sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Uma Olhada na PME de Julho

Por estar mais focado em questões de longo prazo a variável que mais prende minha atenção é a produtividade. É bem verdade que, por dever de ofício e gosto pelo debate, acompanho questões de curto prazo, nesse campo costumo olhar mais para as políticas fiscal e monetária. Ocorre que o atual debate a respeito da economia brasileira tem caminhado a passos largos para a questão do emprego e da renda, desta forma resolvi olhar com mais cuidado a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) referente a julho de 2014 (link aqui). A PME é a principal fonte de dados para o cálculo da taxa de desemprego no Brasil e também apresenta dados com o rendimento médio do trabalho. Ao contrário da PNAD a PME não tem abrangência nacional, a pesquisa tem abrangência restrita a seis áreas metropolitanas. Na página do IBGE encontrei uma planilha com os dados para Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, os dados para Salvador e Porto Alegre não estão disponíveis por conta da greve no IBGE. No que segue farei alguns comentários a respeito destes dados que podem jogar uma luz na evolução do emprego e da renda no último ano.

A manutenção da baixa taxa de desemprego tem sido o principal (único?) argumento dos que defendem a política econômica do governo Dilma. O argumento não me convence pelo simples fato que antes de Dilma mudar a política econômica o desemprego já estava baixo e a renda esteva crescendo. Sendo assim o máximo que pode ser dito é que a mudança de política feita por Dilma (ainda) não afetou o mercado de trabalho, muito pouco para quem abandonou uma política que vinha funcionando desde 1999 com promessas de um aumento do investimento, do crescimento e a recuperação da indústria. Antes que alguém tire do bolso a incrível e triste história da crise econômica gostaria de lembrar aos senhores que a crise foi em 2008 e que segundo a historiografia oficial a crise foi superada em 2010 quando o Brasil cresceu mais de 7%, não fui quem chamou a crise de marolinha. Deixemos de coisas e vamos aos dados.

Em relação a julho de 2013 ocorreu uma queda na taxa de desocupação nas quatro áreas metropolitanas. A maior queda foi observada no Rio de Janeiro, de 4,7% para 3,6%, enquanto a menor queda foi observada em Belo Horizonte, de 4,3% para 4,1%. Em São Paulo a queda foi de 5,8% para 4,9% e em Recife foi de 7,6% para 6,6%. Alguém pode argumentar que a queda na taxa de desocupação ocorreu por conta da Copa, é possível, porém eu não apostaria nesta hipótese. Outros indicadores mostram que os impactos da Copa na economia foram pequenos e os números de julho estão parecidos com os de junho, o próprio IBGE afirma que a taxa de desocupação ficou estável entre junho e julho.

Ocorre que existe um fator que ajuda a explicar a queda na taxa de desocupação. Segundo a definição do IBGE a taxa de desocupação é definida como a percentagem de pessoas desocupadas em relação a população economicamente ativa. Desta forma a taxa de desocupação pode cair por conta de mais gente ocupada ou por conta de menos gente em atividade. Os dados mostram que entre julho de 2013 e julho de 2014 o número de pessoas economicamente ativas caiu como proporção do número de pessoas em idade de trabalho. Os dados estão na tabela abaixo. Dois padrões chamam atenção na tabela: (i) a população ocupada (PO) caiu como proporção da população em idade ativa (PIA) em todas as regiões metropolitanas pesquisadas, e (ii) a população economicamente ativa (PEA) como proporção da PIA caiu em todas as regiões da amostra. A conclusão é que a taxa de desocupação caiu por conta da redução de número de pessoas economicamente ativas e não por conta de mais gente trabalhando, ou seja, o desemprego está caindo porque as pessoas estão saindo do mercado de trabalho.

Região Metropolitana
PO, Jul 2013
PEA, Jul 2013
PO, Jul 2014
PEA Jul 2014
Recife
47,6%
51,6%
46,8%
50,1%
São Paulo
55,9%
59,3%
54,5%
57,2%
Belo Horizonte
55,8%
58,3%
53,9%
56,2%
Rio de Janeiro
52,0%
54,6%
51,5%
53,4%
P.O.: População Ocupada, PEA: População Economicamente Ativa. Os valores estão como proporção da População em Idade Ativa (PIA).

