas incorrigíveis. Em 2014 vemos que o saldo em transações correntes continua caindo, a estabilidade do último período pode decorrer mais de criatividade do que de ajustes na economia, novamente vemos o discurso do câmbio. Vale lembrar que no começo do governo Dilma o câmbio estava em R$ 1,60, chegou a R$ 2,40 e agora está em R$ 2,30, uma desvalorização de mais de 40%! Mesmo com esta gigantesca desvalorização sem efeito aparente tem ex-ministro pedindo câmbio acima de R$ 3,00 (ver aqui) com o argumento de que é preciso reverter o déficit em transações correntes, talvez não por acaso na época que o atual ex-ministro estava no cargo o Brasil vivia uma hiperinflação.

Depois de toda esta história, que nada mais é que uma provocação de um sujeito calorento e entediado, me pergunto qual será a estratégia para o próximo ano. Vão apostar na saída mágica da desvalorização cambial? Vão fazer os ajustes necessários? Aprendemos algo? Esquecemos algo?





quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Os Lucros dos Bancos e a Taxa de Juros

Se existe uma tese persistente no debate político e econômico brasileiro é que os bancos são os grandes beneficiários dos juros altos. É fácil entender a razão da tese: como pagamos juros aos bancos acreditamos que quanto maiores os juros mais os bancos lucram. Atualmente esta tese é explorada no debate político por conta da proposta da candidata Marina Silva de dar independência ao Banco Central. Os críticos dizem que o BC independente aumentaria os juros por conta de pressão dos banqueiros em busca de lucros altos e fáceis. Devo alertar ao leitor que o debate a respeito da independência do Banco Central é um debate complexo. Eu sou favorável à existência de um BC independente, dito isto eu reconheço argumentos válidos tanto dos que são contra a independência do BC quanto dos que são contra a existência do BC. O que vou explorar neste post é a tese que bancos são os grandes ganhadores quando a taxa de juros aumenta.

Existem duas questões que me incomodam na tese. A primeira é que bancos são intermediários, recebem juros dos que pegam dinheiro emprestado e pagam juros aos que emprestam dinheiro aos bancos. Sendo assim não é óbvio que o aumento dos juros aumente os lucros dos bancos, isto só acontecerá se os bancos conseguirem repassar o aumento dos juros mais algum adicional para os que pegam dinheiro emprestado. Dada a concentração do mercado bancário brasileiro é bem possível que isto aconteça, mas aí a solução seria combater a concentração no mercado. Outro ponto, mais relacionado à macroeconomia, é que tipicamente o BC aumenta juros como forma de combater a inflação. Se existe uma coisa que traz lucro para bancos é inflação alta, o motivo é que os bancos recebem um enorme volume de dinheiro sem pagar juros nenhum. O dinheiro que está na minha conta corrente, na sua também, não rende juros algum, não obstante os bancos emprestam parte deste dinheiro e ganham juros com isto. Como a inflação é facilmente repassada para os juros dos empréstimos quanto maior for a inflação maior será o ganhos dos bancos com estas operações. Os que já passaram dos quarenta devem lembrar que nos anos 80 e 90 diziam que os bancos jamais permitiriam o fim da inflação porque seria o fim do dinheiro fácil deles. Vejo mais sentido nesta afirmação do que na afirmação que os bancos não permitem a queda dos juros.

Cheio de dúvidas eu resolvi me aventurar nos números. Não sou especialista em finanças e, por conta disto, tive algumas dificuldades de encontrar os dados que eu precisava para o post. Depois de algum esforço buscando os dados eu escolhi trabalhar com duas medidas que estão disponíveis na página do Banco Central e que são amplamente utilizadas por analistas financeiros interessados em avaliar o retorno de uma empresa. A primeira é chamada de RoE (Return on Equity) e mede o retorno sobre o capital próprio, a segunda é chamada RoA (Returno n Assets) e mede o retorno sobre o total de ativos (mais informações aqui e aqui). Na realidade decidi escrever este post na última sexta-feira quando na defesa de mestrado do Pedro Estrella, aluno do mestrado profissional da UnB, vi um gráfico onde ficava claro que o RoE dos bancos tinha aumentando em relação ao período de altas taxas de juros dos anos 1990. Existe alguma polêmica sobre qual o indicador é mais apropriado para os bancos, se o RoE ou o RoA. A figura abaixo mostra que os dois tem comportamento semelhante no período entre janeiro de 2001 e maio de 2014, período para o qual os dados estão disponíveis no BC. Note que para fins de comparação o gráfico usa duas escalas, no lado esquerdo está o RoE e no lado direito está o RoA.




