sábado, 29 de março de 2014

Uma nota a respeito da pesquisa do IPEA sobre violência contra a mulher e sobre a suposta relação entre estupro e pouca roupa.

O assunto da semana definitivamente foi a divulgação de uma pesquisa a respeito da tolerância social à violência contras as mulheres. A chamada do Estadão é de deixar qualquer um estarrecido e assustado de viver em um tempo e lugar onde um dos mais tradicionais e respeitados jornais estampa em letras garrafais: 65% dos brasileiros acham que mulher de roupa curta merece ser atacada. Fosse um destes jornais sensacionalistas que circulam nas grandes cidades eu talvez nem tivesse lido a reportagem, mas não era, de forma que me senti obrigado a ler. Na leitura outro espanto, a reportagem tinha como fonte uma pesquisa do IPEA. Um dos institutos de pesquisa mais respeitados do país é quem divulgava esta informação. É claro que tive de ir à página do IPEA e ler a pesquisa original, para os interessados o link está aqui.

Era tudo verdade, não vi engano nem sinais de má fé na reportagem do Estadão. Postei no FB um comentário apontando para os riscos de governar de acordo com a opinião da maioria. Alguns amigos questionaram a consistência dos resultados da pesquisa, olhei de novo, agora com mais cuidado, e reparei que de fato os resultados são estranhos. Como sou um daqueles economistas caretas e tradicionais que se preocupam com câmbio, crescimento, produtividade, inflação e outros temas normalmente associados a economistas, eu tive de procurar os especialistas. Para minha sorte conheço e tenho acesso a dois dentre os melhores economistas brasileiros que trabalham com temas como violência, racismos e discriminação: o meu amigo, co-autor e parceiro de tantas batalhas Adolfo Sachsida e o meu colega de departamento e sala Paulo Loureiro. Como o segundo está fazendo pós-doutorado no exterior falei apenas com o primeiro. A conversa foi esclarecedora: existem sérios problemas metodológicos com a amostra usada para obter o resultado, para os interessados recomendo que vejam o vídeo onde ele explica estes problemas (link aqui). Tenho algumas dúvidas com a relação entre roupa e estupro que o Adolfo fala na parte final do vídeo, voltarei a este ponto mais na frente.

O fato da participação das mulheres ser de 66% na amostra, como destacou o Adolfo no vídeo, sugere que a amostra não representa as características gerais da população brasileira. Se a amostra não me permite inferir a percentagem de mulheres na população brasileira por que permitiria inferir a opinião da população brasileira sobre a violência contra a mulher? Mas a coisa é mais grave, independente da qualidade da amostra seria de se esperar que as respostas fossem consistentes umas com as outras. Como explicar que 81,9% dos entrevistados concordem que “O que acontece com o casal em casa não interessa aos outros” e 91,4% concordem que “Homem que bate em mulher tem que ir para cadeia”? Ou assunto não interessa os outros, entre os quais imagino estar a polícia, ou o assunto interessa a sociedade, incluindo polícia, juízes e todo o aparato necessário para colocar alguém na cadeia. Excluindo as hipóteses da amostra ser composta por loucos e de erro de tabulação dos pesquisadores só me resta imaginar que os entrevistados não entenderam e/ou não refletiram a respeito das perguntas. Não é uma crítica aos entrevistados, no final do estudo do IPEA tem uma série de tabelas com resultados estatísticos e uma delas remete à questão 41. Confesso que se um entrevistador me pedisse para responder mais de quarenta questões eu não refletiria sobre cada uma e provavelmente estaria entre os que concordam com duas opções que deveriam ser excludentes. Se isto é verdade para algumas perguntas por que não seriam para outras? Inclusive a questão 15 (Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas) e a questão 21 (Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros).

Os autores do estudo percebem estas inconsistências e chegam a apresentar uma justificativa:

“No entanto, outros resultados da pesquisa, apresentados nesta edição do SIPS, sugerem  que a contradição se desfaz ao se considerar que a população ainda adere  majoritariamente a uma visão de família nuclear patriarcal, ainda que sob uma versão contemporânea, atualizada. Nessa, embora o homem seja ainda percebido como o chefe da família, seus direitos sobre a mulher não são irrestritos, e excluem as formas mais abertas e extremas de violência. Um homem deve tratar bem sua esposa, e, enquanto o fizer, rusgas “menores” devem ser resolvidas no espaço privado. A esposa, por sua vez, deve “se dar ao respeito”, se comportar segundo o papel prescrito pelo modelo. Mas, se os conflitos se tornarem violentos, o casal deve se separar, a mulher não deve tolerar violência pelos filhos, e, se o marido bater, é caso para intervenção do público na esfera privada.”

