sábado, 27 de julho de 2013

Indústria de Transformação e Renda do Trabalho no Governo Lula: O "X" da Questão.

Análises de crescimento econômico devem ser feitas olhando o longo prazo e tomando cuidado para não confundir relações de longo prazo com relações de curto prazo entre variáveis. Infelizmente para fins de avaliar políticas é difícil escapar de análises de curto/médio prazo. Tome por exemplo alguém que queira avaliar a economia brasileira durante o governo Lula. Qualquer conclusão pode ser questionada a partir do fato que Lula governou durante um período de aumento dos preços das commodities. Infelizmente não podemos repetir as mesmas políticas de Lula em uma realidade alternativa onde o preço das commodities não subiu tanto. Esta impossibilidade de experimentos controlados é que torna as ciências sociais tão predispostas a debates inconclusivos. Claro que sei que existem várias técnicas para se realizar exercícios contrafactuais, ocorre que, para dizer o mínimo, são técnicas limitadas, principalmente quando o assunto é macroeconomia. Não temos milhares de países no mundo e só temos uma história que afeta todos os países.

Por outro lado a existência de determinadas relações, mesmo que apenas por seis ou sete anos, cria desafios para os que estudam o crescimento da economia. Não posso dizer que a existência de uma determinada relação entre duas variáveis por um determinado tempo estabeleça uma verdade universal. Mas posso dizer que se alguém quer explicar aquele período é preciso explicar porque aquela relação aconteceu. Considere um exemplo ao qual dedico muito de meu tempo: a existência de políticas desenvolvimentistas por quase toda América Latina do final da II Guerra ao início da década de 1990 e o baixo crescimento dos países latino-americanos neste período. Isto não pode ser usado como prova que qualquer política desenvolvimentista em qualquer tempo e lugar levará ao baixo crescimento da economia em um período de 40 anos. Mas qualquer teoria que queira explicar o que aconteceu na América Latina naquele período tem que ser capaz de explicar este fenômeno. Em resumo, a experiência da América Latina não prova a tese que políticas desenvolvimentistas não geram crescimento de longo prazo, mas refuta a tese de que estas políticas sozinhas criam este desenvolvimento.

Argumento semelhante pode ser usado no meu post anterior, que chamei de “Mito da Indústria de Transformação”. Os dados não dizem que indústria de transformação não é importante para o crescimento. Os dados dizem que o aumento da participação da indústria de transformação no PIB não levou a um processo de crescimento da economia brasileira sustentado no longo prazo, nem mesmo da produtividade, acrescento.

Neste espírito gostaria de comentar a relação entre participação da indústria de transformação no PIB e o valor da renda destinada aos salários durante o governo Lula (exclui 2010 porque nos dados que eu tinha no computador faltava à participação do trabalho para este ano, não creio que a exclusão mude a figura). Durante o governo Lula (2003 a 2009) a participação dos salários na renda dos fatores (sei a diferença entre PIB e renda dos fatores, estou intercambiando os termos para facilitar a leitura, isto é um post em um blog não é um artigo científico) subiu de 40% para 45%. No mesmo período a participação da indústria de transformação no PIB caiu de 18% para 16%. A Figura ilustra os dados.



Isto significa que a redução da participação da indústria de transformação no PIB levou ao aumento dos salários? Não. É possível, a partir destes dados, afirmar que o fenômeno é sustentável ou seria possível em outra conjuntura econômica? Não. Então para que servem estes dados? Para estabelecer que qualquer teoria que queira explicara relação entre participação da indústria de transformação no PIB e a participação dos salários na renda tem que ser capaz de explicar porque esta relação tem a forma de X em um período de quase oito anos (de 2004 a 2009, é um X perfeito). Se a teoria não for capaz de explicar isto um mínimo de honestidade intelectual exige que o pesquisador reconheça e fragilidade de sua teoria e, de preferência, se abstenha de propor políticas (que custam caro e alteram as vidas das pessoas) tomando por base estas teorias. Apelar para possíveis efeitos de curto e longo prazo sem explicitar de forma clara o que distingue um do outro pode até agradar a claque, mas não acrescenta nada a discussão. Tampouco ajuda definir longo prazo como o período em que tudo o que eu digo vai acontecer.

2 comentários:

  1. Estou adorando este blog. Um dos melhores macroeconomistas do Brasil escrevendo gratis sobre questões teóricas e empíricas relavantes.

    Obrigado, Roberto.

    Abrs,

    A

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