sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Comentários a respeito do discurso da presidente em Davos

Li o discurso que a presidente fez em Davos, gostei das linhas gerais, se fosse o discurso de uma candidata desconhecida talvez ganhasse meu voto, aí está a questão, não é o discurso de uma candidata desconhecida, é o discurso de alguém que está a mais de dez anos no poder, sendo os últimos três anos como presidente da república. Fica difícil entender porque a presidente não faz o que afirma ser importante em seu discurso. Abaixo coloco algumas partes do discurso junto com meus comentários. O discurso pode ser visto aqui, a transcrição do discurso completo está aqui, os trechos do discurso que decidi destacar estão em vermelho.
 "É imprescindível, entretanto, resgatar o horizonte de médio e longo prazos em nossas avaliações para dar suporte aos diagnósticos e às ações necessárias ao crescimento das diferentes economias. Nessa perspectiva, ainda que as economias desenvolvidas mostrem claros indícios de recuperação, as economias emergentes continuarão a desempenhar um papel estratégico. Estamos falando dos países com as maiores oportunidades de investimento e de ampliação do consumo."
Concordo, é o que os críticos do governo tem dito faz muito tempo. Porém poucos presidentes foram tão preocupados com o curto prazo quanto Dilma. Mesmo Lula, mentor político da presidente, não hesitou em fazer um grande ajuste fiscal e liberar o Banco Central para combater a inflação no início de seu mandato. Nunca entendi porque a presidente mesmo tendo altíssima popularidade e virtualmente sem oposição não fez os ajustes necessários em 2011 e 2012.
"O Brasil, por sua vez, vem experimentando uma profunda transformação social nos últimos anos. Estamos nos tornando, por meio de um processo acelerado de ascensão social, uma nação dominantemente de classe média. Alguns números ilustram essa realidade: os 36 milhões de homens e mulheres que foram tirados da extrema pobreza recentemente; os 42 milhões que ascenderam à classe média, que passou de 37% da população para 55% da população, apenas entre os anos a partir de 2003 até hoje. A renda per capita mediana das famílias brasileiras cresceu 78% no mesmo período. Nos últimos três anos, nós geramos 4,5 milhões de novos empregos."
Verdade. A transformação social pelo qual o Brasil passou nas últimas décadas é impressionante. Infelizmente, na ânsia de politizar tudo, o partido da presidente preferiu ir contra os números e a realidade e em vez de ver este processo como uma conquista da sociedade decidiu vender a ideia que era tudo mérito de um governo. Afirmar que as melhoras dos indicadores começaram antes da posse de Lula virou crime de lesa pátria. Talvez por acreditar nas lendas criadas por seu partido Dilma tentou desmontar as políticas econômicas que levaram às conquistas que ela lista. Minha esperança é que aparentemente ela percebeu o erro cometido.
"A inflação no Brasil permanece sob controle e, desde 1999, o Brasil segue o regime de metas. Nos últimos anos, perseguimos o centro da meta e, a cada ano, trabalhamos para lograr esse objetivo. Os resultados obtidos até aqui estão dentro do intervalo admitido por esse regime monetário. Reitero a vocês que buscamos, com determinação, a convergência para o centro da meta inflacionária."
Não é verdade que o governo tenha perseguido o centro da meta nos últimos anos. Nos últimos anos as previsões de inflação acima da meta não receberam a devida resposta do Banco Central. De teorias esquisitas sobre convergência longas e não-lineares a apostas que crises externas poderiam controlar a inflação o BC sempre se esquivou de assumir sua obrigação de perseguir o centro da meta. Todo mundo sabe disto, negar não é uma boa estratégia para ganhar confiança, melhor seria reconhecer o erro passado e assumir o compromisso para o futuro.
"Quero enfatizar que nós não transigimos com a inflação. A responsabilidade fiscal, por sua vez, é um princípio basilar da nossa visão de desenvolvimento econômico e social. No Brasil, as despesas correntes do governo federal estão sob controle e houve uma melhora qualitativa das contas públicas nos últimos anos. Conseguimos acentuada redução da dívida líquida do setor público, que caiu de 42,1%, em 2009, no início da crise, para 34% do PIB, em 2013. Mesmo a dívida bruta declinou neste mesmo período, passando de 60,9% para 58,5% do PIB."
Trecho mais infeliz do discurso. O atual governo com sua contabilidade criativa destruiu o significado de todos os indicadores fiscais brasileiros. Se é verdade que sempre existiu alguma criatividade também é verdade que nunca se abusou tanto desta criatividade. Mudanças de conceitos e operações estranhas desenhadas tão somente para alcançar resultados são a tônica no atual governo na área fiscal. Se há algo de bom neste trecho é que foi curto.
"A segunda alternativa é o reposicionamento dos bancos públicos na expansão do crédito ao investimento, possível, agora, graças ao aumento da participação do financiamento privado, do mercado de capitais e de outros novos instrumentos financeiros. Nós, no Brasil, possuímos um sistema financeiro sólido, com elevados níveis de capital, liquidez e de provisões, o que contribui para a expansão sustentável do crédito ao longo dos últimos anos. Esse sistema é também eficiente, com a participação harmônica de bancos privados e de instituições públicas, bancos privados nacionais e estrangeiros. Essas instituições desempenharam um papel importante nos últimos anos, em especial o sistema financeiro público nos períodos de turbulência dos mercados financeiros internacionais. Com a normalização dos mercados globais, a orientação estratégica do governo é para que essas instituições públicas retornem às suas vocações naturais."
Trecho confuso, se o objetivo é reduzir o ativismo dos bancos públicos, particularmente do BNDES, é um bom sinal. Mas se for isto mesmo o ideal era ter dito de forma clara e com todas as letras.
