quarta-feira, 16 de abril de 2014

Mais sobre o RU da UnB

Ontem fiz um post a respeito do RU da UnB. O objetivo do post era fazer uma defesa do modelo de vouchers para alimentação dos estudantes da UnB. O post teve alguma repercussão e levou uma pessoa a quem eu respeito e que trabalha no RU a me mandar alguns dados que eu desconhecia e que jogam uma luz na questão dos custos do RU da UnB. Para quem não tem paciência de ler o post anterior é útil saber que uma das questões colocadas é que o custo de um almoço no RU é de R$ 9,69 enquanto era possível comer uma prato de 445g de qualidade superior por R$ 9,60 no restaurante self-service administrado pela mesma empresa que administra o RU. A partir deste números sugeri um vale-refeição de R$ 10,00 para os estudantes pobres e o fim do RU, no lugar dele ficariam vários restaurantes concorrendo no campus.

Devo dizer que a idéia de subsídios focados e vouchers não é minha e eu continuo acreditando que é a melhor forma de resolver problemas que envolve subsídios que permitam o acesso de setores mais pobres a bens serviços considerados importantes por quem de direito. Na realidade a lógica dos vouchers é mais ampla e pode ter mais aplicações na UnB, inclusive na questão da moradia, mas esta é outra conversa. Voltando ao ponto da UnB as informações que recebi deixam claro que o problema é mais complexo e que o valor que sugeri para os vouchers pode não ser o adequado. Vamos aos fatos:


  1. O preço da refeição do RU refere-se a 850g incluindo sobremesa, este é o consumo médio de quem come no RU. O valor de R$ 2,50 permite que se repita quantas vezes desejar, só existe limite para carnes e frutas.
  2. O edital prevê o uso de cortes de primeira no RU, o exemplo que recebi foi alcatra, ocorre que a comida é feita em panelões a vapor, pelo que entendi este é o padrão que se usa para fazer comida para um grande número de pessoas. A comida a vapor não tem o mesmo gosto da comida de panela, isto explica o gosto pior da comida do RU.
  3. O restaurante executivo estava presente no edital. Neste ponto ressalto que sou simpático à idéia de existir este restaurante, se não ficou claro no meu post original que fique agora. Os que me acompanham sabem que quando listo FHC e Bush Jr em uma lista de argumentos é porque sou favorável, ou pelo menos simpático, ao argumento contrário. Espero não ter decepcionado ninguém com esta revelação.
  4. Agora o argumento fatal para os vouchers, pelo menos no curto prazo. Existe um limite legal para o quanto a universidade pode pagar de bolsa alimentação, este limite é de R$ 304 por aluno por mês. Pelos preços praticados em Brasília este valor não permitiria aos estudantes obter as três refeições diárias que eles podem fazer no RU. Pelo que entendi os estudantes pobres recebem um subsídio maior que os demais, não sei se pagam algo no atual sistema. O fato é que sem a mudança da lei ou pelo menos uma revisão nos valores previstos na lei o sistema de vouchers pode piorar a situação dos alunos pobres.
  5. A UnB nunca segregou a quem oferecer subsídios e deseja manter esta política. Entendo e até respeito este argumento, mas discordo profundamente. Sou contra subsídios generalizados. Qualquer política de subsídios deve ter seu público alvo bem definido e deve ter muito claro porque este público alvo merece receber o subsídio. Não podemos esquecer que subsídios consistem em transferência de renda dos que pagam impostos para os que recebem o subsídio. Se vai ser feita uma transferência de renda é melhor saber para quem está sendo feita e, na minha avaliação, tentar garantir que a transferência é de ricos para pobres e não o contrário. Este é o principal argumento favoráveis aos vouchers. Aqui o debate encontra a discussão sobre políticas sociais focadas ou universais, é uma discussão fundamental.
  6. O contrato de licitação foi avaliado e aprovado pelo TCU. Em cinco meses a UnB gastou cerca de R$ 2.400.000 com quatro unidades do RU em funcionamento. Em 2012, antes da vigência do contrato, a UnB gastou cerca de R$ 12 milhões entre janeiro e novembro com apenas uma unidade de RU em funcionamento. A própria abertura do RU nos Campi do Gama e Ceilândia só foi possível por conta deste contrato. Essas informações reforçam o que eu tinha dito quanto à confiança nas pessoas que administram o RU e a UnB.