Como falei anteriormente sou um economista de dentro da fronteira do que usualmente se atribui à economia, não domino bem estes temas que estão na fronteira entre economia e outras áreas. Desta forma não tenho como avaliar a explicação dos autores, mas me intriga a ausência de um tratamento estatístico para o problema. Da maneira como foi tratado o problema parece que a explicação justifica a validade da evidência que, por sua vez, justifica a validade da explicação. Isso não é bom e espero que o assunto receba melhor tratamento em futuras versões do estudo.

Volto agora à parte do vídeo do Adolfo que me incomodou: a relação entre roupa e estupro. Não foi só o Adolfo que tratou desta relação como um fato e não uma questão de opinião, o assunto gerou inúmeros debates na internet. Um texto que pega bem esta ideia foi o de Rodrigo Constantino (linkaqui). Basicamente é dito que a mulher com pouca roupa não é responsável pelo estupro (alguns poucos textos que vi no FB sugeriam que era, confesso que não os li), mas que a pouca roupa facilitaria e/ou estimularia o estuprador, nas palavras de Constantino:

O que quero dizer com isso? Que ninguém tem o direito de estuprar ou roubar, que ninguém “merece” passar por isso, e que a vítima não pode ser transformada em culpado; mas que, feita essa ressalva importante, seria bom manter o realismo e compreender que, nem por isso, devemos dar tantas chances ao azar.

Há estudos e pesquisas, como já comentei aqui, mostrando correlação entre a revolução sexual e o aumento nos casos de estupro. E não é um fenômeno brasileiro, mas mundial. Sexualidade cada vez mais precoce, funk estimulando a vulgaridade, mulheres provocativas rebolando seminuas até o chão, tudo isso atrai estupradores como moscas ao mel.”

Já me peguei em inúmeros debates sobre a validade de correlações entre variáveis e se da correlação é possível inferir causalidade, isto com variáveis bem conhecidas como câmbio, inflação, juros, crescimento e saldo da balança comercial. Para ficar em uma polêmica recente, tenho várias horas de conversa e várias páginas tecladas em blogs e no FB só sobre a robustez da relação entre câmbio e crescimento. Daí aparece este argumento de correlação entre estupro e roupa, algumas vezes apresentados como verdade científica (?) outras como auto-evidente, sem que me apresentem sequer uma base de dados onde seja possível estimar a correlação e sem tratar da questão da causalidade. Quando muito falam que em países mulçumanos tem menos estupros, o que considero questionável, ou uma relação que também não me impressiona entre revolução sexual e aumento de estupros. O fato que em vários países muçulmanos as vítimas de estupro são punidas e o fato que roupas curtas não foram a única mudança de comportamento do período posterior à revolução sexual já seriam suficientes para não comprar barato os dois argumentos acima.

Enfim, se é verdade que vi problemas na pesquisa do IPEA que me levam a duvidar da conclusão que a sociedade brasileira é machista e aceita a cultura do estupro, também é verdade que me incomodou o argumento que ousa sugerir a algumas vítimas de estupro que elas podem ter parcela de responsabilidade do que foram vítimas. Na minha dúvida além dos problemas metodológicos da pesquisa pesa o fato que no total divulgado a pesquisa mostra uma sociedade que repudia a violência contra mulher, mesmo a verbal. No meu incomodo pesa o fato que mesmo que exista a correlação e até mesmo a causalidade que muitos estão dando como certa isto não é motivo para insinuar que algumas vítimas de estupro tem qualquer responsabilidade sobre o que lhes ocorreu. Se tal relação estatística de fato exista a conclusão a se tirar é que é preciso atacar a origem desta relação, antes de sugerir a uma mulher que use roupas mais recatadas para evitar estupro eu sugeriria punições draconianas para estupradores, ou, se fosse o caso, mudaria meus conceitos e consideraria apoiar até mesmo as feminazes. Ceder ao argumento que intimida uma mulher de usar o que bem entender é ceder ao mal, isto eu não faço.





quinta-feira, 27 de março de 2014

É o petróleo!