O próximo passo foi encontrar a taxa de juros. Na página do IPEADATA (link aqui) encontrei o valor mensal da taxa Over/Selic, que é a taxa de juros que o governo paga aos bancos. A figura abaixo mostra a relação entre o RoE e a taxa Over/Selic. As variáveis nem sempre andam juntas. Note que entre agosto de 2005 e fevereiro de 2008 ocorre uma queda significativa da taxa Over/Selic enquanto ocorre um aumento do RoE. Entre junho de 2008 e outubro de 2009 o RoE cai, mas a queda provavelmente decorreu da crise financeira de 2008. A partir de 2010 o RoE fica relativamente estável apesar dos movimentos da taxa de juros. Como a análise visual pode ser enganosa resolvi fazer alguns testes estatísticos. Aviso ao leitor mais exigente que não se trata de uma análise para um artigo científico, trata-se de uma análise para um post de blog que pretende apenas provocar algumas discussões que podem ou não seguir adiante.



O primeiro passo foi calcular a correlação entre RoE e RoA, como esperado o valor deu alto e significativo. Depois fiz a correlação entre RoE e Over/Selic, o valor foi próximo de zero e não foi possível rejeitar a hipótese que a correlação é igual a zero (p.value 0.9869), a mesma coisa aconteceu com a correlação entre RoA e Over/Selic, novamente a correlação foi baixa e não foi possível rejeitar a hipótese que a correlação é zero (p.value 0.7475). Como sou insistente fiz uma regressão entre RoA e Over/Selic, para isto considerei o logaritmo de uma mais o RoA e o logaritmo de uma mais a taxa Over/Selic. Como a esta altura já era de se esperar a regressão mostrou que a taxa Over/Selic não explica o RoA (p.value 0.226).

Ao observar os dados vemos um período muito atípico entre junho de 2001 e maio de 2002. Resolvi refazer as conta retirando esse período, desta forma apenas considerei os dados de junho de 2002 em diante. Com essa nova amostra eu finalmente encontrei uma correlação significativa entre a taxa Over/Selic e o retorno dos bancos. Para o RoE a correlação foi de 0,42 (p.value 2.39e-07) e para o RoA a correlação foi de 0,35 (p.value 1.67e-05), ambas positivas e significativas. O próximo passo foi fazer as regressões para RoE e para RoA, novamente encontrei valores positivos e significativos, na regressão para o RoE o coeficiente da taxa Over/Selic foi 0,55 (p.value 7.39e-10) e na regressão para o RoA o coeficiente da taxa Over/Selic foi de 0,34 (p.value 2.35e-07), ambos foram significativos. As regressões também mostraram que a variação da taxa Over/Selic explica 23,6% da variação do RoE e 17,3% da variação do RoA.

Qual minha conclusão? Uma resposta mais precisa exigiria mais testes estatísticos nas séries, o que tenho é que consegui encontrar uma relação entre a taxa Over/Selic e o retorno dos bancos, mas para isto tive de considerar apenas uma parte específica da amostra. Tirando o fato dos úmeros parecerem estranhos não sei de um bom motivo para não considerar o que ocorreu entre junho de 2001 e maio de 2002, para que leitor tenha noção do perigo de “brincar” com amostras se eu tivesse considerado o período entre agosto de 2005 e outubro de 2008 eu teria encontrado uma relação negativa entre a taxa Over/Selic e o RoE e uma relação negativa e significativa entre a taxa Over/Selic e o RoA. Logo eu diria que existem evidências (muito) fracas de um efeito da taxa Over/Selic no retorno dos bancos. Dadas as evidências entre inflação controlada e bem estar da população, em particular dos que vivem de salário, eu creio que o motivo combate a inflação é o que guia as decisões do BC de aumentar os juros, qualquer dia eu faço uma análise semelhante sobre o efeito da inflação no retorno dos bancos. Porém, sejam lá quais forem os motivos do BC, na condição de assalariado eu prefiro viver em um país o Banco Central, independente ou não, tem como prioridade combater a inflação. E você?