"Desde o início do governo, estamos conscientes da necessidade de avançarmos para uma nova etapa. Reiteramos nosso compromisso com a qualidade institucional, em especial com o respeito aos contratos existentes, juntamente com um ambiente econômico estável e atrativo aos investidores. O nosso objetivo é melhorar estruturalmente a economia brasileira, tornando-a cada vez mais competitiva. É imprescindível, para tanto, a gestão cada vez melhor dos recursos públicos, reformando o Estado e reduzindo a burocracia. Nesse sentido, medidas para a diminuição das exigências burocráticas são essenciais para o aumento da produtividade no Brasil. Cito um exemplo, que é o Portal Empresa Simples, a ser implantado este ano, com a meta de baixar o prazo de abertura de empresas para, no máximo, cinco dias.
Sobretudo, é necessário – e estamos determinados a promover – forte aumento de investimento em         infraestrutura, em educação e inovação. Com isso, aumentaremos a taxa de investimento em relação ao Produto Interno Bruto, fundamental para sustentar o crescimento de longo prazo."
Se o governo estava consciente devia ter agido. O que se viu não foi um avanço em direção a melhor qualidade institucional, melhor infraestrutura e a necessária reforma da educação. O que seu viu foi um retrocesso para o nacional-desenvolvimentismo com tentativa de usar o BNDES como indutor do crescimento, a manipulação do câmbio como indutor da competitividade, a redução forçada dos juros como indutor do investimento e o controle de preços como ferramenta de combate a inflação. Se a presidente de fato acredita que o caminho das reformas é o caminho eu fico feliz, mas melhor do que dizer que sempre soube seria reconhecer o erro e seguir em frente. É difícil confiar em quem não reconhece os próprios erros.
"Adotamos um novo marco regulatório para o sistema portuário, permitindo a ampliação da participação privada na oferta dos serviços portuários, com critérios de eficiência e aumento do volume de carga. Foram autorizados, já, oito portos privados, com investimentos de mais de US$ 1,5 bilhão. Em 2014, autorizaremos novos terminais privados e iniciaremos os arrendamentos em portos públicos."
A reforma dos portos foi o ponto alto deste governo e o ponto baixo da oposição. Na hora de apoiar uma mudança realmente boa para o país a oposição preferiu fazer política de baixo nível e criticar a medida, chegando até a incentivar baderna. Mesmo que existam críticas pontuais às mudanças nas leis que regem os portos a medida como um todo é boa e tem meu apoio. É um passo importante na direção certa.
"Fizemos três licitações de petróleo e gás neste ano que passou. O grande marco, nessa área, foi o leilão do mega campo de Libra, vencido por um consórcio entre a Petrobras e quatro grandes empresas petrolíferas que aliam competência técnica a recursos financeiros. O campo de Libra tem reservas estimadas entre oito a doze bilhões de barris de petróleo. Sua exploração deve mobilizar investimentos diretos de cerca US$ 80 bilhões nos próximos 35 anos. Seu efeito multiplicador incidirá sobre toda a cadeia produtiva de petróleo e gás. Com a exploração dos demais campos de potencial similar ao de Libra, o Brasil se tornará um significativo exportador de petróleo."
O leilão do campo de Libra não foi o sucesso que o governo quer vender, mas foi sim um passo importante e sinalizou um retorno de políticas equivocadas que o governo ameaçava levar adiante. Foi um avanço, não no sentido que estamos melhor do que estávamos no passado, mas foi um avanço no sentido que estamos mais distante de políticas muito ruins.
"Encerrando esse ponto, eu gostaria de falar aos senhores sobre um programa que eu tenho muito orgulho de ter sido feito no Brasil, que é o Minha Casa, Minha Vida, nosso programa de construção habitacional. Desde 2011, nós contratamos a construção de 2,24 milhões moradias; 1,5 milhão nós já entregamos. Com esse programa nós garantimos o acesso à moradia para as parcelas mais pobres da população, combinando recursos públicos e financiamento, no total de US$ 87 bilhões, e estabelecemos o que é importantíssimo: uma equação financeira que, considerando a renda da população, viabiliza o programa sem criar riscos para o sistema imobiliário."
Já disse em outros lugares e escrevo apenas para registar mais uma vez. O Minha Casa, Minha Vida é uma bomba relógio que, se não for desarmada com cuidado, ainda pode nos trazer muitos problemas.
"Quero fazer uma observação final. É hora de superarmos posturas defensivas e reconhecer o papel do comércio mundial na recuperação das economias. O histórico acordo global alcançado na Organização Mundial do Comércio (OMC) renova as esperanças de uma conclusão equilibrada na Rodada de Doha. O Brasil está pronto, está empenhado, também, nas negociações do Mercosul com a União Européia para um acordo comercial."
Mais uma vez o discurso se mostra muito melhor do que a prática. Vamos lá presidente, coragem, já passou da hora de superar as posturas defensivas. 
"O Brasil é, hoje, uma das mais amplas fronteiras de oportunidades de negócios. Nosso sucesso nos próximos anos estará associado à parceria com os investidores do Brasil e de todo o mundo. Sempre recebemos bem um investimento externo. Meu governo adotou medidas para facilitar ainda mais essa relação. Aspectos da conjuntura recente não devem obscurecer essa realidade." 
Presidente, uma política cambial que busca desvalorizar o câmbio para proteger a indústria local não é um bom sinal para o investidor externo. Salvo raríssimas que não me vem à mente, quem botou dinheiro no Brasil durante seu governo perdeu. A solução está no seu próprio discurso: deixa o câmbio flutuar.
Como tinha dito antes teria sido um bom discurso para um candidato de oposição, mas para quem está já faz tanto tempo no governo parece meio fora da realidade.