Em junho do ano passado fiz um post falando sobre a política de subsídios aos combustíveis e como esta política poderia levar a uma série de problemas na economia, entre estes citei o impacto negativo na balança comercial. No post fiz referência a um texto do Marco Antonio Martins chamado Impasse onde ele criticava a aplicação desta mesma política na década de 1970 e explicava como os subsídios aos combustíveis estavam relacionados à crise externa da década de 1980. Em um resumo rápido o argumento é que ao não permitir que os consumidores recebam os sinais emitidos pelos preços dos combustíveis o governo induz a um consumo exagerado destes, como importamos combustíveis esse consumo exagerado acaba se refletindo em desequilíbrios comerciais. Não que déficits comerciais sejam um problema per si, mas um déficit causado por um desequilíbrio em um setor tão crítico como o de combustíveis pode ser sinal de sérios problemas no futuro. Pior ainda se o desequilibro é causado por uma política de governo, ou seja, é um desequilibro que não será corrigido pelos mecanismos de mercado pelo simples fato que o governo está deliberadamente impedindo o funcionamento desses mecanismos.

Pois bem, hoje li o Relatório de Inflação do Banco Central referente a março de 2014. Não tive como não reparar o box chamado Impacto da Conta Petróleo e Combustíveis sobre a Balança Comercial. O tal box constata o problema que eu tinha alertado no ano passado (na realidade venho apontando este problema desde bem antes, eu apenas não tinha o blog), outros economistas vinham alertando há muitos anos e que o Marco Antonio Martins alertou ainda na década de 1980! É espantosa a capacidade de nossos governantes de não aprender com os erros do passado e ainda acusar de alarmista, derrotista ou algum adjetivo semelhante os que apontam os erros que eles estão cometendo. Voltando ao box destaco o texto abaixo:

"No entanto, a maior parcela da elevação do deficitno comércio de Petróleo e combustíveis refletiu odescompasso entre oferta e demanda interna de petróleoe gás natural. Nesse sentido, conforme a Tabela 1,enquanto a produção nacional de petróleo em brutorecuou no biênio 2012-2013, o consumo interno depetróleo e derivados aumentou de modo significativo. Apropósito, cabe destacar que a dinâmica da produção emparte se explica pela perda de produtividade na extração epela intensificação de paradas técnicas para manutençãode plataformas; e a do consumo, pelos crescimentos dafrota de automóveis e do transporte de mercadorias, epelos preços da gasolina mais favoráveis ao consumidor,na comparação aos preços do etanol."

Perda de produtividade na extração, crescimento da frota de automóveis e finalmente a referência explícita aos preços da gasolina mais favoráveis aos consumidores. Nenhuma surpresa para quem conhece teoria econômica e acompanha a economia brasileira. Será que alguém no governo acreditava que o resultado seria diferente? Mais na frente o autor do box relaciona a questão energética com o déficit da conta petróleo, a incapacidade da oferta de energia de acompanhar a demanda forçou um uso ainda mais intenso das termelétricas e levou a uma maior necessidade de importação de gás. Novamente nenhuma surpresa. Quando o governo força um preço de um bem para baixo o consumo sobe muito e oferta não acompanha a subida, se o bem for imprescindível como é o caso do petróleo e da energia o excesso de demanda interna será suprida pelo exterior ou haverá racionamento. O experimento do governo subsidiando combustíveis mostra que esta regra vale mesmo quando o produtor é uma empresa controlada pelo próprio governo. Exatamente como aconteceu quando o mesmo experimento foi realizado pelo governo Geisel. Em números o resultado do experimento em 2013 foi um aumento de 19,3% das despesas com importação de combustíveis e um aumento da despesa com importação de gás natural de 37% em relação a 2012.
O box termina em um tom otimista mostrando a redução recente no déficit da conta petróleo e apontando fatores que podem levar a um aumento da produção. Não sei quanto da redução deste déficit decorre de manobras criativas, talvez ninguém saiba. Também não aposto no otimismo em relação ao aumento da produção. Porém é importante deixar claro que o desequilíbrio causado por subsídios é o grande problema, "resolver" o déficit forçando um aumento da produção nacional é mudar onde o desequilíbrio vai aparecer, afinal nunca é demais lembrar que os fatores de produção são escassos e deslocar capital e trabalho para atender uma demanda artificial pode levar a sérios problemas no longo prazo. Resolver o desequilíbrio entre custos e benefícios eliminando subsídios é a maneira mais simples, barata e eficiente de reduzir o ritmo da marcha para mais uma crise perfeitamente evitável.