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Manifesto sobre o caso envolvendo o Banco Central e o Economista Alexandre Schwartsman

Alguns amigos estão perguntando a respeito do manifesto sobre o caso entre o Banco Central e o economista Alexandre Schwartsman. O caso foi divulgado pela revista Veja e trata de um processo do BC contra o Alexandre Schwartsman por suposta difamação do BC pelo economista. Acompanho o trabalho de Alexandre Schwartsman e compartilho de várias das críticas que ele fez ao BC. Ocorre que este caso não é sobre divergências em economia, trata-se de intimidação para calar os críticos. Isso é  inadmissível em uma democracia!

Como forma de protestar contra este ato de arbitrariedade do BC e se solidarizar com o Alexandre Schwartsman alguns economistas assinaram um manifesto. Para assinar o manifesto basta entrar no link: Petição Pública e procurar por Alexandre Schwartsman. De forma alternativa você pode clicar aqui. O texto do manifesto é o seguinte:


Manifesto sobre o caso envolvendo o Banco Central e o Economista Alexandre Schwartsman
A recente notícia de uma ação judicial contra o economista Alexandre Schwartsman deixou-nos perplexos. Todos nos acostumamos, durante anos, a ouvir críticas muito piores e inverídicas - como a de que o BACEN seria manipulado pelos bancos - sem qualquer retaliação. O respeito à crítica e ao debate transparente sobre a condução da política monetária, inclusive, tem sido um aspecto fundamental da atuação do BACEN, progressivamente construído desde a estabilização, há mais de duas décadas.
A judicialização como instrumento de repressão à divergência representa um retrocesso inaceitável. Felizmente, a denúncia não foi aceita pela justiça. A intolerância com a divergência e com a crítica ácida e o recurso da máquina pública para suprimir o contraditório, por meio da utilização de uma instituição pública para constranger alguém judicialmente, configuram uma prática incompatível com os valores que uma democracia deve ter e cultivar. Essa atitude prejudica a democracia e as instituições e merece o nosso mais veemente repúdio.
Assinam (inicialmente):
1. Affonso Celso Pastore
2. Afonso Bevilaqua
3. Alexandre Rands
4. Andre Lara Resende
5. André Portela
6. Armínio Fraga Neto
7. Carlos Eduardo Gonçalves
8. Carlos Eugênio da Costa
9. Carlos Melo
10. Carlos Viana de Carvalho
11. Carolina da Costa
12. Claudio Ferraz
13. Claudio Haddad
14. Cristina Terra
15. Eduardo Giannetti
16. Eduardo Zilberman
17. Elena Landau
18. Eliana Cardoso
19. Fabio Giambiagi
20. Guilherme Nobrega
21. Gustavo Franco
22. Gustavo Gonzaga
23. João Cesar Tourinho
24. João Manoel Pinho De Mello
25. José Alexandre Scheinkman
26. José Roberto Afonso
27. José Roberto Mendonça de Barros
28. Luiz Fernando Figueiredo
29. Maria Cristina Pinotti
30. Mansueto Almeida
31. Márcio Gomes Pinto Garcia
32. Marco Bonomo
33. Marcos de Barros Lisboa
34. Naercio Menezes Filho
35. Pedro Cavalcanti Ferreira
36. Roberto Castello Branco
37. Roberto Ellery Jr
38. Roberto Luis Troster
39. Rodrigo Azevedo
40. Ruy Ribeiro
41. Samuel Pessoa
42. Sergio Firpo
43. Sergio Lazzarini
44. Tiago Berriel
45. Tiago Cavalcanti
46. Vinicius Carrasco


Agradeço a todos os amigos que optem por assinar o manifesto. Não é uma manifesto contra ou a favor da política monetária do BC, é um manifesto pela liberdade de expressão.