Por fim a pessoa que me mandou as informações que compartilhei acima afirma não saber a "solução milagrosa para atender a gregos e troianos" e que a UnB já economizou alguns milhões graças ao contrato de terceirização. A verdade é que não existe solução capaz de agradar a todos, buscar uma solução deste tipo pode um tanto quanto perigoso, principalmente para os mais vulneráveis. Via de regra, existem exceções mas este não é o caso, políticas públicas implicam em beneficiar alguns às custas de uns tantos. Mudar a política implica em mudar os beneficiados e portanto em agradar os que entram na lista de beneficiados e desagradar os que saem da lista. A questão é que os que saem da lista geralmente conseguem se articular para vender a idéia que seu prejuízo é o prejuízo de todos, particularmente dos mais pobres. É uma artimanha moralmente questionável, mas de uso generalizado. Para ir além da UnB é por conta destas artimanhas que nos dizem que ao transferir renda para grandes empresários que não raro figuram nas listas de homens mais ricos do mundo estamos ajudando aos mais pobres.

Se não é possível agradar gregos e troianos é possível e, na minha opinião, desejável agradar uns e desagradar outros. É tudo uma questão de escolha. Para saber quem agradar e quem desagradar cito um trecho do e-mail que recebi:


"Acho que temos que discutir a política de subsídios sim, mas com o horizonte de qual é o papel de uma universidade, que certamente não é o de fornecer alimentação. A UnB investe alguns milhões ano para pessoas que sequer necessitam desse subsídio enquanto poderíamos estar investindo em tecnologia, salas de aula, etc."
Na minha avaliação são essas pessoas que "sequer necessitam desse subsídio" quem devemos desagradar. É fácil? Não, pelo contrário, é muito difícil. Dificuldade que é muito maior por conta dos vários outros desafios que a atual administração da UnB está enfrentando. Uma guerra de cada vez, teria dito Lincoln, ao ser instigado a declarar guerra aos europeus que tentavam quebrar o bloqueio marítimo que o Norte havia imposto ao Sul durante a Guerra Civil. A reitoria já desconsiderou o conselho de Lincoln e entrou em várias guerras, todas nobres, pode-se dizer, mas a nobreza de cada uma não muda o fato que são várias. Cabe as pessoas que se importam com a UnB e estão fora da reitoria apontar as outras guerras necessárias. Aceito o argumento de que não é o momento para desagradar mais um grupo de interesse, o argumento que eu não aceito é o de que não subsidiar a todos implica em uma discriminação indesejável.
Encerro esse segundo post reconhecendo que a implementação dos vouchers é mais complexa do que o primeiro post sugeriu, particularmente por conta da lei. Estou convencido que o atual contrato foi uma melhora em relação ao anterior, via de regra terceirização é melhor que administração direta. Entretanto devo dizer que a conversa me deu mais argumentos para acreditar que no futuro devíamos caminhar para a ótica de vouchers com vários restaurantes concorrendo nos quatro campi da UnB.


3 comentários:

  1. Sou o anônimo que, nos comentários do post anterior, destacou a comparação entre 445g do RU-gourmet e "x"g do RU-padrão. Volto para compartilhar uma nova constatação: a informação (1) permite concluir que, em média, a grama do gourmet é 89% mais cara que a do padrão. Ou, de maneira (talvez) mais didática: a refeição média do RU-padrão custaria R$ 18,34 no RU-gourmet. Outra constatação: na minha época de Unb (1999-2002) também havia um RU-gourmet no mezanino que, aparentemente, era parecido com o atual (melhor, mais caro e sem fila); não é novidade, portanto.

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  2. Caro Ellrey,
    Seguindo a sua ideia: O maior subsidio é o ensino recebido gratuitamente pelos alunos da UnB (pobres e ricos) e não esse pequeno gasto com os pobres da UnB no RU. Tua proposta seria dar vouchers aos estudantes da UnB?
    Será que não irão estudar economia na Puc-Rj (ou Chicago) e assim vc perder o emprego?
    Um cidadão preocupado com o gasto público e o emprego
    abraço

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    1. Existe demanda para bons cursos de economia no DF e tenho bons motivos para acreditar que eu teria espaço nestes cursos, afinal sempre fui muito bem avaliado quando trabalhei como professor e/ou coordenador em escolas privadas. De toda forma caso eu quisesse ficar no serviço público poderia fazer o que fiz no passado e entrar em outra correira do serviço público. Enfim, minha empregabilidade não é um fator que eu considero nesta discussão. Agradeço pela preocupação. Abraço.

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