segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Carta Aberta aos Ministros do STF


Senhores Ministros do STF,

Temos visto com preocupação alguns comentários, veiculados pela imprensa, a respeito do julgamento de ações relativas aos critérios de correção da poupança em antigos planos econômicos. Tais comentários sugerem que caso os poupadores ganhem a causa o país poderá enfrentar uma crise financeira de grandes proporções e que, por esta razão, o STF deveria julgar a favor da constitucionalidade de tais planos econômicos (e contra os poupadores).

Em primeiro lugar, devemos ressaltar que parte significativa dos avanços recentes em teoria do crescimento econômico aponta que instituições são fatores determinantes do sucesso de um país. Dentre estas instituições a justiça “cega” é certamente uma das mais importantes, uma justiça que “olha” quem vai ser prejudicado (ou beneficiado) antes de tomar decisões é mais prejudicial à economia do que uma crise financeira, por pior que sejam estas últimas.

Em segundo lugar, temos dúvidas em relação aos números que vemos na imprensa. Fala-se que retirar R$ 150 bilhões do sistema financeiro levaria a uma retração do crédito da ordem de um trilhão de reais. Aparentemente este cálculo não considera que uma parte significativa deste dinheiro será depositada nos próprios bancos a despeito de quem ganhe a causa. Os indivíduos que receberem estes recursos vão deixar parte dos mesmos nos bancos para obter rendas de juros, e vão consumir a outra parte. A parte que ficar nos bancos não deverá ter grandes efeitos no volume de crédito disponível. A parte que for consumida terá efeito direto no aumento da demanda. Mesmo esta parte dedicada ao consumo cedo ou tarde voltará ao sistema financeiro. O dinheiro não desaparece da economia (como sugerem alguns analistas), apenas muda de dono.

Outro ponto que nos incomoda são as referências a famosa frase "No Brasil até o passado é incerto". Este de fato é um problema de nossa economia que deve ser enfrentado se quisermos um desenvolvimento de longo prazo. Mas não entendemos que este julgamento seja um exemplo disto. Os reclamantes entraram na justiça em tempo hábil e tiveram vitória nas instâncias iniciais. Os bancos, agindo dentro da lei, colocaram uma série de recursos até que o julgamento chegasse ao STF. Ou seja, a demora na decisão final foi apenas devido ao processo legal, que propiciou aos bancos recorrerem de decisões desfavoráveis recebidas em primeira e segunda instância. Desta forma, o julgamento de fatos ocorridos há mais de vinte anos atrás é consequência direta das ações dos bancos. De fato a boa técnica de gestão de risco recomenda que, dado que os bancos foram condenados nas instâncias inferiores, deveriam ter feito reservas de recursos para poderem honrar seus compromissos em caso da confirmação da decisão no STF. Se isto não foi feito deve-se a problemas de gerenciamento de risco dos próprios bancos (que preferiram adotar outras estratégicas de salvaguardas financeiras). Sendo assim, se em decorrência do julgamento ocorrer a falência de algum banco isto será devido a uma gestão de risco inadequada, e não da aplicação das leis.

Terminamos por manifestar nossa confiança de que o STF julgará observando tão somente as leis, a jurisprudência, e a doutrina do direito. Afirmamos que os efeitos sobre o sistema financeiro, de possível decisão favorável aos poupadores, serão bem menores do que os apresentados na imprensa. Afirmamos também que pedir ao judiciário que julgue olhando quem ganha e quem perde com suas decisões é pedir um preço alto demais para evitar uma crise financeira.

Por fim, reforçamos o argumento de que a demora no julgamento dessa ação não se deveu a nenhum procedimento inapropriado por parte dos poupadores. Pelo contrário, boa parte dessa demora deveu-se aos recursos impetrados pelos próprios bancos. Além disso, no Brasil, não é incomum que processos judiciais levem vários anos para terem seu julgamento finalizado. Isso não quer dizer mudar o passado (tal como alguns analistas querem fazer acreditar). Apenas para reforçar nosso ponto, um estudo do IPEA mostra que o tempo médio total de tramitação de um processo de execução fiscal na Justiça Federal é de 8 anos 2 meses e 9 dias*. Ou seja, dizer que uma demora no julgamento de uma causa significa alterar o passado é um argumento que não pode ser usado na realidade brasileira.