6 comentários:

  1. Roberto,

    "Já disse em outros lugares e escrevo apenas para registar mais uma vez. O Minha Casa, Minha Vida é uma bomba relógio que, se não for desarmada com cuidado, ainda pode nos trazer muitos problemas."

    Gostaria de saber mais sobre o que você pensa a respeito.

    Pra mim, temos uma bolha de preços no mercado imobiliário brasileiro e isso não vai acabar em final feliz pra maioria das pessoas que está comprando imóvel hoje.

    Veja bem: eu disse DE PREÇOS, não DE CRÉDITO. 8% do PIB é muito pouco pra caracterizar uma bolha de crédito nos moldes americano e espanhol, apesar da CEF estar detendo mais de 70% deste valor, ou 5,6% do PIB, e do BB deter mais alguma coisinha.

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    1. Vou tentar me explicar melhor em um próximo post. Não estou tão certo da existência de bolha, mas reconheço que existem fortes sinais. Minha crítica vai mais no sentido de tentar evitar uma crise induzindo crédito, principalmente crédito imobiliário.

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  2. "não exitou em fazer um grande ajuste fiscal e liberar"

    No caso em questão a palavra correta é hesitou, pois ele não teve hesitação, insegurança. Exitou é utilizado quando quer se demonstrar que houve êxito em alguma medida.

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    1. Muito obrigado pela correção, erro meu.

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    2. Então, na prática, está certo, pois houve ajuste fiscal no período?, ou aumentaram os gastos do governo?

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    3. No começo do governo Lula teve de fato um ajuste fiscal. No governo Dilma os indicadores foram tão distorcidos que fica difícil avaliar a política fiscal. De toda forma, mesmo com as distorções, não vejo como dizer que houve um ajuste fiscal.

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