terça-feira, 25 de março de 2014

A Tirania dos Especialistas - Algumas impressões sobre uma leitura obrigatória

Acabei de ler o último livro do William Easterly: The Tyranny of the Experts: Economists, Dictators and the Forgotten Rights of the Poor. Acompanho o trabalho do Easterly há muitos anos, afinal vários textos dele são leituras obrigatórias para os que militam na área de crescimento econômico. Pelo menos dois textos deles estão na lista de leitura que recomendo aos alunos da UnB que me procuram para trabalhar com crescimento: Policy, Technology Adoption and Growth e It's Not Factor Accumulation: Stylized Facts and Growth Models, além dos textos sobre América Latina. Em vários momentos a maneira como meu pensamento sobre crescimento mudou seguiu ou buscou inspiração nos textos dele. Do meu fascínio inicial por capital humano e tecnologia, passando pela preocupação com políticas e instituições, chegando à conclusão que produtividade importa mais que fatores e finalmente reencontrando Hayek e a idéia de ordem espontânea. Em cada um destes momentos esbarrei em algum texto do William Easterly. Desta forma não creio que seja coincidência ou obra do acaso que eu tenha ficado muito impressionado e tenha me identificado completamente com este último livro.

De saída o livro apresenta um suposto caso de camponeses expulsos de suas terras em Ohio para atender a uma política pública, na seqüência ficamos que o caso é real, mas aconteceu em Uganda. A história nos alerta como a reação a violação de diretos de pobres em um país africano pode ser diferente da reação ao mesmo tipo de violação se ocorresse em um país do ocidente. Na sequência o autor fala do debate que nunca ocorreu entre Hayek e Myrdal. O primeiro defendendo a ordem espontânea e o segundo defendendo o desenho consciente. Por ordem espontânea entende-se a idéia que indíviduos livres são capazes de encontrar os caminhos que levam para o desenvolvimento e por desenho consciente entende-se a idéia que autocratas ajudados por especialistas é que seriam capazes de desenhar e implementar políticas que levem ao desenvolvimento. Pela lógica da ordem espontânea é fundamental garantir o respeito aos direitos individuais dos pobres tanto quanto se garante estes direitos aos ricos. Pela outra lógica é preciso concentrar poderes no estado de forma que este possa implementar a políticas necessárias ao desenvolvimento, mesmo que isso leve ao ocasional desrespeito a direitos individuais como no caso de Uganda.

Infelizmente para o autor do livro e para este blogueiro o debate que nunca aconteceu foi vencido por Myrdal e pelos especialistas em desenvolvimento econômico que nos anos seguintes usaram vários países do então dito terceiro mundo como laboratório para suas idéias e estratégias de crescimento. Aliás o livro apresenta como bônus um resumo da história do pensamento sobre desenvolvimento econômico apontando os principais autores e onde estes autores aplicaram suas idéias, não raro em pareceria com ditadores e em explícita violação dos direitos individuais dos supostos beneficiados pela sabedoria dos especialistas. Mas o forte do livro são as críticas aos especialistas e os vários exemplos históricos.

Antes de seguir para os exemplos Easterly apresenta as três dicotomias que vão guiar o livro, são elas:
  1. Folha em branco ou aprender com a história: Países devem ser pensados como uma folha em branco pronta para receber os planos de desenvolvimento econômicos ou a história de cada país deve ser considerada quando se pensa nos efeitos de determinadas políticas?
  2. Bem-estar das nações ou dos indivíduos: Quando se pensa em riqueza e/ou bem-estar a unidade de referência relevante deve ser a nação ou o indivíduo?
  3. Desenho consciente ou ordem espontânea: O desenvolvimento decorre de políticas desenhadas por especialistas ou de soluções espontâneas de cada indivíduo para os problemas que vão surgindo?
Com estas três questões em mente Easterly apresenta uma grande variedade de exemplos históricos passando por diversos países de vários continentes. Da África a um bloco de quarteirões em Nova Iorque passando pela Ásia e pela Colômbia somos apresentados a uma gama de exemplos históricos que nos levam a ver que as segundas opções de cada uma das dicotomias acima, apesar de frequentemente ignoradas na literatura de desenvolvimento, podem nos ajudar a compreender o fenômeno da pobreza e entender como este problema é e foi enfrentado em vários tempos e lugares.