sábado, 6 de setembro de 2014

Avaliação do Ideb: Um Fosso Inaceitável

De saída devo dizer que a ideia do governo federal avaliar todas as escolas do país não me agrada, é muito poder nas mãos dos que em tese deveriam estar nos servindo. Dito isto confesso que não resisti a dar uma olhada nos resultados do Ideb (Índice Nacional de Educação Básica, link aqui) para 2013. Como o nome diz o índice é uma tentativa de avaliar e classificar as escolas de educação básica. Várias coisas me chamaram atenção, em tempo farei comentários a respeito de cada uma delas, hoje quero comentar o que, apesar de não ser nenhuma surpresa, me chamou mais atenção: a gigantesca diferença entre a qualidade das escolas públicas e das escolas privadas. Para fazer os comentários usei os números relativos aos estudantes de oitava e nona série da rede pública e da rede privada. Tentei usar os estudantes que terminaram o terceiro ano do ensino médio, mas os dados não estavam disponíveis para a rede pública.

Os dados mostram uma realidade brutal. A melhor avaliação da rede pública foi em Minas Gerais e a nota foi 4,6. A pior avaliação da rede particular foi em Alagoas, a nota foi 5,2. Isto quer dizer que um estudante retirado aleatoriamente da melhor rede pública do país deverá ter um desempenho inferior a um estudante escolhido aleatoriamente da pior rede privada do país. Notem que isto não significa que não existe escola pública melhor do que alguma escola particular, mas sugere que se o aluno não der muita sorte de estar em uma destas escolas públicas de destaque ela terá um ensino muito pior que o dos alunos da rede particular. A menor diferença entre a nota da rede privada e da rede pública aconteceu em Goiás, naquele estado a rede pública foi avaliada com nota 4,5 e a rede privada recebeu nota 5,8. A diferença, que foi de 1,3 pontos, pode parecer pequena, mas repare que corresponde a 28,9% da nota da rede pública, é muita coisa. A figura abaixo ilustra a distância entre o ensino público e o ensino privado. Os pontos em laranja representam a nota da rede privada, os pontos em verde representam as notas da rede público. Repare que em todos os estados existe uma diferença gigantesca entre os pontos.




Na década de 1990 foi cunhada a expressão estabilidade inaceitável para se referir à distribuição de renda no Brasil, naquela época o que incomodava era que além da renda brasileira ser muito concentrada os dados não apontavam nenhum sinal que haveria uma mudança na distribuição de renda. Independente da opinião que cada um tenha a respeito da distribuição de renda, o fato é que a partir deste diagnóstico foram desenhadas políticas públicas que conseguiram mudar a estabilidade que era considerada inaceitável. Ao olhar a distância entre a avaliação da rede de ensino pública e privada eu vejo um fosso inaceitável. Se é verdade que a educação é fundamental no nível de renda, eu acredito que seja, esse fosso é uma força a perpetuar a desigualdade e, talvez mais importante, a quase impossibilitar o crescimento da economia brasileira. Se os brasileiros pobres não recebem uma educação adequada como esperar que em algum ponto do futuro venham a ser altamente produtivos e capazes de gerar uma renda alta?


Acredito que um sistema de vouchers onde o governo transfira para as famílias de baixa renda um determinado valor que deverá ser usado para pagar uma escola privada é o melhor caminho para resolver esse problema. Entendo que sou minoria, a maioria dos brasileiros parece preferir que exista um sistema público e gratuito de ensino, vivo com isto. Porém apelo aos que estão com a maioria para que encontrem uma forma do sistema público e gratuito ser também de qualidade, mas façam isto rapidamente, para as crianças que estão ficando para trás cada ano é uma eternidade.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

"Governo Dilma é o Primeiro a Aumentar a Inflação Média desde o Plano Real", ou Estadão adere à Imprensa Governista, ou ainda "Entre Aumentar a Inflação e Gerar uma Recessão Governo Dilma Escolheu os Dois"