Assinam (em ordem alfabética):

1) Adolfo Sachsida, Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA
2) Marco Aurélio Bittencourt, doutor em Economia.
3) Roberto Ellery Jr, Departamento de Economia da Universidade de Brasília.


*: Comunicado IPEA: "CUSTO UNITÁRIO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL NA JUSTIÇA FEDERAL", número 83, março de 2011.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Até quando esperar?

Em um post anterior falei sobre a Penn World Table 8.0 e comentei que uma das novidades mais interessantes foi oferecer dois conceitos para o PIB: um deflacionado pelos preços do que compramos (rgdpe)  e outro deflacionado pelos preços do que produzimos (rgdpo). O primeiro pode ser visto como uma medida de bem-estar o segundo como uma medida de nossa produção. A razão entre estes dois conceitos de PIB pode ser interpretada de duas formas:  pode ser vista como a razão entre os preços do que produzimos a e os preços do que compramos (note que esta razão não equivale aos termos de troca, mas está relacionada) e pode ser vista como a razão entre nosso bem-estar e nossa capacidade de produção. Na primeira interpretação um aumento desta razão significa que o preço das coisas que produzimos está aumentando mais do que o preço das coisas que compramos, na segunda interpretação um aumento significa que nosso bem-estar está aumentando mais do que nossa produção. Hoje vou usar a primeira interpretação para comentar a economia brasileira, no próximo post tratarei da segunda interpretação.

Podemos ficar mais ricos de duas maneiras: o preço do que produzimos aumenta ou, ao mesmo preço, aumentamos nossa produção. Considerem o meu caso, sou professor de economia. Posso ficar mais rico se conseguir cobrar mais por minhas aulas de economia ou posso ficar mais rico se der mais aulas de economia ao preço atual. Embora em ambos os casos eu esteja mais rico existe uma diferença importante entre os dois casos: no primeiro caso a riqueza é devida a fatores que não controlo, do mesmo modo que a aula de economia ficou mais cara, a aula de economia pode ficar mais barata. Preços são circunstanciais, não seguem padrões determinados. Um preço que aumenta hoje pode muito bem cair no futuro próximo a depender das condições do mercado. O gráfico abaixo ilustra a razão entre os preços do que produzimos no Brasil e os preços do que compramos.



Como vocês podem ver no início da década de 1970 o preço do que produzimos caiu em relação ao preço do que compramos, foi o Choque do Petróleo. Como ficamos mais pobres devíamos ter ajustado nossos gastos, não fizemos e pagamos o preço na década de 1980. Mas não é deste período que quero falar aqui, quero falar do início do século XXI. Notem que no início deste século o preço do que produzimos começou a crescer bem mais do que o preço do que compramos. Este é um dos fatores que explicam o crescimento recente do Brasil. Como é muito difícil prever o quanto este fenômeno vai durar a prudência diria que devíamos ter aproveitado este período de vacas gordas para nos preparar para o futuro. Devíamos ter feito às reformas necessárias para continuar crescendo quando esta razão se invertesse. Uma vez realizadas as reformas poderíamos iniciar um processo de enriquecimento por meio de aumento da produção induzida por aumento da produtividade. Desta forma nosso crescimento não mais dependeria de preços difíceis de prever. O gráfico abaixo mostra a mesma razão de preços para Coréia.




Reparem que o comportamento dos preços no início do século XXI foi cruel com a Coréia, no entanto neste período a Coréia cresceu mais do que o Brasil. Qual a razão? O crescimento da Coréia está relacionado a ganhos de produtividade, não depende apenas de preços. Alguns apressados podem entender deste gráfico que o caminho é incentivar o mercado interno por meio de subsídios à indústria local. Não é, fizemos isto por mais de trinta anos no pós-guerra e não deu certo. Não há um só motivo para tentar de novo. A saída passa por educação e um ambiente favorável aos negócios. É um caminho longo e penoso, eu sei, mas se o tivéssemos seguido no pós-guerra, como fez a Coréia, hoje não dependeríamos de preços. Se não tivéssemos desviado deste caminho em 2006 hoje estaríamos bem melhor. Já perdemos muito tempo buscando saídas mágicas e fugindo do problema, quanto tempo mais ainda vamos perder? Até quando esperar?