Outra preocupação do autor foi evitar debates secundários ou mesmo sem razão que povoam as discussões a respeito das três dicotomias acima. Dentre estes "falsos" debates está o que contrapõe estado e mercado, na realidade ambos se completam e agem ora em áreas distintas ora em conjunto. O exemplo que o autor oferece é a construção do Canal de Erie e como o regime democrático de respeito a direitos individuais fez com que o estado agisse para construir o canal. O grande debate é sobre direitos individuais. A questão é que tanto o estado quanto o mercado devem agir dentro dos limites estabelecidos pelo respeito aos direitos fundamentais de cada indivíduo. Caso alguém tenha alguma dúvida sobre quais são esses direitos fundamentais basta repetir o exemplo do começo do livro e pensar no episódio ocorrendo em um país ocidental.

Termino com uma das reflexões que está no livro e que tem me acompanhado nos últimos anos. A defesa da liberdade e dos respeito aos direitos individuais tem um aspecto moral que é provável que a maioria das pessoas concordem. Alguns, dentre os quais me incluo, acreditam que indivíduos livres buscando resolver seus problemas também levam as soluções mais eficientes para o desenvolvimento econômico. Se esta é de fato a forma mais eficiente é objeto de debate e até agora ninguém tem a resposta definitiva, mas, dado o caráter moral da escolha, me parece razoável que ônus da prova caiba aos que querem atropelar os direitos individuais em nome dos esquemas desenvolvidos por especialistas a serviço direto ou indireto dos tiranos que assolam os países em desenvolvimento.








sexta-feira, 21 de março de 2014

Lembrem de Pasadena

Chega a ser difícil escrever sobre a compra da refinaria em Pasadena, no Texas. Em resumo a Petrobras pagou U$ 360 milhões por metade de uma refinaria que um grupo belga tinha comprado por U$ 42,5 milhões. Não satisfeita em pagar oito vezes mais que o valor da refinaria para ter metade da refinaria a Petrobras assinou um contrato que a obrigava a comprar a outra metade da refinaria em caso de desavença entre os sócios. A desavença ocorreu, é claro, a Petrobras foi a justiça aparamentemente ignorando o contrato que tinha assinado, e acabou sendo obrigada a comprar a outra metade da refinaria. Incluindo os custos do processo a Petrobras pagou U$ 820,5 milhões pela outra metade da refinaria. No final do sai a Petrobras pagou U$ 1,18 bilhões de dólares por uma refinaria que tinha custado U$ 42,5 milhões aos belgas.

A operação é tão absurda que não tem como criticá-la sem ser repetitivo ou ofensivo. Em qualquer uma destas sociais democracias que servem de modelo para os petistas não revolucionários os responsáveis pela compra, inclusive a presidente Dilma, então presidente do conselho administrativo da Petrobras, estariam banidos da vida pública, alguns estariam presos. Naturalmente os sociais democratas do PT vão esquecer desta história em outubro e continuarão nos dizendo que querem transformar o Brasil em uma bem sucedida social democracia enquanto votam em uma das responsáveis pela transação descrita acima. É sobre não esquecer que vou escrever.

Em 1836, neste mesmo Texas, aconteceu uma batalha crucial para o destino dos EUA e, por consequência, para o destino do mundo. O General Santa Anna, ditador de plantão no México, atacou a missão do Álamo. Naquela época o Texas pertencia ao México e os que estavam na missão, em grande parte americanos, resistiam ao ditador. Os eventos ficaram conhecidos como Batalha do Álamo e são descritos em livros, filmes e outras formas de mídias. Para resumir o que aconteceu basta dizer que foi um massacre, o exército mexicano atacou com força total e os americanos resistiram até o fim. A derrota heróica acabou por chamar atenção e fortalecer a causa do Texas. Com o tempo Santa Anna foi derrotado pelos texanos e teve de ceder a independência do Texas em troca da própria vida. Após a independência o Texas se juntou aos EUA. O que me fez lembrar desta história, além de ter ocorrido no Texas, é o lema "remember the Alamo" (lembrem do Álamo) que inspirou os texanos na luta contra Santa Anna. O grito "remember the Alamo" trazia a memória os que lutaram contra todas as chances e mesmo perdendo foram capazes de inspirar tantos outros até a vitória final.
Não temos no Brasil de hoje um Santa Anna nem ninguém teve de morrer em defesa da liberdade. Mas temos no governo um grupo capaz de qualquer coisa para desmoralizar os opositores e os que ousam criticá-los. Até outubro provavelmente ninguém será assassinado por este grupo, mas muitas reputações serão. Não apenas políticos, mas delegados, juízes, colunistas, economistas, artistas e quem quer aponte os erros do governo serão acusados de traidores, sabotadores, alarmistas, serviçais das elites e outros impropérios. Nesta hora, quando seu amigo petista tiver acusando você é as pessoas com quem você se indentifica de todas estas coisas, quando tiverem distorcendo os fatos e esquecendo a verdades inconvenientes lembrem de uma única frase: lembrem de Pasadena.