É possível fazer um exercício para calcular qual a seria a taxa de desocupação em cada uma das regiões metropolitanas caso a PEA mão tivesse caído em proporção da PIA, ou seja, qual seria o desemprego se as pessoas não estivessem saindo do mercado de trabalho. A tabela abaixo mostra os resultados do exercício. O resultado do exercício mostra que se não fosse pela redução do número de pessoas no mercado de trabalho teríamos visto um aumento da taxa de desocupação em todas as regiões metropolitanas pesquisadas. Em Recife o desemprego estaria acima de 9%!

Região Metropolitana
Taxa de Desocupação, 2013
Taxa de Desocupação, 2014
Taxa de Desocupação alternativa
Recife
7.75%
6.59%
9.30%
São Paulo
5.73%
4.72%
8.09%
Belo Horizonte
4.29%
4.09%
7.55%
Rio de Janeiro
4.76%
3.56%
5.68%
Por conta de arredondamento existem pequenas diferenças entre os números da tabela e os que estão na página do IBGE.

Vimos que o desempenho do mercado de trabalho pode ser explicado por pessoas saído do mercado, se isto é bom ou ruim requer mais análises, se forem crianças e/ou jovens estudando por mais tempo pode ser um fenômeno bom. Por outro lado se a redução da PEA como proporção da PIA decorrer de pessoas que saem do mercado por perder a esperança em encontrar emprego então o fenômeno pode ser preocupante. Em uma conversa a esse respeito no FB o Prof. Flávio Ataliba Barreto, pesquisador que foi meu professor e que eu tenho enorme respeito e consideração, a partir de uma “olhada” na PNAD sugeriu que a primeira hipótese é mais condizente com os dados. Se for então é uma boa notícia, mas talvez seja preciso se debruçar com mais cuidados sobre os dados para ter um resultado mais confiável.

Passemos agora à renda. Na campanha o governo apresentou como trunfo o aumento da renda do trabalho. O que dizem os números? A tabela abaixo responde.

Região Metropolitana
Renda média, Jul 2013
Renda média, Jul 2014
Tipo que mais cresceu
Setor que mais cresceu
Recife
1.440,63
1.513,10
Emp. sem carteira setor privado
Construção
São Paulo
2.070,23
2.102,70
Emp. sem carteira setor privado
Comércio
Belo Horizonte
1.938,61
1.898,70
Emp. sem carteira setor privado
Serviços prestados às empresas
Rio de Janeiro
2.097,94
2.285,60
Emp. sem carteira setor privado
Construção

A boa notícia é que a renda do trabalho de fato cresceu em três das quatro regiões, a má notícia é que apenas no Rio de Janeiro o crescimento foi maior que a inflação acumulada nos últimos 12 meses. Outro dado que chama atenção é que em todas as regiões o tipo de renda que mais cresceu foi a renda dos empregados sem carteira do setor privado. Por um lado a notícia é boa porque são pessoas que ganham menos, por outro lado fica difícil imaginar que este setor é o alvo de políticas do governo visando o emprego e a renda.

Os números do IBGE mostram que de fato o emprego e a renda ficaram estáveis nos últimos doze meses, o primeiro tece uma leve melhora e a segunda, se descontada a inflação, caiu um pouco. Por outro lado os números mostram que nos últimos doze meses não foi a criação de empregos que manteve a taxa de desocupação em baixa, os números também mostram que o melhor desempenho do mercado de trabalho ocorreu entre os empregados sem carteira assinada do setor privado, não foi nos setores beneficiados por desonerações e empréstimos camaradas. Não são números para se lamentar, mas também não batem com a história que o governo quer contar de que o desempenho do mercado de trabalho decorre de desoneração de impostos, crédito amigo do BNDES e outras bondades que Dilma fez para os empresários amigos.



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