Pior do que uma imprensa golpista é uma imprensa governista. Hoje no Facebook circulou uma matéria do Estadão afirmando que “Inflação média de Dilma é a mais baixa desde o Plano Real” (link aqui). Estranhei e fui ler a matéria completa, logo abaixo da chamada está escrito: “Em 3 primeiros anos, alta de preços do atual governo é menor que a de Lula e FHC”. Pensei que poderia ser verdade em relação aos primeiros mandatos de FHC e Lula, mas estranhei que fosse válido para os segundos mandatos. Lendo a matéria percebi que segundo o Estadão só contam os primeiros mandatos, o prestigioso jornal paulista acredita que segundo mandato não conta. Com este critério o Estadão conseguiu de fato justificar o título da matéria uma vez que nos períodos 1995/1997, 2003/2005 e 2011/2013 a inflação média foi de 12,4%, 7,53% e 6,08%, respectivamente. O que aconteceu em 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 não interessa a quem escreveu a manchete.

Como sou um sujeito persistente continuei lendo a reportagem. Foi assim que descobri que a inflação de 2.447,15% em 1994 e de 916,43%em 1995 podem ter tido algum efeito no triênio 1995/1997, quem poderia imaginar? Naturalmente quem elaborou a manchete não achou que esta singela informação poderia ter algum efeito no julgamento de quem quer que tenha lido a seção de economia do Estadão. Da mesma forma o corpo da reportagem faz menção ao desarranjo da economia em 2002, nenhuma referência foi feita a desconfiança do mercado com a eleição de Lula.

Continuo a leitura, sou mais persistente do que o amigo imagina, para finalmente encontrar a inflação média em cada mandato. Os números são: FHC1: 9,56%, FHC2: 8,78%, Lula1: 6,43%, Lula2: 5,14% e Dilma: 5,95%. Imediatamente pensei em uma manchete alternativa:” Governo Dilma é o Primeiro a Aumentar a Inflação Média desde o Plano Real”. Ao contrário da manchete do Estadão a minha é fiel aos fatos e não precisa sumir com nenhum ano. Não me dei por satisfeito, 5,95% de inflação média para os quatro anos de Dilma me pareceu um número baixo. Na nota de rodapé o autor da matéria diz que para 2014 usou o valor estimado pelo Banco Central, mas abaixo vejo que este valor é de 5,55%, ou seja, no cálculo da média o autor da reportagem usou 5,55% com a inflação de 2014. O número me pareceu estranho, fui checar no Relatório Focus, escolhi o mais recente disponível que é o de 29/08/2014 (link aqui). Nele vejo que a expectativa do mercado para inflação de 2014 é de 6,27% pela mediana e de 6,30% se considerarmos as cinco instituições que mais acertam as previsões. Usando a inflação de 6,27% para 2014 a inflação média do governo Dilma passa a ser 6,13%. Ainda é menor que as de FHC e Lula 1, mas fica ainda mais evidente que a inflação voltou a crescer. Feitas as correções o gráfico que encerra a reportagem deveria ficar mais ou menos como o gráfico abaixo.




Daí eu pergunto ao leitor: Qual a manchete mais fidedigna aos fatos? A minha ou a do Estadão? E olhem que eu nem comentei que o aumento da inflação veio acompanhado de uma queda no crescimento, se tivesse minha manchete poderia ser: “Entre Aumentar a Inflação e Gerar uma Recessão Governo Dilma Escolheu os Dois”.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Expectativas de Inflação e a Entrevista de Aécio Neves ao Jornal da Globo

Aécio Neves foi ao Jornal da Globo e não respondeu de forma clara o que fará com a taxa de juros em 2015. A primeira vista pode parecer mais um caso onde um candidato tenta esconder medidas impopulares que terá de tomar caso seja o eleito. Olhando com mais cuidado pode ser que Aécio não tenha respondido pelo simples fato que é impossível responder a pergunta. Não tenho como saber o que se passava na cabeça de Aécio e, portanto, não descarto nenhuma das duas possibilidades como a real motivação de Aécio. Mas acredito que é válido aproveitar a oportunidade para explicar a razão de ser praticamente impossível afirmar o que deverá ser feito com a taxa de juros em 2015.