quinta-feira, 20 de março de 2014

terça-feira, 18 de março de 2014

Krugman, Brasil e Argentina

Dizem que quando Debreu terminou seu discurso Nobel alguém o perguntou sobre a economia da Europa e ele respondeu que não falava sobre o que não entendia. Não sei se a história é verdade ou se é lenda. Hayek falou que não devia existir um prêmio Nobel em economia porque receber este prêmio dá ao laureado uma autoridade que nenhum economista deveria ter.
Pois bem, toda esta conversa sobre Krugman ter elogiado a economia brasileira me lembrou destas histórias e do post que ele colocou no blog dele elogiando a Argentina. Que Krugman é um excelente economista eu não discuto. Claro que isso não o obriga a ser um especialista em América Latina, mas, sabendo da autoridade que tem acredito que ele deveria tomar um pouco mais de cuidado antes de incentivar políticas que podem levar países a sérios problemas econômicos.
Estou responsabilizando Krugman pela crise na Argentina? Não, de modo algum. Mas tenho bons motivos para acreditar que as declarações dele deram forças e argumentos para os que implementavam e defendiam as políticas que levaram a Argentina a atual crise.



Quem são os irresponsáveis?

Quando da disputa entre bancos e poupadores eu e meus amigo Adolfo Sachsida e Marco Aurélio Bittencourt fizemos uma carta pedindo ao STF que desconsiderasse as pressões de interesses econômicos e julgasse de acordo com a lei, não faltou quem nos criticasse acusando-nos de irresponsáveis. Agora temos esta outra disputa jurídica onde consequências econômicas desastrosas são apontadas para pressionar o STF. Repito o que disse naquele caso: que o STF julgue de acordo com a lei.

Antes que me chamem novamente de irresponsável pergunto a meus acusadores quem são os verdadeiros irresponsáveis. Economistas que aconselham o governo a implementar planos e políticas em desacordo com a lei ou cidadãos, economistas ou não, que pedem que lei seja válida para todos? Quais os incentivos percebidos por economistas que sabem que suas maiores barbaridades serão perdoadas em nome do bem comum? Ora, tenham paciência, mesmo entre economistas que estudam o desenvolvimento econômico tem aparecido com cada vez mais força evidências e argumentos que suportam a tese que o Império da Lei é um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento de uma sociedade e que o Império dos Economistas, não raro, atrapalha o caminho para a riqueza de uma nação.

Está achando meu discurso exagerado? Acredita que um ou outro caso onde se pede para julgar de acordo com interesses econômicos não é um problema? Coisa de paranóico? Então veja o trecho abaixo tirado de reportagem do G1:

"Segundo o BC, o FGTS tem "dupla finalidade", servir como garantia de pagamento de indenização a trabalhadores em caso de demissão e fomentar políticas públicas na área de habitação. Para o procurador-geral da instituição, o fundo não pode ser visto com um benefício individual do trabalhador. 
Ele defende que enxergar o FGTS como benefício de toda a sociedade afasta "interesses de uma minoria movida pela expectativa de ganhos fáceis, notadamente quando instigada por entidades, inclusive sindicais e partidárias, que promovem a cultura das ações em massa em tempos de estabilidade monetária"."

Sim meus caros, segundo o procurador, o fundo que é composto pelo dinheiro dos trabalhadores a guisa de poupança forçada não pode ser visto como um benefício individual do trabalhador. Então a contribuição para o FGTS é um imposto? Pergunto eu. Por que insistir que não é? Mas a coisa vai além e pode assustar mesmo meus amigos coletivistas. Partidos e sindicatos são tratados como instigadores de minorias em busca de ganhos fáceis. Nunca vi um só trecho agredir o conceito de liberdade em duas perspectivas tão distintas. Agride o conceito de liberdade individual e agride o conceito de organização coletiva. Tudo isto em nome da defesa de interesses econômicos. É pouco? Ainda acham que irresponsável sou eu e os que pedem que o tribunais julguem pela lei?

sábado, 8 de março de 2014

Algumas reflexões sobre a estagnação de longo prazo da economia brasileira.