Comecemos com alguns conceitos de economia (é chato, mas foi você que veio ler o blog de um economista). Existe um grande debate a respeito da relação entre inflação e variáveis como nível de atividade e desemprego, porém, a sabedoria padrão relativa ao tema diz que a inflação depende da inflação esperada, do desemprego e de fatores aleatórios que possam afetar a economia. A relação pode ser escrita na forma:

Inflação = Inflação Esperada – constante*(Taxa de Desemprego – Taxa Natural de Desemprego) + Fator Aleatório

Naturalmente não cabe argumentar a respeito do fator aleatório, se fosse possível saber como este fator será em 2015 então não seria um fator aleatório. Ademais o Banco Central passou os últimos quatro anos apostando que inflação voltará ao centro da meta por conta do fator aleatório e, como é de conhecimento geral, a aposta não deu certo. Descartado o fator aleatório sobram a inflação esperada e a taxa de desemprego.

Comecemos com a taxa de desemprego. De saída cabe explicar que taxa de desemprego natural é aquela que não tem relação com o estado da economia. Sempre haverá alguém mudando de cidade, alguém que brigou com o chefe ou alguém que simplesmente desistiu do emprego que tinha, todos estes estão desempregados, mas não por conta da economia ou da política econômica, estão desempregados por questões individuais. Voltando a relação acima, note que toda vez que a taxa de desemprego for menor que a taxa natural a inflação tende a aumentar, por outro lado, se a taxa de desemprego aumenta ocorrerá uma redução na inflação. Por conta disso os jornalistas que entrevistaram Aécio e boa parte da população, inclusive vários economistas, acreditam que o combate a inflação exigirá um aumento do desemprego no próximo ano. Não vou dizer que não seja o caso, mas digo que é praticamente impossível saber o tamanho desse aumento.

A questão é que atualmente quem está puxando a inflação brasileira para cima é a inflação esperada, o próprio Banco Central reconhece isto. Este fato explica a razão de estarmos com a economia encolhendo e com previsão de inflação na redondeza de 6%. Nesse sentido Aécio foi muito feliz quando disse que a recessão já está sendo imposta pelo atual governo, é verdade, os números mostram isso de forma clara. O problema é saber a razão da recessão conviver com a alta inflação e a resposta são as expectativas de inflação. A péssima condução da política econômica nos últimos anos fez com que o Banco Central perdesse o controle das expectativas, dito de outra forma, as pessoas acreditam que vai ter inflação e não acreditam que o Banco Central fará algo para impedir que ocorra. Em um cenário deste tipo apenas um desemprego brutal conseguiria combater a inflação, a não ser que...


A não ser que por algum motivo as pessoas voltassem a confiar no Banco Central. Como bem sabem todos que já aprontaram na vida, recuperar a confiança não é uma tarefa fácil. Na maioria das vezes exige grandes sacrifícios, que no caso seria um desemprego muito alto por muito tempo, mas algumas vezes não. Existem casos em que uma mudança radical é suficiente para restabelecer a confiança perdida. Retirar um governo que está no poder há doze anos e colocar de volta no governo um partido que já enfrentou um quadro inflacionário muito mais grave do que o atual pode ser a mudança que estamos falando. Claro que isto é uma especulação, não uma certeza, ninguém pode saber se um novo governo será suficiente para que o BC recupere a confiança da população, nem o Aécio.


terça-feira, 2 de setembro de 2014

Os Números da Indústria e o Descolamento da Realidade de Dilma na Defesa do Indefensável

A novidade do dia foi a divulgação da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) mostrando que em relação a junho a indústria cresceu 0,7% em julho (link aqui). Não é um número que impressione, apesar de ajustes sazonais é praticamente impossível limpar os efeitos da Copa do Mundo deste resultado. O cenário fica mais claro quando se compara julho de 2014 com julho de 2013, queda de 3,6% na produção industrial. No acumulado do ano a queda é 2,8% e nos últimos doze meses a queda foi de 1,2%. Uma evidência forte que o aumento de julho pode ter sido uma compensação da queda de junho é obtida quando se observa que as categorias que mais subiram em julho foram as categorias que mais caíram em junho (link aqui). Bens de Consumo Duráveis aumentou 20,3% em julho, mas tinha caído 24,9% em junho e Bens de Capital que aumentou 16,7% em julho, mas tinha caído 9,7% em julho.

Deixemos então de lado a variação mensal e voltemos nossa atenção para o que é mais interessante: a comparação com julho de 2013. Como já sabemos neste período ocorreu uma queda de 3,6% na produção industrial. Dentre as grandes categorias a maior queda foi de 13,7% e ocorreu na categoria de Bens de Consumo Duráveis. A produção de bens de capital caiu 6,4%, a de bens intermediários caiu 3,6% e a produção total de bens de consumo caiu 2,8%. A única variação positiva foi em Bens de Consumo Semiduráveis e Duráveis que aumentou 0,6%. É um cenário particularmente preocupante por conta da queda na produção de bens de capital, sinalizando que a taxa de investimento pode continuar caindo, e da queda da produção de bens intermediários, que pode sinalizar planos de redução na produção. A queda gigantesca da produção de bens de consumo duráveis também é um péssimo sinal para um governo que vem apostando no aumento permanente do consumo como motor da economia. Outra aposta grande do governo que também caiu foi a atividade de veículos automotores, reboques e carrocerias, a queda foi de 22,8%!

Não deixa de ser curioso que no mesmo dia que estes números vieram a público a presidente Dilma resolveu criticar Marina dizendo que a proposta da candidata do PSB reduziria a política industrial a pó (link aqui). Seria cômico se não fosse... esquece, é cômico. Defender a atuação do BNDES para estimular a indústria e o investimento depois da chuva de números mostrando o fracasso inequívoco desta estratégia é sinal de um senso de humor fascinante ou de completa negação da realidade, quase uma loucura. Se um dia Maria Antonieta ficou atordoada sem entender a razão de na ausência de pão o povo não comer brioches, hoje nossa presidente parece atordoada sem entender a razão de na ausência de bons projetos de investimento os empresários não pegarem dinheiro barato do BNDES para investir em projetos ruins mesmo. O problema do baixo investimento no Brasil não é a falta de financiamento, é a falta de bons projetos. É impossível ter bons projetos quando a rentabilidade esperada depende do humor do governante, quando falta infraestrutura e quando falta mão de obra especializada.


Se eu te emprestasse o dinheiro a juros baixos você construiria uma ferrovia no Brasil? Antes de responder pense no tempo e na dificuldade para conseguir as licenças necessárias, nos embargos, nas ocupações do MST, nos desvios de trajeto para atender “lideranças locais”, nos desvios e/ou nos acordos para atender as demandas das populações originárias que aparecerão depois que começar a empreitada, na desvalorização do câmbio para anteder a “indústria local” que vai encarecer suas importações e, se for o caso, reduzir o valor em dólares de suas remessas de lucros... É tanta coisa que se você tiver juízo provavelmente não vai querer construir a ferrovia. Daí eu te pergunto se você não faria mesmo que eu te emprestasse dinheiro a juros menores que os que você consegue aplicando no mercado, juros menores até que a inflação. Agora pode ser que você aceite, não para fazer a ferrovia, mas para aplicar em outras opções mais rentáveis enquanto atrasa a obra. Parece familiar? É mais ou menos isto que acontece no Brasil. Não é por acaso que os empréstimos do BNDES só aumentam e o investimento só cai.


Participação no Falando Francamente com Adolfo Sachsida

No domingo participei do Falando Francamente organizado pelo Adolfo Sachsida e com participação de Rodrigo Souza, Joao Vitor Dias, e Rodrigo Saraiva Marinho. A conversa foi sobre a corrida presidencial. Segue o vídeo, se o vídeo não estiver visível o link está aqui.


Conversa com Lobos: O Vídeo

No dia 24/07 deste ano tive a oportunidade de participar de evento organizado pelos Lobos da Capital em conjunto com o Instituto Liberal do Centro Oeste, na ocasião fiz a defesa da agenda de reformas implementada na década de 1990 (comentei aqui). Ontem o Rafael Pavão fez a gentileza de mandar o link para o vídeo no You Tube. O vídeo está abaixo, mas se não estiver visível o link está aqui.