Desde que tive contato com a moderna literatura de crescimento econômico na EPGE no início da década de 1990 fiquei fascinado pelo tema, em particular com os motivos que fazem com que alguns países fiquem ricos e outros não. Meus dois primeiros trabalhos publicados, ambos em co-autoria com meu orientador de mestrado Pedro Ferreira, foram sobre crescimento. O primeiro tratava da dinâmica da renda per-capita dos estados brasileiros e fazia testes econométricos para avaliar a existência de um processo de convergência entre os estados (link aqui). O segundo era uma resenha da literatura com foco nos então novos modelos onde a presença de rendimentos crescentes e concorrência imperfeita forneciam a base teórica para explicar crescimento sustentado (link aqui). Fui para Universidade da Pensilvânia com o objetivo de seguir nesta linha de pesquisa, as coisa não correram como eu tinha planejado mas tive a oportunidade de estudar crescimento com os professores Michele Boldrim e Boyan Jovanovic e tive a sorte de conviver com o professor Stephen Parente. Destes cursos e das conversas com o Parente tive contato com modelos que tentavam explicar o subdesenvolvimento, fiz uma resenha de alguns destes modelos em texto para o IPEA (link aqui) que depois virou um capítulo de um livro sobre financiamento do crescimento no Brasil.

De volta para o Brasil me dediquei a aplicar estas teorias para explicar o comportamento da economia brasileira na segunda metade do século XX, este é um período marcado por duas etapas bem diferentes. A primeira etapa vai até 1980 e é caracterizada por altas taxas de crescimento. Entre 1950 e 1980 a economia brasileira foi uma das que mais cresceu no mundo. A segunda etapa vai de meados da década de 1990 até os dias de hoje e é caracterizada por baixas taxas de crescimento. O período de 1980 até meados da década de 1990 é um período de transição marcado pelo colapso do modelo de crescimento da primeira etapa. Me chamou atenção que a quase totalidade da literatura que tenta explicar a economia brasileira deste período ignora solenemente a literatura de crescimento econômico que é ensinada e discutida nas principais escolas de economia do mundo. Particularmente ignora tanto Solow (prêmio Nobel por sua contribuição ao crescimento econômico) quando os modelos de crescimento endógeno que apareceram com força na virada da década de 1980 para década de 1990 como contraponto ao Modelo de Solow, recentemente tive a satisfação de participar de um livro que visa completar esta lacuna (link aqui).

Com o propósito de entender a economia brasileira a partir da literatura de crescimento comecei olhando para o capital e para a produtividade no Brasil, boa parte das conclusões que obtive com este esforço estão em um livro sobre as grandes depressões do século XX (link aqui) editado pelo Timothy Kehoe e pelo Edward Prescott cujo o capítulo sobre o Brasil foi escrito por um time formado pela Mirta Bugarin, Victor Gomes, Arilton Teixeira e este que vos escreve. Neste texto concluímos que o Modelo de Solow com poupança endógena, também chamando Modelo Neoclássico, explica bem a economia brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Depois eu e os outros participantes do time avançamos com a agenda de pesquisa tratando de outros períodos e aspectos não explicados pelo modelo de Solow, o capítulo do livro a que me referi no final do parágrafo anterior faz um resumo das conclusões destas pesquisas. Até aqui vai minha pesquisa publicada, mas a parte não publicada é o que me incomoda no momento.

Por que a economia brasileira parou de crescer na década de 1980? Pelo que escrevi acima minha resposta é que foi por conta da produtividade ter parado de crescer na primeira metade da década de 1970. Ocorre que esta resposta remete a uma segunda pergunta: por que a produtividade parou de crescer na primeira metade da década de 1970? Aí está o detalhe diabólico. A resposta imediata é que a produtividade parou de crescer no mundo todo neste período, existem várias explicações para este fenômeno, a que mais gosto aponta a revolução de tecnologia da informação como responsável pela estagnação da produtividade. Tal estagnação seria típica dos primeiros anos de grandes revoluções tecnológicas. É uma resposta tentadora, mas tem um problema. No resto do mundo a produtividade voltou a crescer nas décadas de 1980 e 1990, o que é consistente com a idéia de revolução tecnológica, mas no Brasil a produtividade não só não cresceu como caiu na década de 1980 e mesmo o crescimento a partir da segunda metade da década de 1990 foi modesto. Sendo assim a explicação para o resto do mundo não parece se aplicar para o Brasil.

O que teria acontecido? Se eu soubesse a resposta teria a chave para a retomada do crescimento do Brasil e talvez da América Latina, estaria batendo na porta de meus amigos e conhecidos no governo até que eles me escutassem. Se eu tivesse pelo menos um argumento bem articulado escreveria um livro e/ou um artigo científico sobre o tema, dado o tamanho e a relevância do problema eu estaria causando um forte impacto na academia. Como não tenho nada disso me limito a colocar minhas reflexões aqui no blog na esperança que alguém faça bom uso delas e consiga o que ainda não consegui fazer.

Minha primeira reflexão é que o crescimento da produtividade no Brasil entre as décadas de 1950 e 1970 não foi causado por um processo de inovação tecnológica, nem mesmo de uma adoção ousada de tecnologias relevantes. O crescimento da produtividade ocorreu pela transferência de fatores (capital e trabalho) empregados em tecnologias de baixíssima produtividade para tecnologias de maior produtividade. Uma lógica semelhante a descrita por Arthur Lewis e que acredito que também explique muito do que acontece atualmente na China. Claro que temos que pensar em termos dinâmicos com ganhos de produtividade significativos no setor dinâmico e algum ganho de produtividade no setor tradicional. Ao fim deste processo de transferência de fatores os ganhos de produtividade teriam de vir de inovação ou de adoção de tecnologia de fronteira.

Porém para ocorrer inovação ou adoção de tecnologias de fronteira é preciso que existam algumas características. Não sei fazer uma lista extensiva destas características, mas posso listar pelo menos duas que não foram atendidas. A primeira é a existência de mão de obra qualificada, o dito capital humano, sem isto os custos de invocação ficam gigantescos. O Brasil e América Latina nunca deram a devida atenção ao capital humano e por isto não atendiam uma condição necessária, porém não suficiente, para esta segunda etapa do crescimento. A segunda, que eu considero mais importante, é a existência de incentivos adequados. É difícil dizer quais são os incentivos corretos, mas é fácil reconhecer os incentivos errados e os corretos quando nos vemos defronte uma determinada estrutura de icentivos.

A nossa estrutura de icentivos me parece claramente errada. Uma sociedade com uma estrutura burocrática absurdamente complexa e um dos piores ambientes de negócios do mundo já teria motivos suficientes para desestimular potencias empreendedores, mas é pior. As principais universidades brasileiras funcionam como grandes repartições públicas incapazes de se conectar com o mercado, para complicar ainda mais estas universidades são gratuitas e atraem os melhores estudantes tornando muito difícil o desenvolvimento de universidades privadas de excelência. Desta forma um dos canais de inovação está simplesmente desconectado no Brasil. Mas a coisa fica ainda pior. O governo brasileiro é quase um monopolista dos meios de financiamento do investimento. Os bancos públicos tem condições de oferecer crédito barato financiado pelo Tesouro e com isto capturam o mercado e de quebra desestimulam a captação de recursos nas bolsas de valores. Sobra ao empreendedor recorrer a financiamento público, este financiamento é dificultado pela burocracia inerente ao setor público e pelos objetivos políticos dos governantes de plantão. O excesso de burocracia afasta o pequeno empresário com uma idéia genial, fossem Bill Gates e Steve Jobs brasileiros provavelmente a Microsoft é a Apple teriam morrido nas mãos das exigências de algum burocrata. O uso político inibe o grande empresário disposto a adotar uma tecnologia que destrua mercados consolidados. Quais as chances de um empresário brasileiro conseguir um financiamento do BNDES para adotar uma tecnologia que destrua o mercado de frigoríficos?

O resumo de minas reflexões é que nunca tivemos instituições favoráveis à inovação. Nosso ganhos de produtividade e nosso crescimento só foram possíveis enquanto foi possível obter estes ganhos por meio de tecnologias favoráveis aos donos do poder. Para futuro estaremos condenados ao crescimento medíocre das últimas décadas a menos que consigamos mudar a estrutura de incentivos. Isto é possível? Não sei dizer. Neste momento minhas reflexões encontraram complemento nas reflexões de, ora quem diria, Olavo de Carvalho e seu conceito de que os muito ricos atuam contra o mercado pois sabem que o mesmo mercado que os tornou muito ricos pode destruir suas fortunas no presente ou em gerações vindouras. Este post já está grande o suficiente, melhor explorar esta possível complementaridade em outro momento.

 

sexta-feira, 7 de março de 2014